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sexta-feira, abril 08, 2011

Como vencer o bullying

Um terço dos adolescentes brasileiros diz sofrer agressões e intimidações na escola. Conheça alguns projetos para combater o problema que estão dando certo no Brasil e no Exterior



Isolado pelo grupo, o aluno não participa dos jogos e brincadeiras. Está sempre sozinho, é alvo de piadinhas jocosas, apelidos maldosos e, às vezes, apanha mesmo. Não é difícil reconhecer uma vítima de bullying, a criança ou adolescente que sofre violência física ou psicológica de forma constante e intencional por parte dos colegas. A prática está disseminada nas escolas, tanto no Exterior quanto no Brasil, e causa grande sofrimento para os alunos – gera ansiedade, pânico, insônia, cefaleia, entre outros – e para seus pais. Cerca de um terço dos estudantes do nono ano do ensino fundamental de 6.780 escolas do País, ouvidos para uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, declarou sofrer bullying. O grande desafio de educadores, escolas e famílias é vencê-lo. Alguns projetos pioneiros indicam possíveis caminhos. Estudos científicos e experiências bem-sucedidas sugerem três vertentes a serem trabalhadas com os jovens: a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, a resiliência, a habilidade de reagir positivamente a uma situação adversa, e a criatividade, uma forma de canalizar o impulso agressivo para algum talento.

O primeiro passo, porém, é reconhecer que o fenômeno existe. “Pais e educadores não sabem diferenciá-lo de outros conflitos, não entendem que cada criança lida de maneira diferente com a violência e que muitas precisam de ajuda”, diz o psicólogo escolar e estudioso de bullying David Hornblas. Uma discussão aqui, um empurrão ali nem sempre são sinais do problema. O que faz a diferença é a intenção e a repetição das agressões. “Hoje em dia, tudo virou bullying, qualquer briguinha com um colega é justificada dessa forma”, diz Miriam Tricate, diretora do colégio Magno, em São Paulo. Para separar o joio do trigo, a escola promove encontros do corpo docente com psicólogos para que os episódios de bullying sejam identificados. Segundo Miriam, de cada dez casos trazidos pelos pais, apenas dois configuram a prática. Uma vez identificado o problema, parte-se para a ação. “Procuramos dar espaço para aquele aluno tímido que vive isolado mostrar o seu talento naquilo que gosta, por exemplo. Dessa forma, melhoramos a sua autoestima e a imagem dele para o grupo”, diz a diretora.

Ironicamente, no Brasil, as escolas públicas parecem estar mais bem preparadas para enfrentar o problema do que as particulares. A opinião é da psiquiatra e autora do livro “Bullying – Mentes Perigosas nas Escolas”, Ana Beatriz Barbosa Silva. “As públicas seguem o protocolo do Ministério da Educação”, diz Ana. “Casos de violência são registrados e encaminhados para o Conselho Tutelar, que vai até lá, apura e envolve educadores, pais e vítima na solução do problema.” Enquanto isso, muitas particulares ainda acreditam que admitir a existência de bullying é fazer marketing negativo. Além disso, quando reconhecem o problema e resolvem agir, nem sempre encontram apoio dos pais do aluno agressor – e, com medo de perdê-lo, têm dificuldade de agir. “Sempre recomendo aos pais: na hora de definir a escola do filho, não escolha a que não tem bullying, porque isso não existe. Escolha aquela que admite a existência e que mantém algum programa de prevenção e combate”, diz Ana, autora de uma cartilha anti-bullying recém-lançada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A Escola Estadual Melvin Jones, em Caxias do Sul (RS), usa a informação e o conhecimento como estratégia. No ano passado, as alunas do segundo ano do ensino médio, Edilene Antonelo Claudino, 17 anos, e Maruska Guarda da Silva, 16, desenvolveram um programa anti-bullying para ser aplicado aos alunos do quinto ano do ensino fundamental, baseado em palestras informativas e encontros entre pais e professores. “Os casos de bullying caíram pela metade só pelo fato de o discutirmos e mostrarmos que é errado”, diz a professora Jordana Montanari, orientadora do projeto das jovens. Edilene e Maruska sofriam com apelidos pejorativos – a primeira por ser baixa e a segunda por estar acima do peso. “Escolhemos crianças do quinto ano porque é nessa fase que as meninas engordam e os meninos ficam com a voz grossa, o que aumenta os conflitos”, diz Edilene.

Na última década, o ambiente fértil da internet fez prosperar uma forma nova de intimidação, o cyberbullying. “Protegidos pelo anonimato, os jovens fofocam, denigrem e humilham”, diz a psiquiatra Ana. “E as agressões permanecem eternamente no mundo digital, dificultando a cicatrização de feridas.” Pedir reparação na Justiça é uma alternativa que começa a ganhar visibilidade. No ano passado, um juiz de Minas Gerais determinou que os pais de um garoto que insultava a colega pagasse R$ 8 mil a ela por danos morais. Além disso, alguns governos estão tomando providências. Pelo menos quatro cidades brasileiras (Porto Alegre, Novo Hamburgo, Curitiba e Campo Grande) e o Estado de Pernambuco têm leis anti-bullying – São Paulo debate o projeto na Câmara de Vereadores. As escolas dessas localidades são obrigadas a manter um programa de combate ao problema e treinar professores para identificar e lidar com a questão.

A melhor alternativa, porém, é sem­pre prevenir. Orientador educacional do Centro Educacional Pioneiro, de São Paulo, o psicólogo escolar Hornblas foi contratado para desenvolver um projeto anti-bullying. Ele é membro da organização britânica de combate à violência nas escolas United Kingdom Bullying e adaptou no Pioneiro um modelo de sucesso internacional. O primeiro passo é sensibilizar os estudantes para a questão. Em 2010, crianças entre 6 e 13 anos assistiram a filmes, ouviram palestras e debateram o tema. Neste ano, na segunda fase do projeto, os alunos irão participar de concursos de redação e da criação de cartazes sobre a violência nas escolas. Os melhores trabalhos serão distribuídos e espalhados pelas imediações da instituição, como forma de chamar a atenção para o problema. Na Grã-Bretanha, os cartazes feitos pelos alunos são afixados nas estações de metrô no entorno das escolas.

“Pesquisas mostram que, na Inglaterra, esse programa reduziu em 40% os casos de bullying de maneira instantânea”, diz Hornblas.

Diferentemente do Brasil, países como Inglaterra, Estados Unidos e Austrália já passaram da fase de reconhecer o problema e estão implementando uma gama de projetos. Muitos têm se mostrado eficazes e podem ser replicados em qualquer escola do mundo, com algumas adaptações. O foco é sempre o lado emocional da criança. Desenvolvido no Canadá e presente na Inglaterra e Nova Zelândia, o programa Raízes da Empatia, por exemplo, promove esse sentimento de solidariedade entre as crianças de 5 a 13 anos na convivência com um bebê. Durante nove meses, uma vez por mês, o neném vai à classe. Eles tentam entender os sentimentos dele, imitam seus movimentos e vivenciam sua dependência. Os resultados logo aparecem. Na presença dos bebês, a criança tímida perde a vergonha, a agitada se acalma e a fechada abre sorrisos. Na província canadense de Manitoba, onde a dinâmica acontece em 300 salas de aula, um estudo constatou que, ao fim do ano letivo, a incidência de bullying caiu quase à metade, de 15% para 8%.

Em São Paulo, o colégio Magister também acredita no poder da empatia para formar crianças mais doces e respeitosas. No sétimo ano do ensino fundamental, os alunos participam de uma dinâmica de grupo cujo objetivo é fazê-los se colocar no lugar do aluno que sofre com gozações, apelidos e agressões. Cada estudante recebe um adesivo com um apelido escrito, que é colado às costas. O aluno em questão não sabe qual é o rótulo, mas passa a ser tratado pelos amigos como tal. Após 15 minutos, todos são chamados a discutir o que vivenciaram. “A maioria relata que se sentiu muito mal, envergonhado, triste”, conta Angela Borges, coordenadora do Magister. “Assim, pensam duas, três vezes antes de praticar alguma agressão contra um colega”, diz.

Na Austrália, a estratégia escolhida foi fortalecer a resiliência, a habilidade de reagir de maneira positiva em situações adversas. Incentivados pelo governo local, que enquadrou o bullying como questão de saúde pública, educadores, psicólogos e neurocientistas desenvolveram projetos para ser aplicados na escola e em casa. Neles, educadores, pais e alunos são treinados para se tornar mais tolerantes às adversidades e para tirar o melhor das piores situações. Para se tornar resiliente, a criança precisa ter autoestima elevada e independência. Para tanto, precisa ser ouvida e respeitada, além de ser desafiada a resolver com criatividade os próprios problemas. No Brasil, o Instituto Glia lançou o Projeto Atenção Brasil – um Retrato Atual da Criança e do Adolescente no Brasil. Trata-se de uma cartilha destinada a educadores sobre bullying, saúde mental e a importância de se educar para a resiliência. O ma­terial traz dicas de como desenvolver a ha­bilidade e pode ser baixado gratuitamente pelo site (http://www.aprendercrianca.com.br/).

Estimular a criatividade é outro caminho para combater o bul­lying. “Os jovens, algozes ou vítimas, precisam de estímulos para direcionar sua agressividade para algo positivo”, diz a psiquiatra Ana. A ideia é auxiliar as crianças a focar em seus talentos e potenciais, em vez de deixá-las extravasar nos colegas ou permanecer isoladas, sem vida social e com tempo de sobra. “Quando faz o que gosta, aquilo no qual é bom, o adolescente melhora a sua autoimagem e a sua autoestima”, diz Silvia Viegas, coordenadora da Escola Viva, de São Paulo. O estímulo também pode ser dado em casa. “Pintem, façam colagens, ouçam músicas, montem uma peça de teatro. Mostrem possibilidades e avaliem os potenciais”, sugere Ana, para quem os pais deveriam dedicar um fim de semana por mês às atividades artísticas com os filhos.

Vencer o bullying implica travar uma longa guerra, com muitas batalhas, na qual educadores e pais devem unir forças, trocando informações e alinhando o discurso, além de acompanhar de perto a criança, seja vítima ou agressora. A conduta de uma diretora de uma escola pública de Campo Grande no Rio de Janeiro, que conseguiu integrar um aluno transexual que assumiu a sua condição e passou a frequentar a escola vestido de mulher, serve de exemplo. Para conseguir esse feito, a diretora convocou os alunos e expôs a situação do garoto, que sofria com o alcoolismo do pai, com a insanidade da mãe e com a pobreza. Ao partilhar informações, conseguiu a empatia dos alunos. O episódio também é um exemplo de resiliência (por parte do aluno) e de criatividade (por parte da diretora). Por isso, é uma história com final feliz.

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FONTE: REVISTA ISTOÉ / Claudia Jordão

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