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segunda-feira, junho 06, 2011

ÉTICA REPUBLICANA?





Ética republicana. Como se a palavra ética não valesse por si. Como se o adjectivo a valorizasse ou a aumentasse. Como se o mesmo atributo lhe desse um estatuto de uma qualquer superioridade.

Agora que se comemoram os 100 anos da República a propalada ética republicana promete voltar em catadupa. Como já tivemos três Repúblicas, o que quer dizer essa adjectivação da ética? É que já houve de tudo no plano ético e político. Uma coisa e o seu contrário. De positivo e de negativo. De construtivo e de destrutivo. De seguidismo e de persecutório. De direitos e de míngua deles. De verdade e de mentira. De carácter e da sua falta. De serviço probo e de aproveitamento criminoso.

A verdadeira ética não é apropriável. Existe por si ou não existe. Bem sei que somos todos cidadãos e não súbditos. Logo, portadores de direitos e de obrigações. Mas antes e acima do cidadão há sempre a pessoa. Com inteligência, vontade, percepção e consciência. Pessoa e cidadão são indissociáveis na razão ontológica e teleológica da nossa individualidade. Quando se fragmentam, a ética dissolve-se.

Diz-se que a ética republicana consiste sobretudo em cumprir escrupulosamente a lei. Já o fariseu era um absoluto legalista. Acontece que o conjunto das normas jurídicas e o conjunto das normas éticas jamais coincide. Há matérias reguladas pela lei que não exprimem qualquer juízo ético, como há muitas regras de conduta ética que não estão juridicamente plasmadas. A ética não se estrutura na dicotomia legal / ilegal, mas radica na consciência. O conjunto do que é moralmente aceitável (o legítimo) é mais restrito do que é juridicamente aceitável (o legal). Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor, e há coisas que a lei não impõe mas que se nos podem e devem impor. A pessoa tem mais deveres éticos do que o cidadão. A consciência de uma pessoa honesta é mais exigente do que o produto de um legislador. A lei é o limite inferior da ética.

Nenhuma lei proíbe em absoluto a mentira, a desonestidade, a deslealdade, a malvadez, o ódio, o desprezo, a vilanagem… Como nenhuma lei só por si assegura a decência, a verdade, a amizade, a generosidade… Na ética pura não há lugar para a falaciosa “terceira categoria ética” dos actos indiferentes entre os bons e os maus.

Olhemos para a crise global que se instalou no mundo. Há muitas explicações técnicas mas, no fim, chegamos sempre à escassez ética onde a fronteira entre o bem e o mal se erodiu fortemente. Olhemos para o que se passa na governação do nosso país, onde a verdade definha, a autenticidade escasseia, o exemplo desaparece. Onde é conveniente separar a pessoa da função e a função da pessoa, como se o carácter fosse divisível. Onde há faces ocultas de quem nada deveria ter a ocultar. Onde assuntos públicos se disfarçam de privados e os juízos éticos não vão além de um qualquer sistema sancionatório ou penalista. Tristes faltas de ética. Chamem-lhe republicana ou não.

FONTE:o-povo.blogspot / António Bagão Félix, Diário Económico, 15 de Fevereiro de 2010

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