Valoriza herói, todo sangue derramado afrotupy!

sexta-feira, julho 12, 2013

Sem camisa não pode








As regras estabelecidas pelo consórcio que administrará o – conforme diz a placa colocada perto da minha rua – “Maracanã Stadium”, são mais um passo no processo sinistro de gentrificação dos estádios de futebol no Brasil. Uso gentrificação no sentido dado ao termo pelos estudos pioneiros de Ruth Glass e Neil Smith; aquele que, grosso modo, designa um processo de aburguesamento de espaços nas grandes metrópoles e gera o afastamento das camadas populares do local modificado. O espaço gentrificado passa a ser gerido prioritariamente pelos interesses do grande capital. Este processo de submissão ao capital é, em geral, acompanhado de discursos legitimadores que vão desde o “tratamento ecologicamente correto” até o da “gestão financeira responsável”.
Goste-se ou não do jogo, futebol no Brasil é cultura, pois se consolidou como um campo de elaboração de símbolos, projeções de vida, construção de laços de coesão social, afirmação identitária e tensão criadora, com todos os aspectos positivos e negativos implicados neste processo. Nossas maneiras de jogar bola e torcer por um time dizem muito sobre as contradições, violências, alegrias, tragédias, festas e dores que nos constituem simbolicamente como povo.
Estamos assistindo, com impressionante rapidez, a mudança de perfil do frequentador dos jogos. Sai o torcedor e entra o consumidor. A ideia é mesmo reservar os estádios para as chamadas “pessoas de bem”, entendidas como aquelas que podem pagar caro pelo ingresso e pela camisa oficial do clube. O tal do consórcio, baseado no “padrão FIFA”, pretende inclusive estabelecer o traje com que o torcedor deve ir aos jogos. Sem camisa, não pode. Bandeirões, bumbos e similares também estão vetados.
O presidente do consórcio, João Borba,declarou o seguinte:
- Fui no último fim de semana às finais do tênis em Wimbledon e, no convite, estava escrito que não é recomendável ir com determinada roupa. Quando um inglês lê “não recomendável”, entende que não deve usar aquele tipo de roupa.
Então é isso. Os novos donos do jogo querem um público de tênis no Maracanã, vestido com adequação de lordes britânicos. O próximo passo será pedir silêncio e permitir apenas palmas protocolares após as jogadas mais bonitas?
Não é inocente, neste contexto, a sistemática campanha pelo futebol-família, termo exaustivamente repetido pelos galvões da vida, ou a utilização de orquestras sinfônicas e animadores assépticos para comandar o público, pouco afeito às torcidas tradicionais. O discurso do combate à violência dos torcedores é instrumentalizado para atingir outro objetivo, o de higienizar os estádios. A expressão higienizar, diga-se, foi largamente utilizada pelos homens do poder no início do século XX, quando combater epidemias passava também pela repressão às manifestações culturais das camadas populares urbanas e o afastamento dos pobres da região central da cidade.
Esse processo vai, evidentemente, culminar com a realização da Copa de 2014 no país e se consolidar. A clientela das novas arenas será formada por turistas e brasileiros de médio e alto poder aquisitivo, sem relações emocionais mais profundas com o futebol. O torcedor de fé – aquele que acompanha o cotidiano do seu time e faz do ato de assistir ao jogo uma reinvenção da vida – estará do outro lado da telinha, ou ao pé do rádio, tomando uma gelada, que ninguém é de ferro.
Como ele, o torcedor descartado e combatido como vírus epidêmico, me resta morrer feito bandido em filme do Velho Oeste; atirando broncas contra quem me mata.
O Maracanã, minha Itabira, é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói.
FONTE:IMPEDIMENTO ORG.

Nenhum comentário: