Instalada sob os holofotes da mídia, a comissão da reforma política do Senado não provocou interesse na opinião pública, o que era previsível, dada a recorrência estéril que tem marcado a trajetória do tema na história recente (e remota) do país.
Nas sombras dessa indiferença, a comissão atua sem ser molestada, aprovando propostas altamente polêmicas, que passam ao largo do conhecimento da opinião pública. Promete, porém, como compensação, submetê-las, ao final, a referendo popular.
Esta semana, além de aprovar o referendo, a comissão aprovou duas propostas complicadas: o voto em lista fechada, que faz com que o eleitor vote no partido e não no candidato; e o aumento da exigência de cota de mulheres, de 30% para 50%.
Por partes. O voto em lista transfere à cúpula dos partidos a escolha dos candidatos. O eleitor não sabe em quem está votando. Vota numa lista, onde pode haver nomes que goste e que abomina. Ou mesmo que simplesmente desconhece – caso da maioria.
Há ainda o agravante de que a escolha desses nomes será feita pelas cúpulas partidárias. E estas, como lembrou esta semana a senadora Kátia Abreu, que deixou o DEM para fundar o PSD, não praticam internamente a democracia que pregam ao público externo. O DEM foi o primeiro as implodir pela rebelião das bases. Outras rebeliões semelhantes estão no horizonte.
O PT, ideologicamente antípoda ao DEM, não faz diferente. Engoliu a seco a candidatura presidencial de Dilma Roussef, imposta pela vontade imperial de Lula. Se houvesse prévias, é consenso que não seria escolhida. O PT foi também forçado a aceitar alianças estaduais para as eleições de governador que sua base repudiava, com destaque para Minas e Maranhão, onde um deputado federal chegou a fazer greve de fome em sinal de (inútil) protesto.
Não há nada na lei que impeça uma mulher de se candidatar para qualquer cargo da República. Tanto assim que hoje uma mulher a preside, sem qualquer estranheza. Se a maioria dos candidatos ainda é de homens, não é porque haja restrições, mas porque o interesse da mulher pela política ainda não a iguala estatisticamente ao homem, mesmo constituindo a maioria da população.
Isso, porém, depende não de lei, mas da assimilação dos novos paradigmas culturais, que é um processo gradual - e que, entre nós, avançou significativamente nos últimos tempos.
Forçar os partidos a providenciar candidatas apenas para preencher cotas impostas por lei – o que já se verificou nas eleições passadas - não garante a qualidade da representação.
A presença da mulher na política é fenômeno sociológico relativamente recente, mas contínuo. Não há um só segmento em que não esteja presente. Preside estatais, comanda ministérios e mesmo chefia instituições até há pouco inimagináveis, como a polícia do Rio de Janeiro. A tendência natural é que isso prossiga e se expanda, sem necessidade de cotas ou outros artifícios.
A mentalidade que preside o princípio das cotas é a mesma que idealiza como justa uma sociedade segmentada: índios, negros, homossexuais etc. Levada ao extremo, a síndrome da cotização poderá contaminar as eleições, subvertendo o princípio constitucional (artigo 5º) segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”.
Só falta agora criar impostos diferenciados para cada um desses segmentos, em nome da defesa das minorias. A segmentação contínua fará da sociedade brasileira uma sociedade de minorias, regidas por leis que já não terão aplicação geral, criando um país de desiguais, com direitos desiguais. Quem tiver um lobby mais forte levará vantagem. Democracia, claro, é outra coisa.
FONTE: Ruy Fabiano jornalista / BLOG DO NOBLAT
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