Valoriza herói, todo sangue derramado afrotupy!

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Palhaços entram em greve e farão protesto por melhoria da condição do artista no país








RESPEITEM MEU NARIZ!


O objetivo é conscientizar para a atual condição do artista, subjugado à burocracia e a um mercado que dá prioridade ao entretenimento alienante e destituído de arte.

Palhaços, artistas circenses, músicos, bailarinos, poetas, grupos de teatro, trupes, artistas em geral estão convocados para a manifestação ? Greve dos palhaços ? um protesto artístico-poético pela melhoria da condição do artista circense e das artes do circo.

Os interessados devem comparecer dia 5 de fevereiro, um sábado, com roupas e instrumentos de trabalho, na Praça Municipal, em frente ao Elevador Lacerda, às 16 horas, Salvador.

O protesto é promovido pelos artistas participantes do curso de Verão ? O Palhaço de Picadeiro ? com o ator Breno Moroni.

O protesto é uma manifestação lúdica e artística por um maior apoio ao artista e às artes cênicas e tem como objetivo conscientizar a população e governos para a atual condição do artista, subjugado à burocracia e um mercado que dá prioridade ao entretenimento alienante e destituído de arte.

Respeitem o meu nariz!

Link para a convocatória de GREVE publicada no Centro de Midia Independente (CMI).
http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2011/01/485184.shtml

QUE O PICADEIRO SEJA CAMPO DE BATALHA CLASSISTA!!!

FONTE: CONLUTAS

O estado das universidades brasileiras

Nossa juventude está sendo bombardeada por mensagens que endeusam o chamado "empreendedorismo". Os recipientes são estudantes das engenharias e ciências da computação, como também físicos, químicos e biólogos. Os apelos ao empreendedorismo deixam de mencionar que uma empresa de base tecnológica depende do aparecimento de uma idéia que não surge do ar, mas é pacientemente garimpada entre princípios científicos, experimentos e, principalmente, conhecimento de causa. O artigo é de Maurizio Ferrante.

Uma fonte de informações interessantes do estado atual da academia é representada pelos quadros de avisos de universidades. Entre anúncios tipo - aluga-se vaga em república feminina, vendem-se bicicleta com 12 marchas, geladeira semi-nova e um Gol 1998 em bom estado - aparecem chamadas vagamente relacionadas com estudo e carreira; por exemplo, avisos de palestras e cursos.

Um tema que vem aparecendo mais e mais nos quadros de aviso, mas também em jornais e revistas que de vez em quando se ocupam de educação e afins, é o empreendedorismo. Assim mesmo: com dois ‘és’. Todos nós sabemos do que se trata: uma atitude independente e corajosa, que pressupõe espírito de iniciativa, destemor ao risco e, por fim, conhecimento técnico, atitudes “manageriais” e um bocado de ambição.

Com minha longa experiência de quadros de aviso de universidades posso atestar que nossa juventude está sendo bombardeada por mensagens que endeusam a tal atitude. Os recipientes são estudantes das engenharias e ciências da computação, como também físicos, químicos e biólogos. Não consigo me livrar da impressão de que as mensagens carreguem a silenciosa premissa de que seguir uma carreira acadêmica ou fazer carreira, primeiro em chão de fábrica e depois em atividades mais estratégicas, seja próprio dos menos capazes. Talvez esteja sendo injusto, mas é o que implica a adjetivação utilizada, que recobre de méritos o engenheiro (ou químico, ou físico...) empreendedor, e lhe aponta como inevitável o sucesso de sua pequena empresa, invariavelmente de base científica e com grande carga de inovação.

Em torno dessa idéia, a partir de 1984 começam a nascer os parques tecnológicos, que hoje no Brasil são mais de duzentos (na minha cidade tem dois), alimentados por diversos tipos de financiamento; CNPq, Secretaria de Ciência e Tecnologia dos Estados, etc., e cujo desempenho – perdas e ganhos – nunca foi apresentado aos pagadores de imposto. Notável é a ausência quase que completa de capital de risco provindo de grandes empresas ou mesmo de investidores pessoas físicas.

Sabemos que o tempo presente é a era dos serviços, natural sucessora da era da indústria, e o empreendedorismo, alardeado como a vocação dos mais capazes, passou a formar um mercado per se, sobre o qual se pode ganhar dinheiro. Isso levou à proliferação de parques tecnológicos, incubadeiras de novas empresas e entes do tipo, que logicamente necessitam de presidentes, diretores e administradores, perpetuando-se assim o ciclo do existo porque existo e quero continuar existindo. Das empresas amparadas por esses Parques e incubadeiras sabe-se pouco, e as perguntas que se colocam são: qual a taxa de mortalidade – Suíça ou de terceiro mundo? Qual o peso econômico das empresas? Qual o seu nível tecnológico médio?

Lembro-me de quando visitei a Feira de um desses Parques, e surpreso me deparei com o estande de uma (hoje falida) fábrica de tratores exibindo o seu já então vetusto produto. Naturalmente há exceções, e muitas, e pontos de vista diferentes, mas a intenção deste artigo não é tanto discutir os prós e contras do empreendedorismo no plano econômico ou no de formador de estruturas tecnológicas consistentes, como de levantar questões sobre o efeito que esse pesadissimo marketing da carreira possa ter sobre os estudantes.

Os apelos ao empreendedorismo deixam de mencionar que uma empresa de base tecnológica depende do aparecimento de uma idéia que não surge do ar, mas é pacientemente garimpada entre princípios científicos, experimentos e, principalmente, conhecimento de causa. Lembro que em uma eleição passada, o mote que acompanhava um dos candidatos era “deixe o homem trabalhar”. Eu adaptaria essa frase aos estudantes universitários (e secundaristas também): “deixem o estudante estudar em paz”. Sem o distrair continuamente com palestras de empreendedorismo, ou de como elaborar um curriculum vitae, escrever uma patente, e coisas do tipo. Tudo isso está sendo ministrado antes do tempo, e os que seguem essa sereia (porque é mais fácil ouvi-la do que espremer o cérebro sobre um texto de termodinâmica) acabam perdendo a oportunidade de se preparar melhor e fundamentar melhor suas idéias, que aí sim serão criativas.

A falta de engenheiros no Brasil é muito grande; formamos 30.000 profissionais por ano, pouco se comparado com a China – 400 mil; Índia – 250 mil, e Coréia do Sul – país pequenino com 50 milhões de habitantes que forma 80 mil engenheiros. A urgência é grande, e uma meta da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – órgão do MEC) é a evolução daqueles 30 mil para 40 mil nos próximos três anos. Esses números dão razão à CNI (Confederação Nacional da Indústria) que prevê um excesso de 150 mil vagas em setores técnicos.

Mas além da questão quantitativa, há a qualitativa: José Roberto Cardoso diretor da Escola Politécnica da USP faz notar que "... só um entre quatro engenheiros possui formação adequada...”. De fato, dependendo de como se contam há 1.087 cursos no país, dos quais a metade em escolas particulares, e uma olhada nas notas do ENADE dessa metade explica as palavras do professor.

Se ainda por cima desviamos antes do tempo um porcentual de estudantes desse mercado, e o distraímos com falsas e anti - tempo preocupações, não estamos colaborando muito com a solução dos problemas, estamos?

FONTE: CARTA MAIOR/

Maurizio Ferrante

Professor do Departamento de Engenharia de Materiais, na Universidade Federal de São Carlos.

Racismo continua barrando criança negra na adoção

Quase metade das pessoas que estão na fila da adoção – 37,5% – só aceita a adotar se a criança for branca, é o que revela o Cadastro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Segundo a juíza Andréa Pachá, titular da 1ª Vara de Família de Petrópolis (RJ), trata-se de uma forma camuflada de racismo. “É um dado estarrecedor. Ainda é forte a fantasia de que a adoção deve obedecer aos critérios da família biológica. Família é muito mais um núcleo de afeto do que herança biológica. Criança é criança, não tem cor. O discurso que se tem é o de que a criança não pode se sentir diferente. Mas isso é uma forma de racismo”, afirmou.

Segundo os números divulgados nesta segunda-feira (24/01), a cor da pele ainda é fator decisivo: dos 30.378 inscritos, 11. 316 só aceita se a criança for branca. Dos adultos inscritos, 14.259 – ou seja 46,94% - faz questão de escolher a criança pela cor da pele.

Além da exigência majoritária de que a criança deve ser branca, há ainda 5,81% (1.764) dos potenciais pais adotivos que só aceitam uma criança de pele parda; 1,91% (579) só aceitam uma criança negra; 1% (304) só aceita uma criança amarela; e 0,97% (296), uma criança indígena.

Com essas exigências as crianças negras continuam sendo esquecidas nos abrigos e orfanatos, sem chance de ganhar um lar adotivo, porque não atendem as exigências dos candidatos a adoção.

No cadastro, a maioria das crianças e adolescentes é parda — 50,57%, ou 4.020 de um total de 7.949. Estão disponíveis 2.411 crianças brancas, ou 30,33% do total. Também aguardam uma família 1.441 (18,13%) crianças negras, 41 (0,52%) amarelas e 36 (0,45%) indígenas.

Forma de racismo

Segundo a juíza “criança é criança, não tem cor” e o discurso de que a criança não pode se sentir diferente, não deixa de ser uma forma de racismo”. “Isso era pior antes. Hoje é mais fácil por uma criança de outra raça em uma família substituta. Temos encontrados casais que queriam uma menina loira de olhos azuis e, depois de visitar um abrigo, mudam de ideia. Esse perfil de menina loira de olhos azuis não é o que temos nos abrigos”, acrescenta.

Há uma outra exigência que acaba contribuindo para inviabilizar a adoção de crianças negras: os candidatos a adoção preferem crianças mais novas. Apenas 6,78%, ou 2.058, aceitam crianças com idade entre 6 e 10 anos. Outros 228 (0,76%) aceitam adotar um menor de 11 a 17 anos. No cadastro, há 2.006 crianças, ou 25,2% do total, com idade de 6 a 10 anos. Há também outras 3.855 crianças e adolescentes, ou 48,5%, com idade entre 11 e 17 anos.

Como a criança negra tem poucas chances de ser adotada, quanto mais velha vai ficando, menos chances tem de ganhar um novo lar.

A luta dos judeus negros
















A presidente da Associação Israelense de Judeus Etíopes, Zva Mekonen Degu, diz em entrevista a jornalista e colunista de Afropress, Rosiane Rodrigues, que judeus etíopes ainda enfrentam dificuldades. Cerca de 120 mil negros de origem etíope vive em Israel.

Trinta e cinco anos depois do início das Operações Moisés e Salomão - que resgataram milhares de judeus etíopes refugiados no Sudão - a presidente da Associação Israelense de Judeus Etíopes, Zva Mekonen Degu, luta pelos direitos de mais de 120 mil negros. Ela lembra que andou por quatorze dias e ficou quase quatro meses num campo de refugiados, antes de chegar à Israel.


"A imigração em massa começou em 1976. O governo israelense fez um acordo com o governo do Sudão e enviou armas para que pudessem ser trocadas por nós. Só que houve um vazamento e muitos não conseguiram imigrar. Em 1984, quando eu vim com minha família, a imigração de 14 mil etíopes foi feita de forma secreta e ilegal. Quatro mil morreram no percurso para Israel", revela.



Antes de começar a entrevista, Zva faz questão de ressaltar que ainda tem muito que trabalhar, "mas que precisa dizer que não há país no mundo que envie seus melhores soldados para arriscarem suas vidas em território inimigo com objetivo de salvar judeus negros da guerra".



Ela nos conta que uma de suas maiores lutas é pelo reconhecimento dos sacerdotes etíopes para a realização de circuncisões e casamentos.



"A primeira grande batalha que travamos ao chegar aqui foi lutar pelo nosso reconhecimento junto aos religiosos ortodoxos. Os nossos sacerdotes (kessin, os rabinos etíopes) ainda hoje rezam em Gez, língua sagrada do meu povo. De todas as versões sobre a origem da minha comunidade, a que mais foi aceita é a de que somos a Beyta Israel - uma das 12 Tribos de Judá - que se perdeu na África".



Idioma original



Essa mulher de fala mansa, mãe de quatro filhos, diz que ainda hoje fala em arandi - idioma de sua etnia africana.



"Quando chegamos em Israel, recebemos apartamentos, os Centro de Absorção nos ensinou o hebraico, nossas crianças foram matriculadas em escolas, tivemos ajuda financeira, mas isso ainda não é o bastante. Queremos manter nossa identidade. Já tivemos uma vitória: os kessin já podem dirigir os cerimoniais. Queremos que as investigações dos etíopes que se declaram judeus, mas que foram cooptados pelos missionários cristãos, sejam feitas pelos nossos sacerdotes".



Racismo refinado



O pesquisador Avraham Milgran, diretor das Pesquisas Históricas do Novo Museu do Yad Vashen, reconhece que o racismo está presente nas relações em Israel.



"A integração dos judeus etíopes na sociedade não é fácil. Há uma discriminaçao racial e social, oriunda principalmente nas camadas mais baixas, que os veem como concorrentes por postos de trabalho".



Milgran, que foi criado no Brasil, faz uma comparação entre Brasil e Israel. "Os etíopes, ao contrário dos negros brasileiros, são tratados como cidadãos".



O professor define o racismo como um fenômeno cultural. Ele revela que a sociedade israelense ainda tem problemas em assimilar os etíopes, mas que a maior discriminaçao ainda é com os refugiados das guerras religiosas da África.



"Veja, a discriminação é menor contra os etíopes porque eles são judeus. Esse é um fenômeno que está presente numa parcela da poopulação que os vê como concorrentes no mercado de trabalho. Os etíopes vivem, em sua maioria, nas periferias. E são exatamente as pessoas de classes menos favorecidas que os discrimina", relata.



Já com relação ao refugiados, Milgram admite que Israel precisa pensar em políticas específicas. "Estamos ao lado de países que estão em guerra há décadas, como o Sudão e Eritréia. Os africanos que chegam aqui vêm com suas vidas destruídas, marcados pelas tragédias. Na verdade, o mundo se acostumou a dar as costas para África. Existe um déficit de políticas para os africanos que é preciso ser revisto. E tenho convicção que é preciso pensar o que faremos com esses refugiados", explica.



Milgram é nascido na Argentina e criado em Curitiba (capital do Paraná, Sul do Brasil) esse estudioso das relações de ódio que marcaram o antisemitismo em nível mundial, conhece bem a realidade brasileira e vai mais longe.



"O racismo no Brasil tem uma forma muito refinada, se comparmos a outros paises. As questões que envolvem as discriminações raciais no Brasil são estruturais. A questão é que aqui (Israel), os negros têm cidadania, levam o filho para a escola, são profissionalizados e todos moram em apartamentos dados pelo governo. Quando os etíopes chegaram foram acolhidos pelo Ministério da Imigração e recebidos pelos Centros de Absorção para aprenderem o idioma. Como todos eles vieram de campos de refugiados, se concentram em locais pobres. Mas não vivem na miséria".

FONTE: AFROPRESS

LEIA TAMBÉM:  Conheça a história das comunidades judaicas negras da África

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Refrigerante de maconha será lançado nos Estados Unidos




Aparece de tudo mesmo hoje em dia. A última que inventaram foi o refrigerante de maconha, o "Canna Cola". A partir do mês que vem, ele estará disponível no estado do Colorado, nos Estados Unidos. Mas o preço é bem salgado! Cada garrafa custará entre 17 e 24 reais.

Nos Estados Unidos, 15 estados permitem o uso da maconha desde que para fins medicinais. O criador da "Canna Cola" é o empresário Clay Butler, que disse nunca ter fumado a erva, mas defendeu a bebida com unhas e dentes por achar que as pessoas devem "acreditar que os adultos têm o direito de pensar, comer, fumar, ingerir ou vestir o que quiserem", disse à publicação "Santa Cruz Sentinel".

Além da “Canna Cola”, refrigerante terá os sabores limão (Sour Diesel), uva (Grape Ape), laranja (Orange Kush) e um inspirado na bebida Dr. Pepper (Doc Weed)". Segundo o distribuidor do produto, os efeitos do refrigerante de maconha não deixarão ninguém doido. Eles seriam similares a uma cerveja leve. É experimentar para saber.

FONTE:extra.globo

segunda-feira, janeiro 24, 2011

HAITI AQUI!


Militares brasileiros, em treinamento em Pelotas, que irão embarcar para Missão de "ocupação" no Haiti, em fevereiro, fizeram no final da tarde deste sábado (22) uma caminhada pela Avenida Bento Gonçalves, no centro da cidade.

O movimento realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura contou com a adesão de familiares dos militares e da comunidade em geral.

A atividade foi encerrada com um culto ecumênico em frente ao Altar da Pátria.

A Propósito: Responda nossa enquete

- VOCÊ É FAVORÁVEL A OCUPAÇÃO MILITAR BRASILEIRA AO HAITI?




sexta-feira, janeiro 21, 2011

Cotas da igualdade

Debate sobre as cotas raciais nas universidades brasileiras trouxe de volta velhos clichês como a suposta “democracia racial” brasileira e o reducionismo econômico, que insiste em negar a diferença de tratamento entre brancos e negros da mesma classe social


De todas as ficções com as quais o sistema capitalista se legitima, a mais hipócrita delas é a da igualdade de oportunidades. A meritocracia é uma ficção que só se realizaria se não houvesse heranças. No mundo real, ninguém começa a vida do zero; somos herdeiros não só do patrimônio, mas da cultura e da rede de relacionamentos de nossos pais. Alguns já nascem na pole position, com os melhores carros; outros se digladiam na última fila de largada em calhambeques não muito competitivos.

Quem é o melhor? O piloto que vence a corrida largando na pole position e com o melhor carro ou aquele que largou em último e chega com seu calhambeque em segundo lugar? Quem tem mais mérito? O candidato que estudou a vida inteira em excelentes escolas particulares e passou em primeiro lugar no vestibular ou aquele que passou em último, tendo estudado somente em escolas públicas, enquanto trabalhava oito horas por dia para ajudar seus pais?

As cotas universitárias não foram criadas para coitadinhos. Elas existem para vencedores. Para alunos que são tão brilhantes que, mesmo correndo durante 17 anos em calhambeques, ainda conseguem chegar próximos daqueles que dirigem os melhores carros. Para quem, contrariando todas as expectativas, venceu o sistema que lhe negou as oportunidades necessárias para que seu talento florescesse em plenitude. As cotas são um mecanismo para privilegiar o mérito pessoal em detrimento da condição social como critério de seleção.

É relativamente fácil perceber como a desigualdade econômica afeta o desempenho acadêmico dos candidatos ao vestibular. Mesmo quem nunca foi pobre consegue imaginar as dificuldades de alguém que estudou em uma escola fraca, sem dinheiro para comprar material escolar e tendo que trabalhar para ajudar nas despesas da casa. Difícil mesmo é um branco perceber como a desigualdade racial dificulta o ingresso de um negro na universidade.

O racismo no Brasil é comumente negado com base em duas ideologias complementares: o “mito da democracia racial” e o reducionismo econômico. A primeira nega, contra todas as evidências fáticas, a existência da discriminação racial brasileira; a segunda reconhece o tratamento desigual, mas atribui sua causa à desigualdade econômica. Juntas, estas duas ideologias fundamentam um argumento recorrente de que o negro seria discriminado no Brasil não pela cor de sua pele, mas por sua pobreza.

Democracia racial

O mito da democracia racial brasileira, como todo mito que se preze, tem suas origens incertas. Muitos atribuem sua gênese à obra magna de Gilberto Freyre, Casa-grande & Senzala (1933), ainda que a expressão não conste expressamente no livro e só tenha sido usada por Freyre muito mais tarde, sob influência de outros intelectuais. Fato é que, independentemente do pensamento ou da vontade de Freyre, sua obra foi interpretada por muitos como a prova cabal de que as relações entre brancos e negros no Brasil se deram de forma muito mais cordial do que na América do Norte, até em função da miscigenação ocorrida por aqui, o que explicaria a suposta democracia racial existente no Brasil.

E foi com base nesta ideologia da democracia racial que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) defendeu a ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, com a qual o seu partido requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declarasse inconstitucional o sistema de cotas raciais nos vestibulares brasileiros. Em audiência pública ocorrida no STF em 3 de março de 2010, o senador afirmou: "Nós temos uma história tão bonita de miscigenação... (Fala-se que) as negras foram estupradas no Brasil. (Fala-se que) a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. (Fala-se que) foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual."

Esta visão romanceada da escravidão no Brasil, que foi duramente criticada por Florestan Fernandes e seus colegas da USP em minuciosos estudos realizados a partir da década de 1950, ainda hoje encontra seus adeptos, não obstante seu visível anacronismo. A ditadura militar brasileira – que aposentou compulsoriamente Florestan em 1969 – esforçou-se para garantir uma sobrevida à ideologia da democracia racial, incutindo na população a ideia de que não há racismo no Brasil.

Os números do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, porém, mostram uma realidade bastante diferente da propagada pela ideologia da democracia racial. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de pretos e pardos no Brasil é de 0,753; o de brancos é de 0,838. Dos 513 deputados eleitos em 2006, apenas 11 eram pretos e 35 pardos. No início de 2007, dos 81 senadores 76 eram brancos, enquanto somente 4 eram pardos e 1 preto. Dos 68 juízes dos Tribunais Superiores, apenas dois foram identificados como pretos e dois como amarelos, sendo todos os demais brancos.

No ensino superior a democracia racial é uma ficção. Em 2006, um em cada cinco brancos em idade esperada para ingressar no ensino superior estava na universidade, enquanto 93,7% dos pretos e pardos na mesma faixa etária estavam excluídos do ensino superior público ou privado.

No corpo docente das universidades brasileiras a situação é ainda pior. Um estudo do professor de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB) José Jorge de Carvalho avaliou 12 das principais universidades brasileiras e constatou que o número de professores negros (pretos e pardos) não chega sequer a 1%. Dos 4.705 professores da Universidade de São Paulo (USP) no período avaliado, apenas 5 (0,1%) eram negros. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dos 2.700 professores, 20 (0,7%) eram negros. Das instituições pesquisadas, a com maior pluralismo racial do corpo docente foi a UNB, na qual, dentre 1.500 professores, havia 15 (1%) negros.

Reducionismo econômico

Na impossibilidade de negar os números que indicam claramente a discriminação racial no Brasil, os adeptos da ideologia da democracia racial procuram justificar as desigualdades apontando como causa da discriminação não a etnia, mas a condição econômica dos negros, na média bastante inferior à dos brancos. Este argumento tem seduzido, inclusive, muita gente de esquerda que, em uma leitura ortodoxa do marxismo, entende que todo conflito social pode ser reduzido a um conflito de classes.

Uma análise mais atenta da realidade social, porém, constata que, para além do poder econômico que impõe a dominação de ricos sobre pobres, há também micropoderes que impõem relações de dominação em função de outras diferenças sociais, tais como as existentes entre brancos e negros, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, nacionais e estrangeiros e tantas outras.

É tentador imaginar que um estudante negro que estudou toda a vida na mesma sala de aula de um colega branco, com renda familiar semelhante, tenha a mesma chance que ele de ingressar em uma universidade. Na vida real, porém, as dificuldades do estudante negro são sempre maiores.

Ainda que tanto o estudante negro quanto o branco assistam às mesmas aulas e estudem pelos mesmos livros, este é apenas um aspecto muito reduzido de sua formação. A criança e o adolescente refletirão boa parte das expectativas que seus pais, professores e colegas depositam nele. Se o aluno branco é visto por seus professores como “brilhante” e o negro como “esforçado”, esta diferença acumulada durante mais de 10 anos de estudos resultará em níveis de autoconfiança bastante diferentes.

O negro já entra na escola com um menor status social perante seus colegas e isso lhe será relembrado durante todo o período escolar, desde os apelidos que lhe serão dados até o eventual desafio de um namoro interracial na adolescência. Se precisar trabalhar para ajudar nas despesas de casa, o adolescente negro terá maiores dificuldades em ser aceito em um emprego do que o adolescente branco, ganhará menos e exercerá piores funções. Haverá uma probabilidade muito maior de que os adolescentes negros sejam abordados e revistados pela polícia do que o mesmo ocorrer com seus colegas brancos; aqueles terão sempre seguranças seguindo seus passos em shoppings centers e boates. As revistas e os programas de TV lhe lembrarão o tempo todo que suas chances de ascensão social se resumem a ser um exímio jogador de futebol ou uma sambista destinada a ser símbolo sexual somente durante o carnaval.

Se o adolescente branco tem como desafio vencer a pobreza para passar no vestibular, o adolescente negro, além da pobreza, precisará vencer o preconceito. Precisará ir além da expectativa social que lhe atribuiu um lugar na sociedade que ele não quer ocupar. E isso, muitas vezes, é bem mais difícil do que simplesmente aprender a matéria que cai na prova.

Não se trata de uma mera dominação econômica de uma classe sobre outra, mas de uma dominação cultural que durante séculos incutiu no inconsciente coletivo a imagem do negro como raça inferior. As cotas raciais a médio e longo prazo permitirão que mais e mais negros sejam vistos no mercado de trabalho como profissionais de sucesso, alterando as expectativas sociais que são atribuídas aos jovens negros.

Quando os cirurgiões e os juízes negros deixarem de ser confundidos com pacientes e réus, não precisaremos mais de cotas. Até lá, as cotas raciais cumprirão não só o papel de promoção da igualdade racial, mas principalmente farão justiça com o estudante negro que enfrentou tantos percalços na sociedade racista em que vive. Reconhecerão o mérito de quem desafiou todas as expectativas sociais em contrário e continuou estudando para ingressar em uma universidade. O mérito de quem teima em ser um vencedor.

FONTE: REVISTA FÓRUM/Por Túlio Vianna

Homofobia em preto e branco






Episódios de violência contra homossexuais trazem à tona a discussão sobre direitos negados e preconceitos, que são encarados como corriqueiros pela sociedade


No último 14 de novembro, quatro menores de idade e um jovem de 19 anos agrediram fisicamente, utilizando até lâmpadas fluorescentes, três pessoas que caminhavam na avenida Paulista, em São Paulo. No mesmo dia, um estudante foi xingado e baleado por um militar do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, logo depois do fim da Parada Gay carioca. Ainda que as imagens da agressão paulistana tenham chocado, isso não evitou que, 20 dias depois, outros dois jovens fossem vítimas de nova agressão, na mesma avenida. E, no dia seguinte, que imagens de um circuito de segurança mostrassem outro caso na mesma região.

É provável que quando você estiver lendo esta matéria novos casos de violência homofóbica terão ocorrido. Casos notórios como os descritos acima trouxeram à tona a preocupação com a segurança e a proteção da vida de homossexuais no país, embora boa parte da sociedade ainda queira evitar a questão, banalizada e invisível durante a maior parte do tempo. Agressões que têm a orientação sexual como motivação são constantes no Brasil. Não existem dados oficiais a respeito, mas levantamento realizado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais contabiliza 198 homicídios com motivações homofóbicas em 2009. Em 2010, esse número já chegaria a 205. Segundo o antropólogo Luiz Mott (Universidade Federal da Bahia/UFBA), até 15 de dezembro, o número atingia a marca de 235 mortes, o que colocaria o Brasil na primeira posição entre os países que realizam algum tipo de levantamento.

A evolução da violência é preocupante, e a subnotificação dos casos indica que esse índice pode ser muito maior. Nem sempre as vítimas denunciam os crimes dos quais são vítimas, muitas vezes pelo fato de os algozes serem pessoas conhecidas. “A maioria das vítimas tem algum tipo de relação ou vínculo com o agressor, sendo um familiar, amigo, vizinho ou colega de trabalho. E esse agressor tem uma nítida impressão de impunidade, mesmo sabendo que está cometendo um crime”, conta Franco Reinaudo, da Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual da prefeitura de São Paulo.

Reinaudo se refere ao Mapa da Homofobia, elaborado pela administração paulistana com base em um serviço de denúncias, que ajuda a traçar um mapa das agressões homofóbicas na cidade. Alguns dados merecem destaque e podem ter pontos em comum com outros municípios brasileiros. “Pode-se constatar a intolerância dentro do ambiente doméstico, já que 22% das agressões físicas acontecem dentro de casa. Quando a vítima nos procura por conta da homofobia familiar, é porque foram expulsos da residência em função de o pai ou a família descobrirem que são homossexuais”, relata. “Existem alguns casos emblemáticos, como o de um pai que martelou a mão do menino por conta da sua homossexualidade, e a comunidade ficou a favor disso. Outro caso foi de uma mãe que pediu para o companheiro dela estuprar a filha quando descobriu que era lésbica, para que ela `virasse mulher`.”

Conforme o mapa da homofobia paulistano, das mil denúncias de agressões, 50% aconteceram no centro expandido, que engloba a avenida Paulista. “A gente desconfiava que o centro ia aparecer por dois motivos: lá, é a área onde se tem o maior número de estabelecimentos da comunidade, e sabemos também que existe uma quantidade expressiva de homossexuais e travestis que moram nessa região”, explica Reinaudo. “Em geral, uma outra informação que chega no mapa é que essa violência, quando acontece em espaço público, é bastante covarde, porque os agressores estão em maior número ou pegam a pessoa de surpresa. É uma agressão gratuita, a pessoa não tem a chance de responder. Eles não atacam onde existe alta concentração, a agressão é feita no caminho em que as pessoas estão indo ou vindo da balada, são quase emboscadas no entorno para pegar a pessoa desprevenida”.

As razões da violência e a internet

Mas por que teria havido esse recrudescimento da violência homofóbica? Para a cantora, compositora e ativista Vange Leonel, um dos motivos estaria ligado à visibilidade. “Homofobia sempre existiu, mas a partir do momento em que os movimentos gays passaram a sair para a rua, estamos nos expondo cada vez mais, e é natural, não correto, que haja uma reação maior”, afirma. “Éramos mais discretos, ficávamos em guetos específicos de gays e lésbicas, não estávamos na mídia, na TV etc. Esse é um aspecto deste recrudescimento. Uma reação a uma ação”.

Outro fator que pode ter contribuído para essa onda foi o nível moralista da campanha presidencial. “Nós já temos um caldo cultural homofóbico e tivemos, nesse período eleitoral, principalmente no segundo turno, os fundamentalistas saindo do armário, tanto os religiosos como muita gente que estava controlando sua discriminação, seus preconceitos, e colocaram pra fora. Passaram a aparecer manifestações contra os LGBTs, contra os nordestinos, e isso agora está passando para as vias de fato”, argumenta Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ALGBT). “A maneira como foi colocado o debate foi muito triste, e se você buscar qualquer palavra se referindo à homossexualidade na internet, existem muitos sites incentivando o preconceito e até mesmo a violência”, destaca Reis.

A internet é, de fato, o terreno mais fértil para o florescimento da intolerância homofóbica. O caráter anônimo da rede, ainda que ilusório, dá a agressores a confiança de que não serão descobertos ao destilarem seus preconceitos. As denúncias de homofobia à SaferNet, ONG que recebe denúncias de abuso no conteúdo da rede, correspondiam a 4% do total de reclamações no primeiro semestre de 2006. No primeiro semestre de 2010, a porcentagem passou para 10%, com um total de denúncias referentes à homofobia que chegou a 3.090 casos. Entre julho e novembro de 2010, esse número já foi ultrapassado e atingiu 3.217 notificações.

Comunidades homofóbicas, com nome como “Odeio Gays” e “Matem os travecos” fazem parte da história do Orkut. Hoje, é quase impossível acessar uma página de conteúdo tão agressivo, já que, assim que descobertas, elas são apagadas imediatamente. Mas grupos como “Odeio cantadas de gays” e outros que associam times de futebol com homossexualidade são relativamente comuns. Sites de religiosos que atacam a homossexualidade também existem aos montes. Em um deles, de autoria de Julio Severo, é possível encontrar artigos relacionando homossexualidade e pedofilia e um link para uma página que promete ajudar quem quer “sair do homossexualismo”.

Uma das ferramentas mais eficazes para divulgar a homofobia, atualmente, é pelo Twitter. As mensagens instantâneas têm menos moderação que as comunidades do Orkut ou páginas normais e, por isso, muitas vezes são mais agressivas. A polêmica envolvendo os termos #HomofobiaNao e #Homofobia Sim, no site, exemplifica bem o tipo de preconceito que pode ser propagado pela rede social. Logo após as agressões aos rapazes na avenida Paulista, em novembro, uma campanha contra a homofobia chegou ao Trending Topic (assuntos mais comentados) no Twitter. No dia 17 de novembro, um perfil apócrifo chamado @HomofobiaSim foi criado para defender as agressões. Sua descrição na rede afirmava que são os gays “os responsáveis pela propagação de DSTs no mundo”. Em 15 horas, o perfil ganhou mais de 15 mil seguidores e divulgou diversas mensagens preconceituosas, colocando o termo #HomofobiaSim como destaque no site. Após ser cogitada a possibilidade de processos judiciais, as mensagens foram apagadas e o perfil deixou de ser atualizado.

Outro caso é a ameaça que a transexual e ativista dos direitos da comunidade LGBT Luiza Stern sofreu no Twitter em 12 de dezembro. Sem nenhuma troca anterior de mensagens, o perfil anônimo @psycl0n tuitou uma mensagem em que ameaçava “descarregar uma arma” nela. Imediatamente, Luisa denunciou o perfil para a SaferNet, para o Ministério Público Federal e para a Polícia Federal. Ela deve ainda entrar com uma denúncia na Delegacia para Crimes na Internet do Rio Grande do Sul. “Apesar de não poder provar, acredito que o autor dessas ameaças seja uma pessoa que produz esse tipo de conteúdo há muito tempo no Orkut, agredindo integrantes da comunidade ‘Homofobia já era’”, diz Stern. “Até agora, tudo tinha sido agressão verbal, mas ameaça à vida é a primeira vez que recebo.”

A desconfiança de Luiza baseia-se no fato de que, após as denúncias feitas por ela, o agressor postou diversas mensagens sobre o tema. Em uma delas, diz que Luisa o denuncia para o MP e a PF desde os tempos do Orkut, mas que nunca nada havia acontecido. “O anonimato encoraja esse tipo de atitude, mas isso é inaceitável. Quem sabe essa pessoa, que está escondida atrás do computador, não resolve colocar sua loucura em prática? Quero que ele vá para onde já deveria estar, que é a cadeia ou uma instituição mental, onde não possa ameaçar ninguém.”

Em todos esses casos, entretanto, a reação ao preconceito ganhou força, e a própria internet foi um instrumento para articular manifestações contrárias à homofobia. “O meio é um canal para o uso do discurso da moral religiosa, mas o movimento LGBT tem usado a internet para combater o preconceito e se organizar”, afirma Roberto Gonçale, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Advogados do Brasil – Rio de Janeiro (OAB-RJ). “É um espaço tanto de confronto como de colaboração, e deve ser aproveitado da melhor forma possível”, acredita. Prova dessa força foi o “Beijaço contra a homofobia”, organizado virtualmente por conta de um casal homossexual ter sido discriminado por um funcionário de uma doceria Ofner. Em novembro, o grupo já havia participado de um protesto de 500 pessoas contra o "Manifesto Presbiteriano sobre a Lei da Homofobia", assinado pelo chanceler Augustus Nicodemus Gomes Lopes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

A lei e a mídia

“A gente tem percebido que a homofobia sempre existiu. Na Idade Média, éramos queimados na fogueira; depois, passamos a ser tratados como criminosos e, até o dia 17 de maio de 1990, éramos tratados como doentes”, afirma Toni Reis, referindo-se à data em que a Assembleia Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o código 302.0, relativo à homossexualidade, da Classificação Internacional de Doenças, e reiterou que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. Durante muito tempo, homossexuais foram perseguidos, nos mais diversos países, pela Igreja, pelo aparato judicial e pela própria ciência. Assim, mesmo salvaguardas necessárias, como a aprovação do Projeto de lei 122/06, que está em tramitação na Câmara do Deputados, sofrem todo tipo de resistência.

O texto do projeto, de autoria da deputada federal Iara Bernardi (PT-SP), equipara crimes com motivações homofóbicas àqueles motivados, por exemplo, pelo racismo. “A aprovação da lei transferiria o preconceito para a esfera penal”, explica Roberto Gonçale. Para ele, a falta de uma lei específica faz com que grupos homofóbicos se sintam no direito de discriminar. “A lei penal é restritiva, então, ainda que haja um entendimento de que a agressão aconteceu por homofobia, a Justiça não pode punir”, afirma. A advogada Sylvia Maria Mendonça do Amaral também aponta para a insuficiência da legislação atual. “Se acontece uma agressão verbal, um ato homofóbico, a vítima vai à delegacia e não tem um crime tipificado, abre-se somente um boletim de injúria.”

Sylvia atenta também para outro problema: a dificuldade que as vítimas enfrentam para denunciar os crimes, já que podem ser vítimas de discriminação também nas delegacias, em função do despreparo da polícia para tratar com o tema. “Vejo as pessoas com muito medo de procurar a delegacia e serem discriminadas. Já acompanhei clientes meus para fazer boletins de ocorrência. Quando há um advogado presente, essa eventual discriminação não é demonstrada, mas muitas pessoas que conheço, que foram sozinhas à delegacia, sofreram”, conta.

Da mesma forma, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) compara a importância da aprovação do PLC 122 à criminalização do racismo. “Trata-se de uma disputa cultural. Claro que o Estatuto racial não resolveu a questão do preconceito, mas o inibe. E, daqui a alguns anos, as pessoas vão ter vergonha de dizer que faziam piadas com negros; o mesmo pode acontecer, daqui a alguns anos, em relação às piadas homofóbicas”, defende. Ele também observa o papel desempenhado pela mídia na perpetuação do preconceito. “A Globo, ao mesmo tempo que trata de questões importantes em novelas, reitera estereótipos em seus programas de humor. Imagine um jovem que queria conversar sobre sua homossexualidade com a família no sábado à noite enquanto é exibido um programa como um Zorra Total, que retrata estereótipos daquilo que é mais degradante.”

Apesar de reconhecer que os homossexuais conseguiram mais visibilidade na mídia em geral a partir dos anos 1990 – algo positivo, já que uma das bases do preconceito é justamente a desinformação e a falta de contato –, Vange Leonel também faz ressalvas ao tratamento midiático. “Tem que perder o medo de mostrar o beijo gay, cansam de mostrar em filmes, em enlatados. Não sei por que não se mostra em novela”, questiona. “E tem uma coisa perversa, que é usar esse suspense se vai ou não ter o beijo para ganhar a audiência”.

O papel das igrejas

Os setores conservadores, com efeito, não parecem dispostos a perder o “privilégio” de poder discriminar homossexuais. O PL 122/06 é atacado por muitas igrejas e não raro textos bíblicos usados em cultos e sermões de pastores e padres pregam contra a homossexualidade. Não à toa. Daniel Borrillo, em seu livro Homofobia – História e Crítica de um Preconceito, afirma que “os elementos precursores de uma hostilidade contra lésbicas e gays emanam da tradição judaico-cristã”. Ainda de acordo com o autor, “o cristianismo, ao acentuar a hostilidade da Lei judaica, começou por situar os atos homossexuais – e, em seguida, as pessoas que os cometem – não só fora da Salvação, mas também, e sobretudo, à margem da Natureza. O cristianismo triunfante transformará essa exclusão da natureza no elemento precursor e capital da ideologia homofóbica”, em um processo de desumanização e inferiorização dos homossexuais.

Assim, boa parte da resistência ao reconhecimento de direitos aos homossexuais vem dos religiosos. No caso específico da lei que criminaliza a homofobia, muitos deles vêem nela um equivalente à “lei da mordaça”. De fato, é possível que a aprovação do projeto obrigue os pregadores mais exaltados a segurar a língua na hora de “explicar” seus argumentos contra a homossexualidade. O texto do projeto prevê que será crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça [...] gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero” e que é proibida “a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”.

É discutível, no entanto, se isso tem alguma coisa a ver com religião ou se atinge apenas os discursos que extrapolam o escopo religioso. “Não há problema em discordar da conduta homossexual e explicar isso aos fiéis”, afirma Roberto Gonçale. O problema seria o estímulo à intolerância. “As igrejas conservadoras usam o discurso para incitar a discordância e acabam servindo como justificativa para a violência. Nesse ponto, não é mais liberdade de expressão”, acredita.

Essa também é a opinião dos pastores Fábio Inácio de Souza e Marcos Gladstone, fundadores da Igreja Cristã Contemporânea, denominação evangélica inclusiva, criada em 2006 no Rio de Janeiro. Homossexuais, os dois fundaram a Igreja por não se sentirem representados nas instituições tradicionais. “A igreja é a instituição que mais dá munição para que o preconceito exista. Na Parada Gay do Rio de Janeiro, havia vários cartazes de igrejas conservadoras, dizendo que gays vão para o inferno e que Deus abomina os gays”, conta Gladstone.

A Contemporânea divide seus argumentos a favor da tolerância em duas categorias. A primeira, é a diferença dos costumes de agora com os de milênios atrás. “A Bíblia de fato, em Levítico, proíbe a homossexualidade, mas o mesmo livro prega que não podemos comer mariscos, cortar o cabelo e que as mulheres não se aproximem de ninguém durante o período menstrual”, diz Souza. “Então, por que essa indignação seletiva contra a homossexualidade? Os costumes mudaram em muitos aspectos, não faz sentido continuar condenando sob esse argumento”, sustenta. A outra linha de argumentação dos pastores tem a ver com as traduções e interpretações que o livro sagrado do cristianismo ganhou ao longo dos anos. “Hoje, há bíblias que usam a palavra homossexual, e ainda discriminam em ativos e passivos. Mas essa palavra é moderna, não poderia estar nas escrituras. Nesse caso, a palavra original era “perversão” e não tinha nada a ver com orientação sexual”, explica Gladstone.

O papel das igrejas na opressão de homossexuais vai além do discurso moral que serve de argumento a agressores. A própria igreja agride fiéis homossexuais, em sua maior parte jovens do sexo masculino, quando tenta “convertê-los” ou “curá-los”. Antes de fundar a Contemporânea, o pastor Fábio de Souza pertencia à Igreja Universal do Reino de Deus, onde também era pastor. Ele passou por diversos “centros de recuperação”, que consistem em palestras de “convertidos”, que tentam convencer os homossexuais de que é possível mudar de orientação sexual. “Quando estava na Universal, fazia diversas ‘libertações’, mas nunca me ‘libertava’. Eu pedia a Jesus, fazia corrente, mas óbvio que nada mudou”, conta. “Só que isso é uma violência. Há casos, aqui na igreja, de pessoas que tentaram o suicídio por não conseguirem mudar. Há outros que chegam a um casamento heterossexual, mas que não conseguem sustentar a situação por muito tempo”, revela.

A cura de homossexuais não é pregada apenas nas igrejas. Há psicólogos que também afirmam fazer terapia para mudar a orientação sexual. O caso mais famoso é de Rosângela Alves Justino, psicóloga e também integrante da Igreja Batista. Em 2009, ela foi julgada pelo Conselho Federal de Psicologia por oferecer esse tipo de terapia. Ela chegou a receber uma punição branda – censura pública –, mas pôde continuar praticando a profissão. No ambiente das igrejas, há mais profissionais com a mesma conduta. “Os fieis são encaminhados para psicólogos se os centros de recuperação não funcionam”, diz Souza.

Apesar de seguir praticamente os mesmos preceitos morais das igrejas tradicionais – Gladstone faz questão de frisar que pregam contra a promiscuidade e o sexo pelo sexo –, a Contemporânea sofre ataques. “Durante os cultos, pessoas de outras igrejas nos rotulam e julgam”, afirma Gladstone. Não são os únicos. Em Fortaleza, outra igreja inclusiva, a Comunidade Cristã Nova Esperança, foi alvo, em dezembro, de ataques e pichações com os dizeres “Morte aos gays e sapatão (sic)” e “Homofobia não é crime”. Em novembro, a igreja teria também recebido uma ameaça de ser incendiada caso não mudasse do local.

O combate à homofobia

Embora provoquem choque casos como o da agressão aos jovens da Paulista, o fato é que a violência cotidiana contra homossexuais só poderá ser superada com uma mudança cultural, que não vai se dar da noite para o dia. Por conta disso, muitos entendem como fundamental trabalhar a questão dentro da sala de aula. “O mais importante de tudo seria tratar do tema nas escolas, tem que se trabalhar uma formação também pensando na igualdade em relação à orientação sexual. Se o adolescente é criado num ambiente homofóbico, na escola ele teria possibilidade de ter outra visão”, acredita Sylvia do Amaral.

A preocupação com os mais jovens não se restringe apenas a preparar futuras gerações que respeitem a pluralidade sexual, mas se trata também de preparar um ambiente melhor para estudantes vítimas de preconceito e que não são aceitos por seus familiares. Caitlin Ryan, professora da Universidade de San Francisco, realizou uma pesquisa, divulgada em maio de 2010, em que entrevistou 224 jovens gays e parentes para avaliar o impacto da aceitação dos pais na vida destes jovens. O levantamento apontou que homossexuais rejeitados por suas famílias têm oito vezes mais chances de tentar o suicídio do que aqueles que foram aceitos; têm seis vezes mais chances de desenvolverem depressão e três vezes mais possibilidade de praticarem sexo sem proteção.

Outra pesquisa, divulgada em 2009 pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que, nas escolas públicas brasileiras, 87% da comunidade (alunos, pais, professores e funcionários) têm algum grau de preconceito contra homossexuais. Isso e os possíveis prejuízos à saúde e ao bem-estar de milhões de pessoas que fazem parte do ambiente escolar justificaria a preocupação e a necessidade de se tratar o tema da homofobia na rede de ensino. No entanto, isso também é um tabu.

Mesmo sem ser lançado oficialmente, um conjunto de material didático destinado a combater a homofobia na rede pública de ensino já sofre ataques raivosos e, claro, de cunho homofóbico. O kit, fruto de um convênio firmado entre o Ministério da Educação (MEC), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a ONG Comunicação em Sexualidade (Ecos), trata do tema voltado para o universo de adolescentes homossexuais. O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), que pregou no plenário da Câmara que os pais deveriam “dar umas palmadas” nos seus filhos caso percebessem o “desvio” da homossexualidade, voltou à carga contra o material (mesmo sem conhecê-lo), dizendo que o kit “estimula o homossexualismo nas escolas de 1º grau”.

Na verdade, diferentemente do que afirma Bolsonaro, o material será distribuído no ensino médio, voltado para adolescentes, e não para o ensino fundamental. “Esse é outro exemplo de desinformação, é um kit com cinco vídeos que inclui manual para os professores, um material didático que foi discutido três anos com uma equipe multi-disciplinar e com especialistas em sexualidade”, explica Toni Reis. “Além disso, foi testado com profissionais da educação. As pessoas estão distorcendo, afirmando que nós queremos incentivar a homossexualidade, mas queremos incentivar a cidadania e o respeito à dignidade humana.”

Além da questão da homofobia sendo tratada nas escolas, o presidente da ALGBT indica outros passos importantes para a conquista da plena cidadania para os homossexuais. “Temos na ALGBT 237 grupos e nos nossos congressos deliberamos e queremos no Legislativo a aprovação do PLC 122, além da questão da união estável e do nome social das travestis e dos homossexuais. No Executivo, nossa meta é a execução do Plano Nacional LGBT, composto por 166 ações e que foi fruto da Conferência Nacional LGBT. No Judiciário, batalhamos pela aprovação das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que têm para ser discutidas no Supremo Tribunal Federal: uma, sobre a união estável e outra, sobre o nome social das trans”, resume. Ainda há um longo caminho a percorrer para que os homossexuais tenham direitos iguais ao do resto da sociedade. Mas não discutir o tema é negar os próprios valores da democracia.

As raízes e a relação com outros preconceitos

De acordo com Daniel Borrillo, no livro Homofobia – História e crítica de um preconceito, o termo, utilizado pela primeira vez nos EUA em 1971, apareceu nos dicionários de língua francesa no fim da década de 1990 e, “da mesma forma que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância, fora do universo comum dos humanos”.

Para Borrillo, a homofobia funciona como guardiã de um dispositivo de reprodução da ordem social, vigiando não só as fronteiras sexuais (hétero/homo) como também de gênero (masculino/feminino). Assim, o sexismo e a homofobia são tratados como duas faces do mesmo fenômeno social. “Eis porque os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles que não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade...”.

Nesse sentido, é preciso questionar a homofobia não apenas na violência de seus atos e comportamentos, mas também quanto às suas construções ideológicas, incrustadas no modo de vida da sociedade. Borrillo diferencia a homofobia afetiva ou psicológica, de cunho individual e que se traduz em rejeição aos homossexuais, da homofobia cognitiva ou social, fundada na supremacia heterossexual, tendo como objetivo simplesmente perpetuar a diferença homo/hétero. “Neste último registro, ninguém rejeita os homossexuais; entretanto, ninguém fica chocado pelo fato de que eles não usufruam dos mesmos direitos reconhecidos por heterossexuais.” Ambas as formas de homofobia são autônomas. “Assim, é possível não experimentar qualquer sentimento de rejeição em relação a homossexuais (e até mesmo ter simpatia por eles/elas) e, no entanto, considerar que eles/elas não merecem ser tratados/as de maneira igualitária. O mesmo ocorre com a misoginia: quantos homens desejam e amam mulheres sem que essa atitude os impeça de tratá-las como objetos?”

Para Vange Leonel, “a homofobia tem duas raízes importantíssimas: uma, é a condenação religiosa e a outra, é o machismo. O fundo machista é porque o gay não tem virilidade, enquanto a lésbica rouba a virilidade do homem, mas as religiões condenando a homossexualidade é uma sacanagem, porque se está condenado como pecado um traço biológico”, aponta. “É como condenar alguém que tem olhos verdes, dizendo que isso é pecado. Não escolhi ser homossexual. Eles julgam como desvio da conduta moral, esse é um grande nó para se desatar.”

Mas uma questão que torna a discriminação e o preconceito dirigidos a homossexuais particularmente mais cruéis se relaciona ao fato de que são visados, sobretudo, indivíduos isolados, e não grupos já constituídos como minorias. “O homossexual sofre sozinho o ostracismo da sua homossexualidade, sem qualquer apoio das pessoas à sua volta e, muitas vezes, em um ambiente familiar também hostil. Ele é mais facilmente vítima de uma aversão a si mesmo e de uma violência interiorizada, suscetíveis de levá-lo ao suicídio”, afirma Borrillo em seu livro.

FONTE: REVISTA FÓRUM/Por Glauco Faria e Thalita Pires

Racismo: ninguém sente, ninguém vê, ninguém sabe o que é

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica.

Diante da revelação feita por um famoso cantor brasileiro, negro, de que sua filha de seis anos estava sendo discriminada durante a aula em uma das escolas de balé mais tradicionais de São Paulo, com as outras alunas se recusando a dar as mãos para ela, ou do depoimento de uma menina, também de seis anos, aluna de escola pública, no qual conta que as coleguinhas não querem brincar com ela durante o recreio porque sentem nojo por ela ser negra, resta-nos parar e perguntar: a quantas situações de humilhação essas e outras crianças continuarão a ser submetidas pela vida afora, antes que a sociedade tome para si a responsabilidade de discutir, entender e combater o racismo?

O racismo, como o percebemos hoje, é uma instituição relativamente recente na história na humanidade. Até por volta da Idade Média, os principais fatores de discriminação eram religiosos, políticos ou referentes à nacionalidade e à linguagem do indivíduo. No século XV, quando os europeus desembarcaram na África, e principalmente com o início do tráfico negreiro, usaram a ciência a favor do colonialismo e desenvolveram teorias de superioridade evolutiva, baseadas em diferenças biológicas, que justificavam seus interesses de expansão e poder. Estava criado o racismo etnocêntrico, fundamentado em doutrinas bíblicas, filosóficas e científicas que não resistiram à evolução dos tempos, mas que deixaram marcas indeléveis e profundas nas sociedades que as usaram para justificar a escravidão, como é o caso da sociedade brasileira. O conceito de "raça" – e termos derivados – hoje em dia é apenas político e social, e se justifica porque os traços físicos (cabelo, cor da pele, formato de nariz e boca etc) característicos da população negra ainda estão ligados à percepção negativa historicamente construída.

No final do século XIX, com a abolição da escravatura e ainda sob forte influência das teses de superioridade europeia, começa a ser colocado em prática um projeto de construção de uma nova nação brasileira, que deveria ser melhorada através do embranquecimento de seu povo. Acreditava-se que, com o passar dos anos, marginalizada, inferiorizada, difamada e abandonada à própria sorte, a população negra desapareceria. Até mesmo o acesso à educação e a possibilidade de conseguir trabalho lhe foram negados, com o governo dando total prioridade a políticas que subsidiaram a vinda de mais de 3 milhões de imigrantes europeus para o Brasil. Algumas décadas mais tarde, a teoria do embranquecimento deu lugar à da miscigenação, que acabou criando um dos mitos mais prejudiciais à luta contra o racismo: o mito da democracia racial. Foi ele que, durante décadas, impediu o Brasil de se tornar um país realmente democrático, com tratamento e oportunidade iguais para todos, ao negar reconhecimento a um problema que atinge mais da metade da nossa população.

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica. É por isso que apenas a razão, que nos levou a criar leis que criminalizam atitudes racistas e algumas ações afirmativas, não será suficiente para modificar o imaginário e as representações coletivas negativas que se tem do negro na nossa sociedade, como observa o antropólogo e professor Kabengele Munanga na apresentação do livro Superando o racismo na escola. Segundo ele, "considerando que esse imaginário e essas representações, em parte situados no inconsciente coletivo, possuem uma dimensão afetiva e emocional, dimensão onde brotam e são cultivadas as crenças, os estereótipos e os valores que codificam as atitudes, é preciso descobrir e inventar técnicas e linguagens capazes de superar os limites da pura razão e de tocar no imaginário e nas representações. Enfim, capazes de deixar aflorar os preconceitos escondidos na estrutura profunda do nosso psiquismo".

Se hoje já se admite que o Brasil é um país racista, é preciso admitir também que nossos pensamentos e atitudes são condicionados por essa cultura e essa ideologia racista, pois crescemos introjetando e reproduzindo o que já está estabelecido socialmente. Para mostrar como isso funciona, um interessante trabalho, desenvolvido no departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, analisa pesquisa realizada com crianças de 5 a 8 anos. Foi pedido a essas crianças que desenhassem uma criança branca e uma criança negra e as classificassem, em termos de preferência, em relação a cinco categorias: riqueza, beleza, inteligência, proximidade e contato. O resultado foi um alto índice de racismo, com a criança negra sendo fortemente rejeitada em todas as categorias. O que o estudo queria mostrar é que as crianças são abertamente preconceituosas, e que essa característica perde força a partir da maturação das estruturas cognitivas que permitem que ela deixe de julgar as pessoas com quem se relaciona apenas pela aparência e passe a levar em conta conceitos como bondade ou amizade. Acabou mostrando também que o racismo, longe de desaparecer com a idade e a necessidade de socialização, caso não haja nenhuma iniciativa nesse sentido por parte de pais e/ou educadores, é introjetado e velado pelo aprendizado das normas sociais vigentes, passando a se manifestar de forma indireta e, em muitos casos, inconsciente. O racismo volta então a habitar e alimentar o inconsciente coletivo, que trata de reproduzi-lo de uma geração para outra, tornando-o cada vez mais insidioso, difícil de provar e combater.

Por isso, cabe tão bem a pergunta da campanha Diálogos Contra o Racismo – Pela Igualdade Racial: onde você guarda seu racismo? Complemento com mais uma: o que você tem feito para não deixá-lo de herança para seus filhos?

FONTE: REVISTA FÓRUM/Por Ana Maria Gonçalves