O racismo é um problema inerente aos seres humanos: foi assim ao longo da história — a Escravidão, durante centenas de anos, e regimes espúrios como o Nazismo e o Apartheid ou a segregação racial nos transportes públicos dos EUA, durante o século 20, causaram danos irreversíveis.
Hoje em dia (embora sem o respaldo da lei, como no passado) a etnofobia continua a existir e a afetar diretamente negros e migrantes. Com pouca chance de externar seu preconceito em situações do cotidiano, certos de repressão e punições, muitos optaram por usar o futebol como meio de veiculação de atos discriminatórios.
Recentemente, Paulo César Caju deu uma declaração bastante forte a respeito de Pelé: “Ele contribuiu para o racismo”, disse. “O cara é o atleta do século, a figura mais popular do mundo e não usa isso para brigar por causas justas. (…) Se ele tivesse um pouco de noção ou sensibilidade, faria uma revolução neste caso [racismo]. Ele tem mais repercussão que líderes políticos e religiosos”, argumentou o ex-jogador.
A crítica de Caju (que integrou a seleção da Copa de 1970 na qual Pelé brilhou intensamente) foi feita especificamente a Edson Arantes do Nascimento, mas de certa forma caberia em muitos outros casos — o próprio Michael Jordan, no auge de sua fabulosa carreira, foi criticado por, supostamente, “se importar mais com a venda de seus tênis do que com a causa dos negros”.
Falo da grandeza, importância e repercussão que ídolos têm. Uma coisa é questionar suas opções políticas (ou a falta delas); outra, muito diferente, as causas que defendem — ou ignoram.
Atualmente, goste-se ou não, Neymar é o maior ídolo do futebol nacional. Discutir sua qualidade como jogador é estupidez: ele tem um tremendo talento, e já o provou em diferentes contextos. Por outro lado, discutir sua imagem pública e como ele a utiliza é algo que merece muitas reflexões. A principal delas é com relação às suas atitudes perante a questão racial
Eis uma história patética que pode ser resumida em quatro episódios.
Ato 1: Preto, eu?
Neymar despontou no futebol em 2009, com apenas 17 anos, e logo de cara conseguiu levar o Santos à final do Campeonato Paulista. Ao longo do ano, o craque foi crescendo física e tecnicamente, e começou a balançar as redes por todo o país. No início da temporada seguinte, foi indicado ao prêmio Puskas — o mesmo que venceria em 2012 — pelo golaço diante do Santo André.
Ascendia de vez à condição de estrela. Era capa de revistas, e começava a aparecer com certa frequência nos programas esportivos do país.
Em abril daquele ano, o jovem jogador — que se tornara maior de idade — concedeu uma extensa entrevista à jornalista Sonia Racy, do jornal “Estado de S. Paulo”. Os temas foram variados: sua base familiar, sua religião, seus sonhos de consumo, e o sucesso: “Não tem parte chata [em ser famoso]”, disse o garoto.
Num determinado momento da conversa, surge a inevitável pergunta: “Já foi vítima de racismo?”, questionou Racy. A resposta de Neymar: “Nunca. Nem dentro e nem fora de campo. Até porque eu não sou preto, né?”.
Ato 2: Banana à inglesa

Apesar de sua boa performance, o jogo do brasileiro ficou marcado por um ato externo: o atleta disputava uma bola próximo à linha de fundo quando foi atirada uma banana em sua direção. O jogo foi paralisado, a banana retirada, e o autor do lançamento identificado e punido, horas depois.
Logo após a partida, Neymar foi perguntado sobre o ocorrido e respondeu dizendo que “ficamos totalmente tristes. É melhor nem tocar no assunto”.
Ato 3: É no pelo do macaco que o bicho vai pegar
Em janeiro de 2012, Neymar já tinha status de herói nacional: havia se firmado como líder da seleção e passara a figurar na lista de indicados à Bola de Ouro.
No dia 30 daquele mês, foi ao ar o clipe da música Kong. No vídeo, homens vestidos de gorila dançavam em meio a mulheres trajando biquíni. As estrelas principais da produção: Alexandre Pires, autor e intérprete da canção, e Neymar, que atuou como uma espécie de mestre de cerimônias no roteiro.
O refrão era muito claro: “É no pelo do macaco que o bicho vai pegar”. Em seguida, repetia-se a exaustão o título da faixa (“Kong, kong, kong…”).
Pires chegou a “prestar esclarecimentos” ao MP diante de um suposto racismo presente na letra e, principalmente, no clipe. Deu entrevista ao “Fantástico”, rechaçando as acusações.
A Neymar, ninguém contestou.
Ato 4: #SomosTodosMacacos
Em abril de 2014, após mais uma derrota do Barcelona, a torcida do time catalão foi até o centro de treinamentos da equipe e insultou os jogadores, dizendo que eles “só pensam na Copa do Mundo” e não se comprometem com a equipe. Quando passou Neymar, os torcedores imitaram o som emitido por macacos — como fizeram com Tinga, no Peru.
O ídolo da seleção brasileira não falou nada sobre o assunto, se limitando a postar mensagens enigmáticas (“tem horas que a caminhada é difícil”) em seu Instagram. Nesse meio tempo, sofreu uma lesão e ficou fora das partidas restantes da temporada.
Duas semanas depois, o Barça enfrentava o Villarreal e um torcedor do adversário atirou uma banana sobre Daniel Alves. O lateral-direito apanhou-a do chão e comeu-a. Seu ato foi tão simples quanto significativo: o que era pra ser ofensa, acabou sendo extinto no mesmo momento, e ainda contribuiu para que o jogador repusesse suas energias com aquela fonte de potássio gratuita.
O ato de Alves foi genial, em resumo.
Poucas horas depois, Neymar mandou um “Força Daniel” seguido pela hashtag #SomosTodosMacacos em seu perfil nas redes sociais. Na foto, o craque segurava uma banana ao lado do filho, que carregava um plátano de brinquedo.
Ao ler uma notícia sobre o gesto de Neymar, minha primeira reação foi a de pensar que, finalmente, ele despertava para uma realidade que sempre quis esconder ou com a qual nunca se importou de verdade.
Em seguida, celebridades — que iam de Sérgio Mallandro a Luana Piovanni, passando por Ivete Sangalo e Michel Teló — e seus milhões de seguidores também reproduziram imagens semelhantes com os mesmos dizeres.
A ação repercutiu tanto que até mesmo Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo Futebol Clube, deu uma entrevista coletiva com cachos de banana à sua frente, ingerindo-as entre uma pergunta e outra. Aidar, aquele que disse querer Kaká no elenco do SPFC pois o atleta “é alfabetizado, tem todos os dentes…”, também se unia ao combate ao racismo!

Neymar sonha em igualar Pelé nos gramados, de preferência conquistando a Copa do Mundo que acontece em pouco mais de um mês. Se ele conseguirá, ainda não sabemos.
Fora dos campos, no entanto, ele já o igualou.
FONTE: REVISTA BULA
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