Passados 100 dias desde a posse, começam a surgir no seu próprio Partido – o PT - críticas à ministra chefe da SEPPIR, a socióloga Luiza Bairros, e dirigentes passaram a deixar a cautela de lado e a vocalizar em público o descontentamento com o espaço da agenda da igualdade racial no Governo da Presidente Dilma Rousseff.
O Secretário Estadual de Combate ao Racismo do PT de S. Paulo e membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) Cláudio Silva, o Claudinho , disse, em entrevista à Afropress, que a nova ministra “embora, tenha acertos do ponto de vista técnico, do ponto de vista político tem muitos erros e erros gravíssimos”.
Afropress apurou que setores do PT ainda não digeriram a forma como a nova ministra substituiu dirigentes das gestões anteriores, passando a impressão, nas palavras de um dirigente, de que “nada foi feito antes e ignorando o trabalho dos seus antecessores, responsáveis pela consolidação da SEPPIR como órgão de Governo".
“Não percebo na atual gestão preocupação em dialogar a pauta das políticas públicas de igualdade racial, nem com o movimento, nem com o Partido. E isso também me preocupa muito. O Partido é um Partido que tem uma vida, uma dinâmica muito forte. Do ponto de vista político não tem acerto não”, afirmou Claudinho.
Ele citou como exemplo do que classifica como “erros gravíssimos” a ausência de pauta do Conselho Nacional de Igualdade Racial, órgão de assessoria da ministra integrado por representantes de entidades do movimento social, apesar da existência de temas relevantes para serem discutidos, e o fato de o aniversário de oito anos da SEPPIR ter sido feito no subsolo da Esplanada dos Ministérios, em um espaço em que não cabiam os convidados.
“Isso demonstra que, nem por parte da SEPPIR, nem por parte do Governo está havendo uma priorização, uma valorização dessa agenda que está colocada pela sociedade negra brasileira”, acrescentou.
Frustante
O dirigente do PT paulista disse que a posição da ministra na polêmica provocada pelas declarações do deputado fluminense Jair Bolsonaro, ao limitar-se a chamar de “racismo explícito” as manifestações do deputado carioca, considerado porta-voz da extrema direita militar, foi “frustrante”.
“Uma pessoa que está em um espaço de gestão como o dela, ficar na simplicidade de dizer que as declarações são racismo explícito... É uma fala muito vazia para quem está na posição que ela está e ocupa o espaço que ela ocupa”, frisou.
Acrescentando que o descontentamento com os erros na gestão da SEPPIR ser um sentimento “praticamente generalizado por todo o país”, Claudinho defendeu a convocação de uma Conferência Extraordinária e um realinhamento da postura do Governo em relação a pauta da igualdade racial.
“Dá para perceber que a presidente está bastante sensibilizada com a agenda de gênero, porém, com relação a agenda da igualdade racial, agente percebe um esvaziamento, um distanciamento do governo dessa pauta, dessa agenda efetiva na sociedade. Não consigo perceber hoje no Governo, a importância que foi dada, por exemplo, para essa agenda no Governo do presidente Lula”, enfatizou.
Veja, na íntegra, a entrevista concedida pelo dirigente petista ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira.
Afropress - Como é que você está vendo a reação e as posições da ministra Luiza Bairros, da SEPPIR, nesse episódio da polêmica causada pelas declarações racistas do deputado Bolsonaro na semana que passou?
Cláudinho – Esse posicionamento dela de dizer que as declarações são racismo explícito, é um posicionamento em que fica caracterizada a fraqueza. Uma pessoa que está em um espaço de gestão como o dela, ficar na simplicidade de dizer que as declarações são racismo explícito. É uma fala muito vazia para quem está na posição que ela está, e ocupa o espaço que ela ocupa.
Afropress - Como está vendo o tema da igualdade racial, na agenda da Presidente Dilma?
Claudinho - Neste início de Governo estou vendo isso com grande preocupação. Por duas razões. Primeiro dá para perceber que a Presidente está bastante sensibilizada com a agenda de gênero, a agenda de gênero tornou-se uma pauta bastante valorizada no interior do governo, inclusive, construída a partir da intervenção da Presidente. Porém, com relação a agenda da igualdade racial, agente percebe um esvaziamento, um distanciamento do Governo dessa pauta, dessa agenda efetiva na sociedade.
Não consigo perceber hoje no Governo a importância que foi dada, por exemplo, para essa agenda no Governo do Presidente Lula.
Afropress - Isso se refletiu, por exemplo, na agenda do Presidente Obama, na sua visita recente ao Brasil?
Claudinho – A agenda do Presidente Obama confirma isso que estou dizendo. Primeiro presidente negro americano, que se construiu como liderança política mundial a partir do fato de ser negro, ter vindo ao país, um país que está ebulindo (sic) na agenda racial, porque a agenda racial no Brasil nos 8 anos, só ganhou proporção, só ganhou em tamanho, foram feitas duas conferências, Plano Nacional, aprovado o Estatuto da Igualdade Racial, a agenda está colocada na sociedade brasileira, na pauta política nacional.
E o fato do Obama não ter se reunido com o movimento negro, não ter tratado da agenda da igualdade racial é muito preocupante. Isso confirma o que estou dizendo: que há um esvaziamento de igualdade racial no início desse Governo. E nós estamos já propondo alguns debates para tentar contornar isso, ou retomar a sensibilização do Governo para a nossa pauta.
Afropress - O que está havendo com a SEPPIR, a atual gestão está atenta a isso ou está omissa em relação a esse debate?
Claudinho - Eu acho que a atual gestão ganha do ponto técnico e de qualidade gestora. Agente tem que reconhecer isso. Mas não percebo na atual gestão preocupação em dialogar a pauta das política públicas de igualdade racial, nem com o movimento, nem com o Partido. E isso também me preocupa muito. O Partido é um Partido que tem uma vida, uma dinâmica muito forte.
Eu considero que a gestão, de certa forma, do ponto de vista técnico, tem acertos, os quadros que estão sendo colocados são assertivos, por um certo olhar, mas do ponto de vista político não tem acerto não. Tem muitos erros e erros gravíssimos.
Afropress - Esse sentimento é o sentimento que está perpassando toda a base, toda a militância negra, do PT, especialmente, e outros partidos da base do Governo?
Claudinho - Eu acho que sim. Esse é o sentimento geral. É o sentimento que praticamente está generalizado por todo o país. E isso vai fazer, com certeza, com que o movimento se mobilize, se organize para poder pautar a Presidente Dilma no sentido de realinhar a postura do Governo com relação a pauta da igualdade racial.
Afropress - Que erros gravíssimos você apontaria nesse início de Governo em relação a esse tema?
Claudinho - Primeiro grande erro: há alguns dias houve reunião do Conselho Nacional da Igualdade Racial, o Conselho Nacional de Igualdade Racial se reuniu sem pauta e tem pauta colocada no Conselho. O Conselho Nacional de Igualdade Racial tem uma pauta muito extensa para poder debater, uma pauta muito grande. Tem as questões do Pré-sal, tem a regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial, tem as discussões relativas a questão da preparação da população negra para receber os dois grandes eventos mundiais que vão acontecer no Brasil, que são a Copa e as Olimpíadas, está pautada no Conselho Nacional da Igualdade Racial. Teve uma reunião e não teve pauta.
Quer outro erro político importantíssimo, que eu acho que a agente tem de pensar? O aniversário de oito anos da SEPPIR foi feito no subsolo da Esplanada dos Ministérios. Todos os anos esses aniversários foram feitos ou no Salão Negro do Ministério da Justiça, ou no Palácio do Planalto. Esse ano foi feito no subsolo da Espalanda dos Ministérios, num espaço que não cabia o número de convidados. Isso demonstra que, nem por parte da SEPPIR, nem por parte do Governo, está havendo uma priorização, uma valorização dessa agenda que está colocada pela sociedade negra brasileira.
Afropress - Você mencionava a necessidade de uma Conferência Extraordinária. Você acha que isso seria importante para se promover uma repactuação dessa relação do movimento social negro com as esferas do Estado – no caso a Seppir – e, portanto, redefinir, recolocar esse tema na agenda?
Claudinho - Eu indicaria a ministra Luiza Bairros um diálogo com a Presidente Dilma, para convocar este ano ainda, porque esse ano é um ano propício para isso, tem agenda política colocada prá isso, uma Conferência Extraordinária de Promoção da Igualdade Racial para repactuar com o movimento social a agenda da igualdade racial, para discutir e mobilizar o movimento social para as agendas que estão colocadas que são importantíssimas.
Esse ano, por exemplo, no STF tem duas agendas nossas que vão ser julgadas pelo STF: a ADIN dos Quilombos – a ADIN contra o decreto 4887 e a ADIN contra a política de cotas. O Movimento precisa está organizado e mobilizado para intervir nisso. E se agente chama uma Conferência agente consegue organizar o movimento no país inteiro, mobilizar o movimento no país inteiro para poder discutir esses temas.
Outro tema importantíssimo que está colocado é a reforma política. Não se vê participação de negros na discussão da reforma política. As comissões que foram constituídas, tanto no Senado quanto na Câmara Federal, tem uma ínfima participação de deputados negros, que nós temos uma bancada muito pequena.
Por exemplo: só conseguir identificar o Luiz Alberto [deputado federal do PT da Bahia] como membro titular da Comissão na Câmara, e o Vicente Cândido [deputado federal do PT de S. Paulo], como membro suplente. No senado, não tem um negro. O Paulo Paim não está na comissão e não há nenhum outro negro ou negra na Comissão do Senado.
Então isso, dificulta a nossa intervenção, isso dificulta o nosso olhar sobre a reforma política e nós precisamos produzir para poder integrar a reforma política. Uma Conferência daria conta disso.
Outra coisa que está colocada e que acho importante para agente dá conta é a questão da regulamentação do Estatuto da Igualdade Racial. No pé que anda nós vamos demorar 10 anos para regulamentar o Estatuto todo. E o Estuto é uma necessidade premente. Tramitou quase 20 anos no Congresso Nacional. Não dá prá esperar mais. Além do que nós precisamos avançar na reglamentação do Estatuto, prá agente também poder avançar nas conquistas. Esse Estatuto que está aí não nos contempla, nós precisamos fazer emendas a esse Estatuto, então precisamos dar esse próximo passo prá poder partir para o passo seguinte que é fazer emendas e ampliar as conquistas do Estatuto.
FONTE: AFROPRESS
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