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domingo, novembro 10, 2013

Fascismo brasileiro revisitado


No rastro de manifestações violentas, historiadores analisam movimentos totalitários do passado




Cinco meses depois do início das manifestações populares Brasil afora, o padrão, em boa parte delas, continua o mesmo. Os protestos, inicialmente pacíficos, terminam em confronto entre dezenas de homens encapuzados e policiais. O quebra-quebra promovido pelo movimento fez a presidente Dilma Rousseff endurecer o seu discurso. Na semana passada, em entrevista a rádios, ela empregou o termo “fascista” para denunciar os radicais que tomam as ruas vestidos de preto. O discurso da presidente provoca uma reflexão histórica sobre a entrada no país de ideologias posteriormente repudiadas: o suposto fascismo que inspirou lideranças do Estado Novo de Getúlio Vargas e o anarquismo que seduziu operários da nascente indústria brasileira.

- Devemos repudiar integralmente o uso da violência, e mais, o fato de que o uso dela se dá tampando a face das pessoas - afirmou a presidente. - Destroem patrimônio público e privado, provocam ferimentos, machucam e mostram, não a civilidade da democracia, mas a barbárie.
O sociólogo Marcos Cezar de Freitas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concorda com a existência de traços fascistas entre os atuais manifestantes violentos.

- Há, de fato, uma associação - assegura. - Vemos uma violência característica, a negação da política institucionalizada, como os partidos políticos e o Parlamento. E, também, a produção de inimigos generalizados para os ataques, como a destruição de locais simbólicos para a democracia.
Freitas, no entanto, acredita que a ideologia assumiu, agora, um teor diferente daquele visto no país entre 1937 e 1945, na ditadura do Estado Novo. Na época, o fascismo brasileiro flertava com o governo italiano, conduzido por Benito Mussolini desde 1922, e que também inspirou, 11 anos depois, a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha.

- Na década de 1930, os fascistas integravam um partido, a Ação Integralista Brasileira (AIB) - lembra Freitas, autor do livro “Integralismo: fascismo caboclo”. - Ou seja, eles participavam do jogo político. Os membros da AIB eram nacionalistas e vários descambaram para a militância fascista.

O uso de máscaras, de acordo com Freitas, é outra ligação entre os atuais black blocs e o antigo fascismo. Recorrer ao anonimato, segundo ele, facilita a adesão de vândalos e a imposição do terror. A tática não é nova.

- Ocultar o rosto é parte da lógica fascista, a da violência pela violência - ressalta. - Todas as ideias divulgadas por estes grupos foram resgatadas de algum lugar, mesmo que seja de um trecho de uma música, e distorcidas até transmitirem a mensagem destes radicais.

Já o professor de História Contemporânea da UFF, Daniel Aarão Reis discorda de qualquer associação entre fascistas e o atual movimento dos black blocs.

- O termo fascismo foi banalizado. Serve para qualquer coisa, e Dilma o usou como uma jogada de marketing - condena. - Esta corrente política é um tema histórico muito delimitado e cuja face original foi praticamente extinta, à exceção de alguns grupos neonazistas na Europa.

Reis interpreta o fascismo como um movimento restrito àquele concebido por Mussolini - é a ideologia que chega ao poder com amplo apoio popular, embora seja fortemente antidemocrática. No Brasil, ela se manifestou apenas durante o Estado Novo, entre as décadas de 1930 e 1940. Ainda assim, esta identificação foi pontual e rapidamente cortada pelos EUA, quando Vargas foi pressionado pela Casa Branca a lutar a seu lado na Segunda Guerra Mundial.

- Vargas, entre 1939 e 1940, namorou o fascismo. Seu sucessor, Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), não era fascista, mas admirava características daquele movimento, como a ordem, o progresso e o nacionalismo - explica.

- Houve a figura sinistra do chefe da polícia política, Filinto Müller, que torturava opositores do Estado Novo, mas ele recuou anos depois.

Um dos organizadores de “História do anarquismo no Brasil”, Reis acredita que os black blocs inspiram-se mais no anarquismo, que nega qualquer tipo de governo. O berço do movimento foi a Europa pós-Revolução Industrial, no século XVIII.

Nas décadas seguintes o movimento perdeu força para o comunismo, que defendia um governo centralizador. O anarquismo só manteve influência no Sul da Europa, principalmente na Itália. A migração em massa de seus militantes para as Américas e o tom internacionalista desta corrente política conquistaram trabalhadores das metrópoles brasileiras, especialmente nas fábricas, e levou à formação de sindicatos. Sua influência, no entanto, sofreu um novo golpe, desta vez imposto pelos industriais, com a crescente hierarquização da produção.

O anarquismo manteve-se no ocaso por décadas, mas, segundo Reis, renasceu nos anos 1990, com a difusão da internet. E, agora, tem um terreno ainda mais fértil do que quando era conhecido apenas por operários.

- A proposta anarquista tem como base uma organização horizontal. Todos têm o mesmo poder. Por isso, ela estava totalmente fora de órbita no início do século passado - explica o historiador. - Hoje, a internet proporciona uma maior difusão de suas ideias, que eram restritas a jornais de sindicatos.

Para ele, a negação da política partidária, uma das bandeiras dos manifestantes, empolga a população. Reis destaca que, em certos casos nas últimas eleições, mais de metade do eleitorado se absteve ou votou nulo ou em branco.

- O anarquismo ganhou espaço. Nem sempre ele é sinônimo de violência. Recorrer ao vandalismo é contraproducente e isola estes grupos dos movimentos sociais - ressalta. - O fato é que ele se aproveita da falta de credibilidade do poder público.

FONTE: O GLOBO

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