RUANDA
Há 17 anos, no dia 7 de abril, começava o massacre de milhares de pessoas que durou seis semanas e ficou marcado na história como um dos eventos mais trágicos do século XX. Em 1994, Ruanda, um pequeno país na África próximo à região dos Grandes Lagos, foi palco do genocídio que vitimou cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados promovidos por extremistas da etnia hutu que tomaram o poder.
Há 17 anos, no dia 7 de abril, começava o massacre de milhares de pessoas que durou seis semanas e ficou marcado na história como um dos eventos mais trágicos do século XX. Em 1994, Ruanda, um pequeno país na África próximo à região dos Grandes Lagos, foi palco do genocídio que vitimou cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados promovidos por extremistas da etnia hutu que tomaram o poder.
“Ruanda foi um fracasso de toda a comunidade internacional que não foi capaz de impedir o genocídio depois da segunda Guerra Mundial. A incapacidade e a falta de vontade permitiram isso e foi, sem dúvida, um dos grandes fracassos da política internacional do século”, admitiu ao Opera Mundi o diretor do Centro de Informação das Nações Unidas no Rio de Janeiro (Unic-Rio), Giancarlo Summa.
Segundo Summa, o Conselho de Segurança da ONU, na ocasião, não foi capaz de tomar as medidas necessárias para evitar que o massacre ocorresse. “Foi um fracasso e, para o evitar, o Conselho de Segurança deveria ter aprovado o que o general Romeu Dallaire (comandante da força militar da operação de paz em Ruanda) pediu desde o início, tropas mais armadas para sequestrar as ferramentas dos hutus e impedir fisicamente que o massacre se cumprisse”, afirmou.
Três maiores genocídios
Quase 20 anos depois, o genocídio de Ruanda corre o risco de ser esquecido da história. Os atos de extermínio em massa de parte da população ruandesa estão no ranking dos três maiores crimes contra a humanidade no século 20. O primeiro data de 25 de abril de 1915, quando ocorreu o genocídio de 1,5 milhão de armênios no Império Otomano. A segunda Guerra Mundial marcou ainda o genocídio de mais de dois milhões de judeus pelo regime nazista.
Numa autocrítica, o representante da ONU no Rio de Janeiro reconheceu que o organismo internacional não foi capaz de impedir a extrema violência pelo fato de as Nações Unidas não terem tido “vontade e estômago para responder ao que poderia ter sido evitado”.
Segundo Summa, o contingente de capacetes azuis liderados por Dallaire era muito reduzido e portava armamentos leves. “Se tivessem 800 homens com equipamento pesado e muito bem treinados poderiam até ter feito algo. Não foi um genocídio feito com técnicas bélicas modernas. Foi feito com facão, pedra, pau e martelo. Podia sim ter sido impedido. O general Dallaire, desde o início de 1994, deu o alarme, mas a comunidade internacional decidiu não agir. Quando as coisas começaram a acontecer houve uma reação lenta demais”, afirmou.
Wikicommons
Ruandeses acusados de crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional
Aprendizado internacional
No dia 6 de abril de 1994, o então presidente Habyarimana de etnia hutu teve o seu avião abatido por hutus radicais. Na manhã do dia 7, cerca de dez capacetes azuis foram mortos e o Conselho de Segurança decidiu pelo retorno da maioria dos soldados da missão. A partir deste dia, deu-se início uma série de massacres fomentados pelo governo de hutus radicais que tomaram o poder. O genocídio causou um deslocamento em massa de refugiados para a fronteira de países vizinhos, como República Democrática do Congo e Burundi.
O caso de Ruanda marcou a atuação da ONU na década de 1990 e as questões humanitárias, além de ter influenciado o entendimento da responsabilidade internacional para evitar que casos futuros ocorram. A partir deste momento, deu-se início à reflexão sobre um novo conceito nas Nações Unidas sobre a responsabilidade de proteger (Responsability to protect, em inglês).
Atualmente, a ONU está mais sensível às questões de ataques a civis e a massacres. “Quando os governos dos países falham em proteger e participam de violações de direitos humanos, a comunidade internacional tem o dever de intervir para que os direitos humanos sejam protegidos”, disse Summa.
Em 2005, o princípio da responsabilidade de proteger foi sancionado e já está sendo aplicado pelo Conselho de Segurança nas últimas semanas na Líbia e na Costa do Marfim, apesar de em nenhum dos casos haver ameaça real de genocídio, argumenta o diretor do Unic-Rio ao enfatizar que em ambos os países africanos o que existe é um conflito civil com os dois lados armados.
O capitulo 7º da Carta da ONU, destaca Summa, autoriza a utilização dos meios necessários para cessar os ataques aos civis. “Isso determinou as próximas décadas. Quando houver massacres de civis, será fundamental interromper. Esse é o grande fracasso em Ruanda”, reconheceu.
Intervenção na Líbia e na Costa do Marfim
“O que foi utilizado pelo Conselho de Segurança na Líbia e na Costa do Marfim, não foi a ideia de prevenção de genocídio, mas é a responsabilidade de proteger os civis, inclusive da ação levada a cabo pelo próprio governo”, disse Summa. No caso da Líbia, proteger a população civil das ações do líder líbio Muamar Kadafi. Já, na Costa do Marfim, o governo ilegítimo de Laurent Gbagbo se recusava a deixar o poder.
“Há sim uma maior sensibilidade, o Conselho de Segurança da ONU foi unânime no caso da Costa do Marfim. A visão de que é preciso defender a população civil e que não se pode permitir que um governo, não importa qual razão, utilize a violência indiscriminadamente contra as populações, é um princípio que a comunidade internacional aprova”, ressaltou. Os 15 países-membro do Conselho votaram a favor da resolução 1.975 que determina utilizar todos os meios para evitar que as tropas do Gbagbo alvejassem civis. Já no caso da resolução de 1.973 da Líbia, houve cinco abstenções, entre as quais o Brasil.
Reconciliação nacional
Após esses 17 anos, as feridas ainda estão abertas na memória do povo ruandês. O desafio atual é tentar uma reconciliação nacional. “as etnias tem que aprender a viver entre si com essa cicatriz, é possível. A Alemanha é hoje um dos protagonistas internacionais e foi o país do nazismo. A África do Sul, depois de décadas, superou o apartheid. Isso é possível. A dor individual não termina, mas tem que reconciliar as populações se não, jamais haverá paz”, sugere o representante da ONU.
Atualmente, Ruanda tornou-se um país receptor de ajuda ao desenvolvimento com projetos de longo prazo em áreas da saúde, educação e de desenvolvimento econômico, disse ao Opera Mundi Simone Rocha, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio.
Ruanda também representou um aprendizado para as próprias agências de ajuda humanitária, reconheceu Rocha ao ressaltar o posicionamento das agências face às soluções para conflitos.
“O aprendizado ficou muito claro em Ruanda, à medida que a ajuda humanitária tomou mais espaço na agenda internacional, ela foi se aproximando da política e sendo utilizada por ela, sobretudo para justificar a inação ou a tomada de decisão política”, afirmou.
Para a pesquisadora em relações internacionais, após Ruanda, as agências aprenderam a se manter no mandato humanitário aliviando o sofrimento, mas “se concentrando em negociar para exercerem com a maior neutralidade e independência possível”.
Para julgar os responsáveis pelo extermínio, a comunidade internacional criou o Tribunal Criminal Internacional para a Ruanda, na cidade de Arusha, na Tanzânia. Em outubro de 1998, foi julgado e condenado pela prática em 1994. Muitas outras condenações já foram realizadas, incluindo a que julgou líderes dos meios de comunicação por ter desempenhado um papel ativo na campanha do genocídio.
FONTE: Opera Mundi
REFERÊNCIAS:
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