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quarta-feira, junho 18, 2014

A privatização indireta das universidades estaduais paulistas







Desde o início da greve, temas como doações financeiras de ex-alunos e corporações e cobrança de mensalidades têm sido trazidos ao debate

A greve que atravessas as três universidades estaduais paulistas desde o final de maio evidencia uma nova ofensiva privatista, que vem sendo facilitada por informações divulgadas por reitores e alguns setores da imprensa. Temas como doações financeiras de ex-alunos e corporações e, principalmente, cobrança de mensalidades, têm sido trazidos à baila pelos setores mais conservadores da sociedade.

Com a adesão do Brasil à agenda neoliberal, não apenas por parte do governo central (o caso do estado de São Paulo é sintomático, sobretudo nessas duas décadas de gestão do PSDB), o setor público vai, paulatinamente, se descomprometendo (total ou parcialmente) de uma série de funções transferidas ao mercado. Nesse contexto, o precário “Estado de bem-estar social”, subjacente à Constituição de 1988, assiste a seu setor público brasileiro atendendo apenas superficialmente às demandas de sua população.

Diante desse quadro, a educação se transforma em mercadoria, dando ensejo à criação de nichos de mercado (nos ensinos fundamental, médio e superior). Ao mesmo tempo, são visíveis os processos de sucateamento e precarização pelos quais passam a educação pública brasileira (em todos os níveis), com investimentos insuficientes, infraestrutura inadequada e profissionais cada vez menos valorizados.

Especificamente no caso da política voltada para o ensino superior, cabe salientar o fenômeno de “privatização indireta” pelo qual vem passando a universidade pública, com o incentivo (pressão?) à captação de recursos externos por parte dos docentes. Com a Lei da Inovação criada em 2004 e o crescimento do poder das Fundações universitárias, parte dos professores se converte em “empresários da inovação”. Nesse contexto, ganham destaque as “Agências de Inovação” (UIN, na Unesp; Agência de Inovação, da Unicamp e USP) e as parcerias entre as Universidades e as corporações transnacionais e nacionais - de alguns ramos - via Fapesp.

Se é verdade que mais de 90% dos recursos das três universidades paulistas ainda vêm dos fundos públicos como ICMS, também é verdade que a cada ano os cursos de extensão e especialização, além das consultorias, vêm ganhando terreno na agenda de uma parcela dos docentes, como uma forma visível de “complementação” salarial. Vale observar que, além disso, a privatização indireta é reforçada quando algumas universidades públicas condicionam a progressão na carreira à captação de recursos externos.

A ameaça privatista não para por aí. De tempos em tempos, vem à tona a proposta da cobrança de mensalidade como panaceia para as dificuldades orçamentárias das universidades públicas, como tem ocorrido atualmente na “crise” enfrentada pelas estaduais paulistas. Novamente, a privatização surge como alternativa à “escassez” e “má gestão dos recursos públicos”.

Todavia, nada se fala sobre a política do governo paulista de ampliação de cursos e campi oferecidos pela USP, Unicamp e Unesp, não acompanhados por aumentos nas verbas destinadas a essas universidades (o percentual do ICMS repassado às três estaduais paulistas é o mesmo desde 1995), tampouco pela contratação de novos professores e funcionários.

Assim, a ampliação se dá, de cima para baixo, não oferecendo, muitas vezes, condições mínimas em termos de recursos humanos e materiais, como é o caso dos campi experimentais da Unesp. A irresponsabilidade dessa política de ampliação salta aos olhos no caso da interdição do campus Zona Leste da USP, cujas instalações foram construídas sobre solo contaminado.

Além disso, não foi dado nenhum esclarecimento por parte do governo do estado de São Paulo sobre a denúncia do Fórum das Seis de que tal não teriam sido repassados cerca de R$ 2 bilhões às coirmãs paulistas, entre 2008 e 2013. Aqui, é importante lembrar as contribuições de Aloysio Biondi sobre as privatizações brasileiras, segundo o qual, em muitos casos, primeiramente as estatais eram sucateadas (deixavam de receber financiamento do governo e eram usadas como instrumento de combate à inflação), e, em seguida, transmitia-se à sociedade a ideia de que elas eram ineficientes. Finalmente, após alcançar legitimação, ao menos por parte de uma parcela da população, tais estatais eram privatizadas, em processos que com frequência eram escandalosamente obscuros (com deságio, financiamento “camarada” do BNDES e dívidas assumidas pelo ex-proprietário – ou seja, o próprio governo brasileiro).

Isso parece muito com o que vem acontecendo na atual campanha lançada por alguns setores da imprensa em prol da privatização das universidades públicas paulistas. Ora, se o orçamento do setor público é escasso e tais universidades não conseguem geri-lo adequadamente, a saída seria sua privatização. Qualquer semelhança com as privatizações da era FHC não é mera coincidência.

Conforme salientado, é evidente a influência neoliberal no governo paulista e, em sua “agenda de desenvolvimento”, apregoa-se a importância da diminuição das funções assumidas pelo Estado, com vistas a torná-lo mais eficiente. “Estado mínimo” e “mercado máximo”, eis a solução para nossos problemas.

Diante desse contexto, salta aos olhos o perigo da proposta de cobrança de mensalidade nas universidades públicas do estado de São Paulo. Um deles reside na possibilidade de que o governo paulista, com a implementação dessa proposta e o aumento dos recursos “não públicos” na formação do orçamento de tais universidades, poderá se sentir tentado a reduzir unilateralmente os repasses a elas.

Infelizmente, nos sentimos desamparados pelo Cruesp (Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo), que, em vez de defender-nos dos ataques privatistas, repete o mantra do governo paulista: “frente ao baixo crescimento do PIB” e à “queda na arrecadação do ICMS”, é preciso fazer alguns sacrifícios (leia-se arrocho salarial, cortes em fomento para participação em eventos científicos, redução de recursos para a atividade de extensão etc.).

É de se lamentar a omissão do Cruesp à política de sucateamento praticada pelo governo do estado de São Paulo em relação à USP, à Unesp e à Unicamp, bem como a falta de abertura para o diálogo e de transparência em relação a suas contas.

Combatemos veementemente a privatização de qualquer natureza como solução para os problemas enfrentados pelas universidades públicas paulistas. Defendemos uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Concebendo-a como espaço privilegiado do pensamento livre, como responsável pela realização de ensino de qualidade, pesquisas e extensão voltadas a atender os interesses do conjunto da população brasileira, na construção de uma nação soberana. Condições incapazes de serem alcanças por universidades submetidas à lógica mercantil.



FONTE: CARTA CAPITAL / Cássio Garcia Ribeiro é docente da Unesp - Franca; Fabiana de Cássia Rodrigues é professora substituta da Unicamp; e Henrique T. Novaes é docente da Unesp - Marília.

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