Desde
o início da greve, temas como doações financeiras de ex-alunos e corporações e
cobrança de mensalidades têm sido trazidos ao debate
A
greve que atravessas as três universidades estaduais paulistas desde o final de
maio evidencia uma nova ofensiva privatista, que vem sendo facilitada por
informações divulgadas por reitores e alguns setores da imprensa. Temas como
doações financeiras de ex-alunos e corporações e, principalmente, cobrança de
mensalidades, têm sido trazidos à baila pelos setores mais conservadores da
sociedade.
Com
a adesão do Brasil à agenda neoliberal, não apenas por parte do governo central
(o caso do estado de São Paulo é sintomático, sobretudo nessas duas décadas de
gestão do PSDB), o setor público vai, paulatinamente, se descomprometendo
(total ou parcialmente) de uma série de funções transferidas ao mercado. Nesse
contexto, o precário “Estado de bem-estar social”, subjacente à Constituição de
1988, assiste a seu setor público brasileiro atendendo apenas superficialmente
às demandas de sua população.
Diante
desse quadro, a educação se transforma em mercadoria, dando ensejo à criação de
nichos de mercado (nos ensinos fundamental, médio e superior). Ao mesmo tempo,
são visíveis os processos de sucateamento e precarização pelos quais passam a
educação pública brasileira (em todos os níveis), com investimentos
insuficientes, infraestrutura inadequada e profissionais cada vez menos
valorizados.
Especificamente
no caso da política voltada para o ensino superior, cabe salientar o fenômeno
de “privatização indireta” pelo qual vem passando a universidade pública, com o
incentivo (pressão?) à captação de recursos externos por parte dos docentes.
Com a Lei da Inovação criada em 2004 e o crescimento do poder das Fundações
universitárias, parte dos professores se converte em “empresários da inovação”.
Nesse contexto, ganham destaque as “Agências de Inovação” (UIN, na Unesp;
Agência de Inovação, da Unicamp e USP) e as parcerias entre as Universidades e
as corporações transnacionais e nacionais - de alguns ramos - via Fapesp.
Se
é verdade que mais de 90% dos recursos das três universidades paulistas ainda
vêm dos fundos públicos como ICMS, também é verdade que a cada ano os cursos de
extensão e especialização, além das consultorias, vêm ganhando terreno na
agenda de uma parcela dos docentes, como uma forma visível de “complementação”
salarial. Vale observar que, além disso, a privatização indireta é reforçada
quando algumas universidades públicas condicionam a progressão na carreira à
captação de recursos externos.
A
ameaça privatista não para por aí. De tempos em tempos, vem à tona a proposta
da cobrança de mensalidade como panaceia para as dificuldades orçamentárias das
universidades públicas, como tem ocorrido atualmente na “crise” enfrentada
pelas estaduais paulistas. Novamente, a privatização surge como alternativa à
“escassez” e “má gestão dos recursos públicos”.
Todavia,
nada se fala sobre a política do governo paulista de ampliação de cursos e
campi oferecidos pela USP, Unicamp e Unesp, não acompanhados por aumentos nas
verbas destinadas a essas universidades (o percentual do ICMS repassado às três
estaduais paulistas é o mesmo desde 1995), tampouco pela contratação de novos
professores e funcionários.
Assim,
a ampliação se dá, de cima para baixo, não oferecendo, muitas vezes, condições
mínimas em termos de recursos humanos e materiais, como é o caso dos campi
experimentais da Unesp. A irresponsabilidade dessa política de ampliação salta
aos olhos no caso da interdição do campus Zona Leste da USP, cujas instalações
foram construídas sobre solo contaminado.
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Isso
parece muito com o que vem acontecendo na atual campanha lançada por alguns
setores da imprensa em prol da privatização das universidades públicas
paulistas. Ora, se o orçamento do setor público é escasso e tais universidades
não conseguem geri-lo adequadamente, a saída seria sua privatização. Qualquer
semelhança com as privatizações da era FHC não é mera coincidência.
Conforme
salientado, é evidente a influência neoliberal no governo paulista e, em sua
“agenda de desenvolvimento”, apregoa-se a importância da diminuição das funções
assumidas pelo Estado, com vistas a torná-lo mais eficiente. “Estado mínimo” e
“mercado máximo”, eis a solução para nossos problemas.
Diante
desse contexto, salta aos olhos o perigo da proposta de cobrança de mensalidade
nas universidades públicas do estado de São Paulo. Um deles reside na
possibilidade de que o governo paulista, com a implementação dessa proposta e o
aumento dos recursos “não públicos” na formação do orçamento de tais
universidades, poderá se sentir tentado a reduzir unilateralmente os repasses a
elas.
Infelizmente,
nos sentimos desamparados pelo Cruesp (Conselho dos Reitores das Universidades
Estaduais de São Paulo), que, em vez de defender-nos dos ataques privatistas,
repete o mantra do governo paulista: “frente ao baixo crescimento do PIB” e à
“queda na arrecadação do ICMS”, é preciso fazer alguns sacrifícios (leia-se
arrocho salarial, cortes em fomento para participação em eventos científicos,
redução de recursos para a atividade de extensão etc.).
É
de se lamentar a omissão do Cruesp à política de sucateamento praticada pelo
governo do estado de São Paulo em relação à USP, à Unesp e à Unicamp, bem como
a falta de abertura para o diálogo e de transparência em relação a suas contas.
Combatemos
veementemente a privatização de qualquer natureza como solução para os
problemas enfrentados pelas universidades públicas paulistas. Defendemos uma
universidade pública, gratuita e de qualidade. Concebendo-a como espaço
privilegiado do pensamento livre, como responsável pela realização de ensino de
qualidade, pesquisas e extensão voltadas a atender os interesses do conjunto da
população brasileira, na construção de uma nação soberana. Condições incapazes
de serem alcanças por universidades submetidas à lógica mercantil.
FONTE: CARTA CAPITAL / Cássio Garcia Ribeiro é docente da Unesp - Franca; Fabiana de Cássia Rodrigues
é professora substituta da Unicamp; e Henrique T. Novaes é docente da Unesp -
Marília.
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