Relatório entregue ao MEC revela que demora na conclusão atinge uma em cada quatro construções avaliadas; 8% dos projetos têm 'problemas graves'
O ex-presidente Lula se vangloriava de, a despeito de não ter chegado à universidade, comandar uma expressiva expansão da rede federal de ensino superior. Em sua administração, foram criadas 15 universidades, superando a marca de Juscelino Kubitschek, com 11. "Eu, torneiro mecânico, já sou o presidente que mais fiz universidades", disse Lula em fevereiro de 2010, durante inauguração da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Minas Gerais. Só faltou o então presidente dizer que a expansão viria na base do improviso. Passados mais de dois anos, nem metade das obras UFVJM estão de pé e o atraso, é claro, atrapalha a vida acadêmica. Não se trata de exceção. Desde 2007, quando o governo federal lançou com pompa e circunstância as bases do Reuni, programa destinado a uma bem-vinda expansão das universidades federais, se multiplicam pelo país as queixas de alunos e professores sobre as más condições estruturais das unidades novas ou ampliadas: há jovens estudando em contâiners ou escolas infantis, esgoto correndo a céu aberto e ausência ou precariedade de laboratórios de pesquisa e bibliotecas, vitais à atividade acadêmica. Um relatório preliminar da Controladoria Geral da União que já foi entregue ao Ministério da Educação (MEC) joga luz sobre o uso dos 4,4 bilhões de reais que já foram consumidos pelo programa federal só em obras.

O levantamento da CGU aponta a natureza dos problemas. Falta agora determinar o prejuízo que eles dão aos cofres públicos. Em 2007, no lançamento do Reuni, a estimativa do MEC, então comandado pelo candidato à prefeitura de São Paulo Fernando Haddad (PT), era gastar de 2 bilhões de reais somente com obras – menos da metade, portanto, dos 4,4 bilhões dispendidos entre 2008 e 2011, segundo a CGU. Parte do gasto adicional se deve à ampliação do Reuni, pois as universidades incluíram projetos à expansão original. Mas parte é devido a despesas extras geradas pelos projetos originais. De Palotina, cidade que abriga um campus da Univerisdade Federal do Paraná (UFPR), vem um caso exemplar. Ali, projetou-se, ao custo de 9,5 milhões, a construção de 13.500 metros quadrados de estrutura e a reforma de outros 3.480. Até o mês passado, ao custo de 10,5 milhões de reais, pouco menos de 25% do projeto fora cumprido. O pró-reitor de administração da instituição, Paulo Kruger, prevê que a obra toda sairá por nada menos de 23 milhões de reais, 142% a mais do que o planejado originalmente. Fica uma dúvida: quem errou na conta? O pró-reitor e o MEC culpam o mesmo vilão: o desenvolvimento econômico recente. "Não tínhamos como prever, à época do projeto, um aquecimento tão exacerbado do setor de construção civil", diz o pró-reitor. "Os imóveis encareceram e os valores dos insumos, também. As construturas vencedoras das licitações não encontram mão de obra no mercado. Tudo isso encarece o processo", diz o secretário de ensino superior do MEC, Amaro Lins. Não é consenso.
Especialistas em construção e em administração pública afirmam que um planejamento adequado teria mitigado os custos extras. "De fato, vivemos uma elevação dos preços nesse campo, mas não acredito que esse seja o único fator quando falamos de acréscimos da ordem de 100% em orçamentos", diz José Roberto Bernasconi, presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia de São Paulo (Sinaenco/SP). "Quando uma obra não cumpre o cronograma, toda a fase de planejamento de custo fica comprometida." No interior da floresta amazônica, o campus de Benjamin Constant da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) também segue o roteiro de atrasos, paralisação e gastos extras. A unidade, que funciona provisoriamente desde 2006 em uma escola, teria três prédios para abrigar bibliotecas, salas de aula e laboratórios. As obras começaram em 2008, mas foram interrompidas dois anos depois: a construtora responsável consumiu o orçamento de 9 milhões de reais, entregou só 90% de um dos edifícios e decretou falência. As obras só foram retomadas em junho deste ano, após nova convocação pública. Em resumo: o contribuinte pagará mais caro para ver a construção em pé mais tarde. Não é exceção: apesar do orçamento crescente, o número de obras paralisadas do Reuni cresce: são 178 em 2012, ante 53 em 2011. "A morosidade do sistema público não é novidade. A legislação é tão burocrática que só uma gestão muito eficiente pode dar conta dos cumprir prazos e orçamentos. Infelizmente, não é o que vemos", diz o economista Raul Veloso, especialista em contas públicas.
Além de falhas na execução, os atrasos em obras do Reuni pode, sim, ser fruto de projetos mal feitos – vale lembrar, 8% dos avaliados pela CGU ganharam o carimbo de "problemas graves". Nesse quesito, as críticas são disparadas a partir das próprias federais. Um exemplo: no lançamento do Reuni, teria havido pressa e pressão para que as universidades aderissem ao programa. "A universidade não teve tempo hábil de discutir os projetos que seriam incluídos com os conselhos acadêmicos", diz o reitor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Thompson Fernandes Mariz. "Um dos projetos previa a criação do curso de engenharia de alimentos com apenas um professor: o MEC aprovou. Em outro caso, tínhamos em mãos um projeto de auditório que não tinha ralo para escoamento de água, além de outra edificação que não previa a rede elétrica necessária para a instalação de internet. Esses casos são emblemáticos." Quem se dedicou a estudar o Reuni faz críticas semelhantes. É o caso de Kátia Lima, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF): "O Reuni foi aprovado de forma acelerada e antidemocrática, com reuniões de conselhos universitários suspensas ou realizadas em locais alternativos. Na UFF, a reunião foi transferida para o Palácio de Justiça, e a reitoria convocou a polícia para reprimir estudantes, professores e técnicos administrativos que organizavam manifestações contra o programa."
O Reuni foi criado para ajudar a solucionar um problema: a baixa inclusão de jovens na universidade. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no Brasil apenas 11% dos jovens entre 25 e 34 anos concluíram o ensino superior, ante 35% nos países desenvolvidos. Isso explica a escassez de mão de obra especializada em alguns setores da economia local. Para enfrentar o desafio de incluir mais alunos, o programa federal conta com o auxílio de universidades privadas e também de outros programas públicos, como o Prouni, que concede bolsas para que estudantes pobres frequentem faculdades particulares. "Em um país que amarga indíces baixíssimos de inclusão no ensino superir, qualquer iniciativa que se proponha a aumentar o número de universitários é bem-vinda", afirma Simon Schwartzman, sociólogo e autoridade quando o assunto é educação. De fato, desde 2007, o Reuni colheu frutos, como a criação de quase 100.000 vagas em universidades públicas.

FONTE: veja.abril / Nathalia Goulart e Lecticia Maggi
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