ABDIAS DO NASCIMENTO:
"Uma vida dedicada a um ideal"
Nosso entrevistado foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira (importante movimento iniciado em São Paulo) em 1931, criou o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944, foi secretário de Defesa da Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Rio de Janeiro, Deputado Federal pelo mesmo estado em 1983 e Senadorda República em 1997.
Quer mais? É autor de vários livros: "Sortilégio", "Dramas Para Negros e Prólogo Para Brancos", "O Negro Revoltado", entre outros.
Ah!, também é Professor Benemérito da Universidade do Estado de Nova York e doutor "Honoris Causa" pelo Estado do Rio de Janeiro.
Pois é, Abdias do Nascimento é, sem dúvida, um fundamental militante no combate à discriminação racial no Brasil. Sua história confunde-se com as conquistas sociais dos negros nos últimos 60 anos.
Abdias nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Franca, em 14 de março de 1914. Filho de uma doceira e de um sapateiro, desde cedo aprendeu a lutar por seus ideais e objetivos. Foi protagonista de vários fatos históricos, como a criação do Movimento Negro Unificado, em São Paulo:
"Eu estava lá, em 1978, nas escadarias do Teatro Municipal, no momento em que foi fundado o MNU. Depois, fizemos várias viagens por todo o país criando núcleos do movimento negro na Bahia, em Minas Gerais e na Paraíba, por exemplo".
Com vocês, o economista (exatamente, essa é sua formação acadêmica) Abdias do Nascimento:
Portal Afro - Desde quando o senhor está envolvido com o movimento negro?
Abdias do Nascimento - Desde que nasci estou envolvido com a defesa de meu povo. Todas as vezes em que eu voltava da escola reclamando de alguma ofensa ou da forma injusta como era tratado, minha mãe saia em minha defesa. A primeira grande lição de solidariedade racial que recebi na vida foi quando vi minha mãe defender um menino negro órfão, um colega do grupo escolar, que estava sendo espancado no meio da rua por uma mulher branca.
"Foi assim que aprendi, desde criança, que não se deve deixar sem resposta uma ofensa racial. Esta é uma lição que venho praticando durante toda minha vida. Todos os meus 87 anos foram dedicados a esta luta"
Portal Afro - Nessa época o senhor morava em Franca?
Abdias do Nascimento - Exatamente. Depois, saindo daquele ambiente paroquial fui para São Paulo, onde participei de vários movimentos em prol da raça negra, inclusive o maior e mais importante deles: a Frente Negra Brasileira.
Portal Afro - E como surgiu o Teatro Experimental do Negro (TEN)?
Abdias do Nascimento - Eu viajava com um grupo de poetas brasileiros e argentinos para uma série de palestras pela América do Sul. Em Lima, no Perú, após nossa palestra na Universidade Maior de São Marcos, assistimos a uma peça de teato chamada "Imperador Jones", interpretado por um ator branco argentino pintado de preto. Eu nunca havia assistido uma peça de teatro no Brasil, apenas teatrinho de bonecos e aquelas dramatizações de circo. Aquela imagem me fez refletir sobre o teatro e o negro no Brasil. E foi exatamente naquele momento que imaginei que o teatro poderia ser um grande instrumento em nossa luta anti-racista. Ali mesmo, então, decidi que ao voltar iria criar o teatro no negro no Brasil.
"Eu já conhecia a fama que nossos teatros tinham de excluir o negro. Nos teatros municipais do Rio ou de São Paulo, negros entravam apenas para limpar o chão que os brancos sujavam".
Portal Afro - Havia alguma forma de o TEN atuar em paralelo com o trabalho desenvolvido pela Frente Negra Brasileira?
Abdias do Nascimento - A Frente Negra Brasileira tinha como proposta na luta contra o preconceito, a integração racial. O TEN vinha com outros ideais. Mas, a bem da verdade, não consigo enxergar esses movimentos seccionados.
"O movimento negro tem várias faces, mas sempre é uma continuidade da grande luta de libertação cujo maior líder e referência básica é Zumbi dos Palmares"
Portal Afro - Quais eram os ideais do TEN?
Abdias do Nascimento - O Teatro Experimental do Negro não nasceu para ser apenas uma reação contra a exclusão do negro no teatro. Ele foi imaginado como frente de luta, então deveria ter várias ramificações, vários setores a serem atingidos por uma ação transformadora de nossa realidade. Por isso o TEN é também uma continuidade das lutas da Frente Negra, mesmo tendo uma identidade própria. O diferencial é que o TEN não queria saber de integração.
Portal Afro - Como assim?
Abdias do Nascimento - O TEN foi criado para fortalecer os valores da cultura tradicional africana. Foi criado para combater o racismo, sim. Mas também para firmar nossos valores. Não queríamos apenas ter o direito de entrar numa barbearia, num cassino ou em um restaurante, esses eram nossos direitos como cidadãos que nasceram aqui e ajudaram a construir este país.
"Queríamos principalmente que os valores da personalidade do africano fossem respeitados no Brasil, e fizessem parte da consciência e da cultura das instituições brasileiras".
Foi para isso que criamos o TEN, para resgatar os valores perdidos no transcorrer de nossa história. Para que os negros não continuassem apenas representando para a diversão dos brancos. Não queriamos que toda a história do negro no Brasil, todo seu sofrimento, suas alegrias e tudo o que ele construiu continuasse figurando de forma acidental na cultura brasileira. Queriamos uma participação organizada viva, dinâmica e criativa, om olhos para o futuro.
Portal Afro - O aparecimento do TEN deve ter assustado muita gente...
Abdias do Nascimento - Quando o TEN apareceu nos jornais foi uma revolução. O fato de o negro aparecer associado a algo positivo surpreendeu muita gente. O negro era olhado como algo negativo, um estigma. Ninguém queria ser negro. Antes de lançar o projeto, muitas pessoas falavam que se eu colocasse o nome "negro" no teatro, seria apedrejado, desprezado e marginalizado. Insisti. Não que eu achasse que o negro ali representasse o valor máximo do trabalho, mas o objetivo era representar um espelho da africanidade, mostrar a importância de sermos africanos.
"O que o Brasil rejeita não é tanto a cor da pele, mas sim a África. O Brasil não quer ser africano"
Portal Afro - Por que?
Abdias do Nascimento - Por considerar isso uma coisa negativa. Daí a importância do TEN: resgatar o valor da pele negra, exorcizar da raça negra todos esses estereótipos que foram introduzidos desde a colonização, que diziam que nossa cor representava tudo o que havia de ruim e negativo, de feio e mau. Naturalmente não tínhamos como objetivo único achar que a cor da pele fosse o limite. Nosso ponto focal era a humanidade do ser afrodescendente, era isso quedeveria ser valorizado. O TEN veio cumprir este papel e foi fiel a esta idéia até o final.
Portal Afro - Em seus textos, o Senhor apresentava personagens baseados na mnitologia africana. Qual foi o impacto dessa iniciativa?
Abdias do Nascimento - Num primeiro momento foi perturbador. Todos estavam acostumados com os mitos grecoromanos como os grandes e talvez únicos referenciais da mitologia universal. Assim, foi muito difícil mostrar que os próprios mitos grecoromanos, se olhados com a devida proximidade, eram também africanos. Foi a partir da África que toda essa cultura se expandiu, de onde foi copiada pelos gregos.
A maioria dos tratados e estudos sobre o teatro, dizem que ele nasceu na Grécia. Isto não é verdade! Mil anos antes da Grécia já havia textos dramáticos no Egito Negro, como exemplo podemos citar o texto sobre a morte do filho de Ísis e Osíris, que tinha toda a estrura de uma peça teatral.
Eu mesmo trabalhei numa peça onde tive muitos choques: "Orfeu Negro". Não Precisamos trazer um orfeu negro quando temos nossos próprios mitos, muito mais próximos de nossa realidade e com a mesma bela densidade dramática e trágica.
"Foi dificil ter que enfrentar essa lavagem cerebral que a comunidade sofre até hoje; ter que mostrar o outro lado da moeda e não essa versão caricatural, estereotipada e folclórica que o negro tem."
Portal Afro - Qual é esse outro lado?
Abdias do Nascimento - A raça negra também tem seu lado sério. Mitologia e filosofias muito bem fundamentadas. Era isso que o TEN queria mostrar. Era essa a revolução que queriamos iniciar. O que fizemos representa uma gota d'água no que deve ser feito para eliminarmos os 500 anos de lavagem cerebral e distorção cultural que os negros sofrerão neste país. Temos que trabalhar muito para reverter esse quadro.
E esta é uma tarefa nossa, pois os brancos que estão nas Academias e Universidades não o farão. Eles continuarão contestando as verdades que revelamos, que os incomoda.
A verdade: "Que os negros é que foram a verdadeira fonte da chamada cultura ocidental"
Portal Afro - É uma afirmação que pode gerar polêmica...
Abdias do Nascimento - Existem provas. Minha mulher, por exemplo, tem várias pesquisas, algumas já publicadas, que mostram toda a raiz africana da ciência, da arte e da cultura do ocidente, onde tudo que está lá tem origem na África Negra.
Portal Afro - Como mudar conceitos estabelecidos há tanto tempo?
Abdias do Nascimento - Temos que limpar da cabeca do negro essas falsas noções de inferioridade. Nossos acadêmicos são racistas e puramente etnocêntricos, sempre a favor de valores europeus. Temos que combater esse problema não somente através da palavra, mas também por nossas obras noe mais variados setores.
É por isso que também comecei a pintar. Além de colocar elementos de nossa mitologia e símbolos de nossas lendas e valores religiosos em meus textos teatrais, passei a expressar-me também pela pintura.
Precisamos fazer um esforço para tirar da cabeça de nossos artistas negros: escritores, pintores, arquitetos, etc., essas imagens européias que passam como sendo as únicas referências da arte universal. Temos valores mais próximos de nossas verdades.
Não estou propondo que voltemos ao passado. Não é isto que prego. Devemos aproveitar a inspiração e os valores que são permanentes e adaptá-los a nossa época, com os critérios atuais, para construir nosso legado para o futuro.
Portal Afro - Voltando aos cultos afros, o senhor viveu uma época em que essas manifestações eram repremidas, não?
Abdias do Nascimento - Os cultos afro-brasileiros eram uma questão de polícia. Dava cadeia. Até hoje, nos museus da polícia do Rio de Janeiro ou da Bahia, podemos encontrar artefatos cultuais retidos. São peças que provavam a suposta deliquência ou anormalidade mental da comunidade negra. Na Bahia, o Instituto Nina Rodrigues mostra exatamente isso: que o negro era um camarada doente da cabeça por ter sua própria crença, seus próprios valores, sua liturgia e seu culto. Eles não podiam aceitar isso.
Portal Afro - A Frente Negra Brasileira pregava um movimento para se igualar à identidade do branco. Hoje em dia, o movimento negro prega o respeito pela diversidade. Como se deu essa transfoprmação?
Abdias do Nascimento - Quando falamos em mostrar diferenças, talvez possamos parecer um pouco primários. É possível que na Frente Negra existisse alguém que sonhasse com mudanças mais profundas, mas a tônica do movimento não era essa. O objetivo era o negro quebrar as barreiras para se entregar à mesma moral do branco.
Era isto que pregava, por exemplo, o poeta Nilo Guedes, ao ensinar ao negro como andar "direitinho" e poder se igualar ao branco.
VEJA BEM! Eu não estou condenando a Frente Negra. Ela atendia e era adequada ao momento histórico que estava atravessando. Era muito difícil lidar com questões do movimento negro naquela época.
Não é como agora, quer temos tantas portas abertas. O momento atual é fruto dessa luta constante! Hoje em dia, acredito que o negro só não atinge tudo o que ele quiser se não for capaz de organizar-se e concretizar seus objetivos. As antigas reivindicações já estão praticamente aceitas pelas classes dirigentes e até pelos governantes. O presidente Fernando Henrique e o ministro do desenvolvimento agrário, Raul Jungmann, por exemplo, têm defendido abertamente a adoção de cotas para negros no governo.
"Quando eu era deputado federal e falava em políticas públicas para atenuar a desigualdade racial no Brasil, só faltaram me enjaular. As discussões que eu tinha com os outros deputados eram ferozes. Parecia que eles se sentiam agredidos quando eu falava dos direitos dos negros"
Portal Afro - Em que ano isto acontecia?
Abdias do Nascimento - Estávamos entre os anos de 1983 e 1987. Mas minha luta nessa questão vem de mais tempo.
Portal Afro - Desde quando?
Abdias do Nascimento - Realizamos em 1945 a Convenção Nacional do Negro. Deste encontro redigimos um manifesto onde advogavamos políticas públicas a favor dos negros, além de requerer que o racismo e a discriminação racial fossem considerados crimes de lesa-humanidade. Entregamos o documento para ser apreciado nos trabalhos da constituinte de 1946, através da Convenção Nacional do Negro, que eu presidia. É claro que eles jogaram em uma gaveta qualquer e nem deram bola.
Portal Afro - Mas o senhor não desistiu...
Abdias do Nascimento - A luta é feita com muito esforço. Esforço de todos nós. Hoje, em todo país, em qualquer cidade onde exista uma população negra, eles estão trabalhando.
Portal Afro - O que falta?
Abdias do Nascimento - Poder. De mídia, por exemplo. Não temos representatividade nos meios de comunicação. Não temos um canal de televisão, não temos uma rádio e nem um grande jornal. Todas as informações que nos interessam são fragmentadas. As pessoas escutam uma informação aqui e, ao mesmo tempo, recebem uma contrainformação acolá, dada pelos grandes agentes da mídia.
Portal Afro - Então o senhor é a favor da concessão de canais públicos de tv e rádio para negros?
Abdias do Nascimento - É claro. Os canais pertencem à nação. Ninguém é dono. Nem o governo e nem o senhor Roberto Marinho! Ora, como somos parte da nação, como construímos este país, nós, africanos e seus descendentes, nada mais justo que a comunidade negra tenha seus próprios canais de comunicação. Não é nenhuma reivindicação absurda. A própria Constituição reconhece a especificidade de nossa cultura, e a garante. Portanto é pacífico que as instituições nascidas no seio da comunidade negra tenham acesso ao sistema midiático do país. É uma questão de direito.
"Enquanto não houver igualdade, sobretudo nos meios de comunicação e na educação, e enquanto a voz das instituições que apresentam uma outra versão da filosofia que nos foi imposta não tiverem eco, o Brasil não tem o direito de declarar-se uma nação democrática! De maneira nenhuma!"
Portal Afro - O senhor representou o Brasil em vários encontros internacionais de negros. Que impressões guarda daquela época?
Abdias do Nascimento - Esse movimento fez parte de um contexto da participação do negro brasileiro nos foros internacionais de discussão do racismo.O negro brasileiro tomou a palavra e passou a denunciar o racismo no Brasil.
Foram várias as ocasiões: o Congresso Pan Africano em 1974 e a Conferência Preparatória, na Jamaica, para o mesmo congresso, em 1973; a Conferência dos Intelectuais Negros Africanos, em Dakar, também em 1974; os Congressos de Cultura Negra das Américas (de Cali, em 1977 e no Panamá, em 1980) e nossa participação em uma séria de conferências em Gana, além da organização do Encontro Internacional na PUC, em 1982.
"Acredito que a contribuição da original visão afro-brasileira da problemática do racismo foi muito importante para o movimento em todo o mundo".
Portal Afro - Além das cotas, quais seria as outras medidas que deveriam ser implantadas para diminuir a desigualdade racial no Brasil?
Abdias do Nascimento - Os poderes públicos, que tem o dever de executar essas políticas, deveriam estimular o nascimento de pequenos empresários negros. Eles têm que investir nesse sentido. Ora, não temos um Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social que fianancia um monte de gente? Por que não financiar o empreendedor negro? Isto é uma necessidade.
No campo do ensino, que não houvessem apenas as cotas. Claro que elas são importantes, mas, ao mesmo tempo, são insuficientes. Esses jovens que serão beneficiados, entrarão em instituições onde aprenderão a não amar seu próprio povo! Aprenderão o desamor a si mesmos.
"Quero dizer com isto que precisamos de instituições negras de ensino, para que esses jovens tenham uma outra versão da história e da realidade".
Portal Afro - Mas onde esse processo deveria ser iniciado?
Abdias do Nascimento - A criança negra já tem essa desvantagem desde que nasce. É preciso que se inicie um programa de medidas correlatas de amparo à mulher negra, para que ela possa iniciar esse processo de auto-valorização nas crianças.
Portal Afro - Qual a importância na mulher negra no movimento negro brasileiro?
Abdias do Nascimento - As mulheres negras são as grandes heroínas deste país. Não estou falando dessa história de mãe preta que serve apenas para amamentar crianças brancas... Falo do valor integral desse ser humano. Ela é uma personalidade histórica admirável, à qual rendo todas as minhas homenagens e gratidão. Minha mãe é um exemplo. Éramos em sete irmãos e meu pai, um sapateiro, mal ganhava para custear a comida de um dia, para ajudá-lo, minha mãe fazia e vendia doces, além de cuidar da casa e de todos nós. Acredito que foi por isso que ela morreu cedo, aos trinta e poucos anos. Minha mãe era o grande sustentáculo da casa. Era nosso exemplo de valentia e de coragem para enfrentar os desafios da vida.
De certa forma todas as mulheres negras são assim, batalhadoras. Com excessão de uma ou outra que teve oou tem um padrinho branco e rico... No mais, elas passam por um grande esforço físico e resistência moral, por serem as mais agredidas em todo esse processo.
Atente para a importância histórica da mulhere negra nesse país: além de ter que sustentar seus próprios filhos, nas ocndições mais precárias possíveis, era obrigada a criar e amamentar os filhos de seus senhores.
"É preciso que o movimento negro brasileiro desenvolva um espírito de homenagem, agradecimento e respeito à mulher negra. E isto depende de nós, homens negros. Temos a responsabilidade de fazer isso"
Portal Afro - No TEN o senhor promovia cursos de alfabetização para negros, chegando a ter cerca de 600 alunos. Hoje temos alguns projetos desse tipo espalhados pelos país, inclusive pré-vestibulares para negros. Qual o paralelo que podemos traçar entre aquela época e a atual?
Abdias do Nascimento - Os cursos de alfabetização que promovíamos eram sementes que deveriam ser espalhadas. A Frente Negra também atuava nesse sentido e se preocupava bastante com a alfabetização da criança negra.
O paralelo que faço é que hoje aquele movimento se expandiu e aprofundou-se. Naquele tempo não podiamos pensar em entrar para a universidade. Queriamos fazer, como no caso do teatro, que os negros aprendessem a ler para que pudessem desempenhar melhor seus papéis, viverem bem e apresentar melhores condições de competitividade no momento de procurar emprego.
É bom ver que as coisas estão se expandindo e os próprios negros vão conquistando seus espaços. Foram os próprios negros que iniciaram esses cursos de preparação para a universidade. Aqui no Rio, por exemplo, foi Frei Davi. Já sei de um projeto desse tipo no Rio Grande do Sul e a iniciativa da Afrobrás, em São Paulo.
Foi esta contribuição do TEN: colocar mais uma sementinha nessa sementeira que está por aí, brotando, fortificando e florescendo. Acredito que neste momento esse movimento tornou-se irreversível. Estamos amadurecidos para um grande salto histórico, uma grande conquista.
"Agora em 2002 teremos uma grande oportunidade para eleger vários parlamentares negros estaduais e federais, para que avancemos cada vez mais. Não podemos desdenhar nenhum dos caminhos e é fundamental que o negro esteja presente na vida política."
Portal Afro - Como o senhor entrou na política?
Abdias do Nascimento - O processo eletivo no Brasil é também um grande negócio. E como todo negócio, é preciso ter dinheiro para se começar. Nós negros, temos a desvantagem histórica de não ter dinheiro. Nem tampouco temos algum poder sobre os meios de comunicação. Portanto, nossas candidaturas ficam restritas àqueles ambientes onde o candidato circula, daí a dificuldade em formarmos uma grande bancada.
"Somente através da conscientização e do esclarecimento é que poderemos crescer, pois a mídia não dará nenhuma "colher de chá" pra nós. Ela beneficia apenas um ou outro que já passou de nosso meio para o outro lado e é coordenado pelas forças dominantes."
Portal Afro - Foi difícil, então?
Abdias do Nascimento - Sim. Foram várias tentativas. As coisas somente mudaram quando, no exílio, tive a oportunidade de mostrar a Leonel Brizola a gravidade da situação do negro no Brasil. Ele foi o primeiro político brasileiro a entender e agir a favor de nosso problema.
"Quando é para falar contra a discriminação racial todo mundo fala. Na hora de apresentar resultados concretos querem que sejamos pacientes. Fica tudo no lero-lero."
Quando Brizola voltou ao Brasil a questão negra foi uma prioridade no programa do PDT. O partido criou e eu presidi a secretaria do movimento negro dentro do próprio partido, onde tínhamos autonomia e falávamos de igual para igual com os outros órgãos do PDT. Foi através dessa abertura que consegui me eleger deputado federal e depois senador.
Portal Afro - Quem eram seus eleitores?
Abdias do Nascimento - Eram brancos e negros. Eu tinha muitos eleitores brancos. Acredito que se eu fosse esperar os votos apenas dos negros eu não conseguiria me eleger. Foi muito difícil, até porque minha campmnha era considerada por muitos como radical. Minha bandeira era defender meu povo e foi exatamente o que fiz ao ser eleito. Basta pegar os documentos da Câmara ou do Senado e verificar que todos os meus discursos e projetos de lei são sempre referentes à comunidade negra. Sempre fui um defensor exclusivo da comunidade negra. Foi difícil, mas temos sempre que enfrentar os desafios. Nosso valor está justamente no grau das dificuldades que enfrentamos, aí é que medimos a força de nossas convicções.
Portal Afro - Que mensagem o senhor daria para os jovens negros que irão usufruir dessas políticas reparatórias do governo?
Abdias do Nascimento - Que sejam fiéis à nossa história, ao nosso passado e a nossa dignidade. Um dos fatores que retardam nossa marcha é a exitação ao assumir uma identidade: muitos pensam que por terem a pele um pouco mais clara, serão considerados mulatos e não negros ou afrodescendentes, essas coisas que os brancos ainda colocam na cabeça dos negros desavisados.
"A comunidade negra tem que ser fiel a si mesma, fiel a seus antepassados, fiel à história de nossas lutas, e não deixar-se emprenhar pelo ouvido ao ficar escutando mensagens derrotistas, que se prestam a tiarar a força, a energia e o ímpeto que o negro tem para lutar por seus direitos. É preciso dar continuidade à grande luta de Zumbi dos Palmares. O direito está a nosso favor. Os orixás estão nos prestigiando e nos amparando. É nossa beleza. É nosso futuro."
FONTE: portal afro
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