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terça-feira, fevereiro 16, 2010

Maracatu de baque solto se multiplica; Olinda faz encontro anual















Longe das ladeiras históricas tomadas pela folia, o Espaço Ilumiara Zumbi, na Cidade Tabajara, bairro de Olinda, recebeu ontem 54 maracatus de baque solto. A vigésima edição do evento foi aberta às 9 horas com as evoluções do Piaba de Ouro, criado em 1977 pelo Mestre Salustiano, morto em 2008 e ícone da cultura popular.

Para realizar o primeiro encontro de maracatus de baque solto, Mestre Salu, como era conhecido, vendeu a caminhonete que lhe dava sustento - com ela fazia mudanças. Na sua primeira edição conseguiu a participação de 12 agremiações.

Mestre Salustiano temia pela extinção da brincadeira, nascida nos engenhos de cana de açúcar da zona da mata. "Hoje o maracatu de baque solto é um fenômeno de crescimento", afirma seu filho, Manoelzinho Salustiano, presidente da Associação Estadual dos Maracatus de Baque Solto, que estima em 12 mil os integrantes dos 108 maracatus de baque solto de Pernambuco. O mais antigo, o Cambindinha de Araçoiaba, de 1914, e o caçula, Carneiro da Vila, criado em 2009 em Glória do Goitá, na zona da mata, estavam ontem na arena do Ilumiara Zumbi.

O espetáculo se estendeu até as 20 horas. A expectativa de público era 4 mil pessoas. Sem precisar disputar espaço, os caboclos de lança - um dos símbolos do carnaval pernambucano - e os arreiamar (ou caboclos de pena), com seus chapéus com mil penas de pavão, faziam livremente suas coreografias e puderam ser fotografados, observados de perto e entrevistados por quem se dispôs a tentar entender a riqueza da cultura local. "O ritmo é contagiante", disse a turista carioca Ana Galluf, de 48 anos.

A orquestra do maracatu de baque solto (ou maracatu rural), composta de bombo, tarol, porta (cuíca), ganzá e gonguê, tem ritmo acelerado e pouca percussão. Ela silencia quando o mestre tira as loas - que abrangem temas desde o descobrimento do Brasil à saudação de políticos - e toca com garra ao ouvir o apito que indica o início e fim de cada execução. Os caboclos de lança trazem sob as golas - que recobrem o corpo, do pescoço até os joelhos, e são bordadas com lantejoulas - chocalhos que fazem forte som e complementam o ritmo.

Ex-cortador de cana de açúcar e presidente do maracatu Vencedor de Carpina, fundado em 1991, Pedro de Lima é responsável pela idealização e confecção das fantasias dos 200 componentes de sua agremiação. "Para este carnaval fiz 25 golas de caboclo de lança, 25 vestidos para as mulheres e o estandarte", contou. "Bordei cada lantejoula."


TIRA O MAL

Quando nasceu, de origem indígena, o maracatu de baque solto era brincadeira só para homens. Passou a acolher mulheres na década de 1960, quando sofreu influência africana e passou a incluir o rei e a rainha e as baianas. O caboclo de lança é guerreiro. O arreiamar vem da expressão "arreia o mal" - tira o mal -, tem caráter de proteção e também carrega lança para defender as baianas.

A tradição é muito densa, não é fácil para qualquer um entender. Mas quem brinca não se preocupa. Qualquer indagação sobre o significado da brincadeira é respondida com "não sei" pela maioria dos integrantes. Para eles, o maracatu faz parte das suas vidas e o que os motiva é esquecer a rotina e dançar. A explicação é de Hélder Vasconcelos, de 39 anos, que integrou o grupo Mestre Ambrósio - extinto há seis anos - e brinca no maracatu Piaba de Ouro desde 1998.

A cerca de 200 metros do Ilumiara Zumbi, a Casa da Rabeca, da família Salustiano, manteve uma programação variada. Sob área coberta e com estrutura de banheiros, alimentação e estacionamento, famílias e turistas desfrutaram de apresentações de afoxé e danças típicas como caboclinhos, cavalo marinho, ursas e bois.

Em Nazaré da Mata, a 65 quilômetros do Recife, município onde nasceram 19 maracatus de baque solto, encontro semelhante foi realizado ontem. Hoje, em Aliança, também na zona da mata, se apresentam os que não desfilaram em Nazaré nem em Olinda. "É muito maracatu", comemora Manoelzinho, convicto de que seu pai realizou sua missão e deve estar feliz com a continuação da luta que motivou sua vida.

Há um outro tipo de maracatu em Pernambuco: de baque virado, ou maracatu nação. De característica unicamente africana, foi dominado pela classe média. A percussão é o seu forte e o ritmo é mais dançante. Um deles, composto só de mulheres, as Conxitas, arrastou foliões pelas ruas estreitas de Olinda na manhã de ontem.
FONTE: ESTADÃO

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