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sábado, fevereiro 13, 2010

Enredos modernos dividem opiniões de gente do samba

Para historiadora, um novo nicho foi aberto; sambista critica temas atuais: ''História do Brasil foi para o ralo''


Lançado em 1968, o Samba do Crioulo Doido, de Stanislaw Ponte Preta, tinha um enredo mais ou menos assim: a escrava Chica da Silva obrigou a princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes; este acabou eleito Pedro II e se uniu ao padre José de Anchieta para, juntos, proclamarem a escravidão. O absurdo da música tinha seus motivos. Na época, toda escola de samba era obrigada a levar para a avenida temas alusivos à História do Brasil.

"Era uma norma que começou nos anos 30, por imposição do governo (do presidente Getúlio) Vargas", conta a historiadora Maria Apparecida Urbano, autora do livro Carnaval e Samba em Evolução na Cidade de São Paulo. A partir dos anos 1970, a avenida começou a tratar de outros assuntos. "Foi muito interessante porque abriu-se espaço para histórias que a História oficial não contava", acredita a pesquisadora.

De lá para cá, faraós começaram a aparecer ao lado de figuras folclóricas brasileiras, deuses mitológicos foram reverenciados juntamente com personagens políticos e todo tipo de rima se inventou em nome do pandeiro. Para folião nenhum botar defeito.

E, tão natural quanto um refrão, no mesmo toque do tamborim, nasceu o enredo-jabá - aquele pensado para promover empresa, entidade ou município tão somente com a intenção de conseguir uma boa grana para a escola. A prática, cada vez mais comum, divide opiniões: tradicionais acham um pecado mortal, coisa de quem não gosta de samba, é ruim da cabeça ou doente do pé. Mas há quem encare com bons olhos. "Todos os enredos são válidos", argumenta Maria Apparecida. "Os patrocínios ajudam a manter as escolas. E ainda permitem que sejam contadas outras histórias, tão curiosas e que jamais iriam para a avenida."

Mestre do samba paulista, Osvaldinho da Cuíca é uma grossa voz contra a banalização dos enredos. "A industrialização dos temas é a grande responsável pela queda da qualidade do nosso carnaval", diz. "O carnavalesco de hoje não tem amor pela história que vai levar à avenida. Preocupa-se apenas em atender a interesses comerciais ou efemérides. A mercantilização está levando o lado cultural pelo ralo."

EGO-TEMAS

Se por um lado há escolas que se dedicam a contar histórias institucionais de terceiros, há também as que - em arroubos de amor-próprio exacerbado - apresentam enredos protagonizados por elas próprias. São praticamente histórias "em primeira pessoa". A Leandro de Itaquera, por exemplo, segunda escola a entrar na avenida nesta madrugada, à 0h34, decidiu se elogiar. Algum motivo especial para a autodeclaração apaixonada? "Não. Mas tudo fica melhor quando é feito para nós mesmos", explica o diretor geral da agremiação, Rafael Santana.

A tradicional Vai-Vai - que se apresentaria na madrugada de hoje - também resolveu jogar confetes sobre sua própria cabeça. Mas apoiada em uma justificativa sólida: neste ano, a escola comemora oito décadas de fundação. "Não queríamos uma festa só para a gente. Então pesquisamos alguma outra coisa que fizesse 80 anos em 2010", conta o vice-presidente da escola, Clarício Gonçalves. Melhor impossível: chegaram à Copa do Mundo de Futebol, cuja primeira edição aconteceu em 1930. "Foi um casamento perfeito. Futebol e samba é a cara do Brasil."

Campeã do ano passado, a Mocidade Alegre - que entra na avenida no início da madrugada de domingo - relembra um momento de tristeza que assolou a própria comemoração: a morte do fundador da escola, Juarez da Cruz. "Por isso, em homenagem a ele, decidimos falar sobre o espelho, de forma poética", diz o carnavalesco Sidnei França. "Afinal, Juarez era o espelho de nossa comunidade", explica.
FONTE: ESTADÃO

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