Se algum colega disser a você “essa profissão está me deixando louco”, fique atento. Pode ser verdade. A pesquisa que está sendo feita pelo Departamento de Saúde do Servidor (DSS), da Secretaria Municipal de Gestão e Desburocratização de São Paulo, traz importantes informações sobre o crescimento de problemas psiquiátricos entre os professores da rede municipal.
Os dados indicam que, dos 55 mil professores da rede, 16 mil (30%) foram afastados por motivos de saúde. Dentre esses, 4,9 mil profissionais (cerca de 10% de professores e 30% do total de afastamentos) o foram por transtornos mentais e comportamentais. Os demais casos tiveram por causas doenças osteomusculares, lesões por esforço repetitivo e doenças do aparelho respiratório. Comparados aos dados de 1999, que indicam 16% de afastamento dor razões psiquiátricas, os atuais 30% são preocupantes.
Esses números me impressionaram. Antes mesmo do que a quantidade de professores com transtornos psiquiátricos me pareceu que, em vista da demanda educacional existente, um universo de 55 mil professores é um número bastante escasso.
O montante fica ainda mais reduzido quando pensamos no total de afastados. Sobram 39 mil professores. Certamente entram os substitutos, mas saber que eles são uma presença provisória e rotativa traz inquietação. Para uma criança, o que mais marca um rumo no seu destino é a continuidade da companhia do professor.
É alarmante pensar que 30% dos professores se afastam por doenças. Parece até que a profissão acaba com a saúde e nos põe loucos. Mesmo não querendo enveredar pelo jargão econômico, como desconsiderar esse aspecto?
Há alguns anos, passei pela Suíça e lá se orgulhavam em afirmar que dentre todos os profissionais, os professores recebiam os mais altos salários. Enquanto nós, em nossa grande maioria, trabalhamos pela mais básica sobrevivência. Não é ridículo constatar que os professores são os profissionais mais necessários para uma nação – porque a preparam –, mas estão entre os mais mal pagos neste país?
Lembro de ter visto, no fim de 2009, um edital de concurso da rede municipal para professores, com salários em torno de 1,2 mil reais para 30 horas de trabalho semanais. É uma indecência, mesmo quando se considera que esses salários já sofreram grandes aumentos nos últimos tempos (cerca de 40%), e têm um aumento da mesma ordem programado para os próximos anos. Sinto vergonha pelo meu país. Sinto vergonha por aqueles que elegemos para, inclusive, modificar este estado de coisas e nada fazem.
Muitas vezes recebi por palestras um obrigado e um aperto de mão. E descobri, mais tarde, que outros palestrantes dos mesmos eventos, pelo fato de serem empresários, engenheiros… qualquer coisa, menos professores, tinham recebido um alto “cachê”. Alguém convidaria um ator, um advogado, um treinador de futebol… para fazer uma conferência, supondo que ele trabalharia de graça? Mas é suposto (faz parte de nossa cultura!) que um professor o fará.
Muitos dos meus alunos de pós-graduação são professores da rede pública. Sempre cansados, exauridos. Eles têm sono, falta de dinheiro para pagar por “xerox” e livros, alimentação precária, dependem de bolsas de estudo para continuar seus cursos e sua qualificação. E ainda têm família para sustentar. São batalhadores. Amam sua profissão, mas são vítimas dela.
Opressão e depressão (um dos mais corriqueiros transtornos psiquiátricos atuais) caminham juntas. No caso do professor, a opressão também inclui responsabilidade. Diante de um aluno, um professor não tem apenas a necessidade de saber sobre a matéria que ensina. Ele é um ser humano diante de outro. É um exemplo fundamental. E mais, ele é um dos profissionais que mais lidam com o futuro. As crianças e adolescentes que estão, no presente, com ele, terão o destino do país em suas mãos em pouco tempo. Irão, inclusive, substituí-lo mais tarde.
A opressão vivida pelos professores é ainda maior. Com o nível de violência atual, ele é um dos profissionais que mais correm risco de vida. Sem mencionar o quanto ele sofre com a falta de valor social que lhe é atribuído. Já ouvi dizer que só vão para o Ensino Fundamental aqueles que não conseguiram emprego melhor. Dói.
Dá para eludir que os professores deveriam ser os profissionais não só mais bem pagos, mas os mais respeitados, os mais bem atendidos social e politicamente, os mais bem preparados?
Os resultados da pesquisa do DSS deveriam nos fazer pensar e agir. Por exemplo, mover uma campanha de mudança de mentalidade: para que todos nos convencêssemos de que os problemas dos professores são problemas de todos os cidadãos. Melhor: em ordem de importância, é o primeiro problema nacional.
FONTE: CARTA CAPITAL / Dulce Critelli
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