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quinta-feira, junho 05, 2014

“Oito sedes bastavam. Jogaram dinheiro fora”













Mauro Silva, campeão do mundo em 1994, fala sobre a organização do torneio organizado pelo Brasil, o medo da Argentina e as possibilidades da 'canarinha'

Mauro Silva (São Bernardo do Campo, 1968), titular indiscutível na seleção brasileira que ganhou a Copa de 1994, ídolo eterno do Deportivo la Coruña, é lembrado como um dos melhores meio-campistas defensivos da história do futebol. Hoje empresário imobiliário, opina quando lhe pedem com a mesma atitude que demonstrou nas treze temporadas em que jogou na Espanha: sem trejeitos, sem pretensões de ganhar mais fama, entregue a seu trabalho como quando construiu, jogo a jogo, sem uma finta nem uma palavra a mais, uma carreira exemplar no que se refere ao profissionalismo, rigor tático e discrição. Nesses treze anos marcou um único gol. Quando perguntaram ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2004, durante uma visita à Espanha, qual era seu jogador favorito, ele não hesitou um segundo: "Mauro Silva".

Silva lamenta que o Brasil tenha "desperdiçado a oportunidade de dar uma imagem de país eficiente e moderno com a organização da Copa". Acredita, no entanto, que o povo apoiará a seleção, o que torna o anfitrião "o principal favorito" para ganhar o torneio. Seu maior temor é a Argentina: "Como jogador brasileiro, em uma Copa, a primeira coisa que desejo é que eles voltem para casa o quanto antes...".

Pergunta. O que seu país fez errado durante a organização da Copa para provocar tantos protestos e tanta exposição internacional?
Resposta. Há sete anos, quando a candidatura foi escolhida, houve uma grande alegria; acreditávamos que a Copa serviria para melhorar as infraestruturas do Brasil, que é um dos pontos frágeis da nossa economia, e para dar visibilidade a um país com enorme potencial para investidores estrangeiros. Queríamos aproveitar para mudar essa imagem, mas não o fizemos: as obras, os estádios, os aeroportos, tudo está atrasado. Desperdiçamos uma boa oportunidade para mostrar uma imagem de país eficiente e moderno. Há outro problema: não necessitávamos de 12 estádios; oito sedes bastavam. Somos um país com dimensões continentais e em alguns lugares há pouca tradição futebolística. Quando a Copa terminar, esses estádios não serão usados. É jogar dinheiro fora. Podiam ter sido construídos hospitais e escolas públicas. Essa é minha crítica. E é a crítica de grande parte dos cidadãos.

Fazer as coisas com pressa não é bom, e se você visse as filas nos hospitais...

P. Você ficou surpreso que tantos brasileiros prefiram que o Brasil perca como castigo aos governantes?
R. Surpreende-me um pouco, mas as pessoas estão muito irritadas. Eu acredito que é preciso separar as coisas. Que o Brasil ganhe é bom. Vejo com bons olhos as manifestações, as pessoas mais maduras politicamente devem continuar fazendo as manifestações para que os governantes vejam que não estamos satisfeitos. Mas não durante a Copa... Estou praticamente certo de que as pessoas apoiarão o time. Se você faz uma festa em casa e tem convidados, não é o momento para discutir os problemas familiares ou internos. Quando a festa acaba, é outra coisa. Assumimos a responsabilidade e o compromisso de fazer uma festa, temos de receber bem os visitantes e dar a melhor imagem possível. Depois, que voltem os protestos sobre os problemas internos.

P. Seu companheiro de seleção e hoje deputado Romário ocupou muitas manchetes com a frase: "a Copa é o maior roubo da história do Brasil".
R. É uma suspeita generalizada. Tivemos muito tempo para prepará-la e, no fim das contas, como sempre acontece no Brasil, deixamos tudo para a última hora e os gastos dispararam. Fazer as coisas com pressa nunca é bom, e se você visse as filas nos hospitais... Romário diz as coisas como lhe dá na cabeça, mas está fazendo um bom trabalho.

P. O que é mais importante para ganhar uma Copa?
R. O talento, sem dúvida.

P. A atual seleção brasileira parece um time equilibrado, mas do meio campo para a frente (com exceção de Neymar) parece precisamente um time sem o talento de outras épocas.
R. Essa é uma das nossas grandes preocupações. Em 1994 tínhamos Bebeto e Romário no ataque e Ronaldo no banco. Agora não temos esse nível de atacantes. Uma equipe que pode ter dificuldades no ataque tem dificuldades para ganhar, por algum motivo os jogadores mais valorizados são os que garantem gols. Na Copa das Confederações tivemos Fred, que jogou bem e marcou gols, mas depois teve problemas físicos. Se ele se machucar, o que vai acontecer?

P. O que você destaca na seleção atual?
R. Além do talento, para ganhar uma Copa é preciso otimismo, boa defesa e meio de campo. Isso nós temos. A lesão de Julio César [o goleiro titular], que este ano jogou no Canadá, é outro problema. Nossa grande arma será a presença de Scolari e Parreira, pela experiência e a maneira de trabalhar.

P. Quais são os favoritos?
R. O Brasil é o principal favorito, por jogar em casa. O público vai incentivar muitíssimo. Depois Argentina, Alemanha e Espanha. Entre estas quatro estarão o campeão e o finalista.

P. Você diz que a Argentina sempre lhe dá medo. Se Messi chegar em forma, acho que vai dar mais medo ainda. A responsabilidade e o desgaste emocional serão enormes
R. Meu primeiro desejo é que eles voltem para casa o quanto antes [risos]. Nossa rivalidade histórica, o fato de jogar no Brasil, a responsabilidade ainda maior dos jogadores, tudo isso afeta. A Argentina vem para estragar a festa. Messi não ganhou uma Copa ainda e para poder ser comparado algum dia com Maradona ou Pelé necessita conquistar um Mundial. Uma final Brasil-Argentina seria fantástica. Não quero imaginar. Prefiro a qualquer outro rival.

P. O que podem fazer os jogadores brasileiros para aguentar uma pressão tão grande?
R. É a principal tarefa de Scolari e Parreira, e é uma tarefa complicadíssima, pelo momento estranho do país, as manifestações... A pressão que terão de suportar esses rapazes por jogar em casa é imensa. Em 1994, que era também um momento de muita pressão porque estávamos há 24 anos sem ganhar uma Copa, alcançamos a tranquilidade quando chegamos aos Estados Unidos. É impossível que algo assim aconteça agora no Brasil. É muito difícil que os jogadores possam se isolar, principalmente agora, com as redes sociais. O desgaste emocional será muito grande. A responsabilidade é enorme. E isso Argentina, Alemanha e Espanha sabem muito bem.

P. Qual é o melhor jogador que você teve de marcar em um campo? Aquele que mais o deslumbrou?
R. Maradona. Marquei Ronaldinho e Zidane, imensos jogadores, mas como Maradona não vi ninguém.

FONTE: BRASIL/EL PAÍS

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