A postura defensiva e o discurso vago dos candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) vêm causando desânimo e revolta na comunidade de gays e lésbicas, que não sente suas reinvindicações apoiadas de fato por nenhuma candidatura, ambas acuadas pela investida moralista de grupos religiosos e conservadores. Pior: segundo algumas das principais lideranças do movimento de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), a pressão conservadora está deturpando a luta por direitos do grupo e até estimulando a homofobia ao buscar confundir união civil com casamento religioso.
Esta semana, os dois candidos expuseram pontos de vista semelhante e igualmente equivocados sobre o assunto. Pressionada por um grupo de evangélicos a divulgar uma carta contra o casamento gay e a criminalização da homofobia, Dilma Rousseff afirmou que não enviará ao Congresso leis de impacto na religião, mas ressaltou que "a união civil diz respeito aos direitos civis. Isso (o casamento) diz respeito às igrejas e ninguém pode interferir". José Serra, por sua vez, afirmou ontem que "é a favor da união civil entre pessoas do mesmo sexo, mas no que se refere ao casamento gay, cabe às igrejas tomarem sua posição".
Tais declarações seriam revolucionárias não fosse por um fato simples: o movimento LGBT nunca lutou pelo casamento religioso, mas pela aprovação do projeto de união civil que há 15 anos encontra- se congelado no Congresso, justamente por falta de empenho do Executivo na mobilização de deputados e senadores que garantam a sua aprovação. Com isso, dizem gays e lésbicas, nenhum candidato quer se comprometer por medo de perder o apoio de conservadores e religiosos.
— Nunca foi bandeira do movimento gay o casamento religioso, mas o direito civil já reconhecido nos tribunais — diz Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). — Não queremos destruir a família de ninguém, mas construir a nossa. Não queremos casamento, queremos respeito como cidadão. O debate recuou para posturas da Idade Média.
— O problema é que muita gente não entende o assunto e acaba demonizando os homossexuais — disse Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB).
Alguns, como André Fischer, diretor do Mix Brasil, o maior portal GLS do país, veem o princípio de laicidade do Estado perigosamente em jogo com os candidatos cedendo a grupos religiosos e evitando tomar posições mais claras a respeito de direitos civis.
— As duas campanhas estão firmando acordos com os conservadores e barganhando ideais, achando que, no jogo do segundo turno, é melhor o voto religioso e conservador que o voto progressista — diz Fischer. — Na prática, estão acabando com a militância LGBT porque, qualquer que seja o eleito, não teremos nem um Executivo simpático às causas da minoria gay, nem uma militância que brigue por esta minoria, já que todas dependem, direta ou indiretamente, de financiamento público.
O estilista Carlos Tufvesson, integrante do Conselho dos Direitos da População LGBT do Rio de Janeiro, observa que, ao ceder às pressões de evangélicos contra o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e contra o Projeto de Lei 122 (PL-122, que criminaliza a homofobia, igualando-a ao racismo), os candidatos estão compactuando com a incitação ao preconceito e intolerância de religiões que tratam a homossexualidade como doença ou mal a ser erradicado. Os evengélicos argumentam que, do jeito que está, o projeto é uma censura às suas igrejas, que se opõem moralmente à homossexualidade.
— O governo eleito cede ao fundamentalismo religioso e garante aos evangélicos obtusos o direito sagrado de serem preconceituosos — afirma Tufvesson.
Segundo os líderes do movimento LGBT, a pressão religiosa sobre a candidata Dilma Rousseff, do PT, e sua resposta evasiva às demandas da comunidade, são o que mais desalenta gays e lésbicas. Afinal, o PT tem um histórico de partido amigável às causas da minoria e seus políticos sempre estiveram na linha de frente dos projetos que garantem direitos importantes, como o projeto de união civil (da então deputada Marta Suplicy) ou o PL-122 (da deputada Iara Bernardi).
— Há um empobrecimento da política, mas o foco deve continuar sendo o de lutar pelo Estado laico e pelo exercício dos direitos humanos, conceitos e práticas que estão em jogo com a armadilha armada contra as forças políticas mais progressistas desse país — diz o deputado federal eleito Jean Wyllis, do PSOL. O publicitário Tony Goes, autor de um dos blogs mais seguidos da blogosfera gay, afirma que, a julgar pelas reações de gays e lésbicas na internet, a escolha do segundo turno ficou ainda mais difícil.
— Entre os gays, esta polêmica não está fazendo bem a nenhum candidato. Sinto um desencanto terrível e são muitos os que dizem que votarão em branco. O curioso é que, pessoalmente, nenhum dos dois parece ser contra os direitos LGBT, mas a guerra pelo poder é um horror — afirma.
FONTE: O GLOBO / RONDA PAULISTANA
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