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domingo, janeiro 29, 2012

A nova classe média africana

Pobreza abjeta aqui, opulência ali e, no meio disso, nada. Essa era a imagem comum das sociedades africanas até agora. Porém, em alguns países está nascendo uma nova classe média que pode transformar radicalmente o aspecto da África.



O CONTINENTE MAIS POBRE da Terra está mudando de aspecto, pois agora na África desponta uma camada social até então em grande parte ignorada ou inexistente: a classe média.

Na mídia europeia em geral só existem dois tipos de africanos: os pobres, assolados pela fome e por doenças e guerras, e os ricos, oligarcas ou ditadores que se banqueteiam em suas vilas na Cote d’Azur ou que esbanjam seu dinheiro seguramente depositado em contas na Suíça.

Os cientistas têm acompanhado os contrastes durante muito tempo – mas, até hoje, só se interessaram pelas crises e pelos problemas da África: a aids, os conflitos étnicos, os movimentos migratórios, as tensões sociais, a exploração indevida de seus recursos naturais ou a expansão das áreas desertificadas. Em seu novo livro, O momento da África, o ex-vicepresidente do Banco Mundial e diretor da agência de desenvolvimento francesa AFD, Jean-Michel Severino, afirma que “a África é apresentada de tal modo que – na melhor hipótese – ela suscita pena, comiseração e caridade. Ou, no pior caso, rejeição. As duas formas de interpretação estão ultrapassadas”.

A África está mudando. Nos últimos dez anos, o Produto Interno Bruto do continente subiu mais acentuadamente do que nas nações industrializadas – em média 6% ao ano (em comparação com 5% na América Latina e apenas 2% no espaço geográfico do euro). Outro indicador econômico positivo é o impressionante ritmo de criação de novas empresas. Investidores estrangeiros estão descobrindo o continente para si – em primeiro lugar os chineses, mas também os norteamericanos. A multinacional americana de informática IBM investiu mais de US$ 300 milhões na África nos últimos cinco anos; e recentemente, o gigante indiano de telefonia celular Barthi Airtel anunciou que construirá instalações em 16 países africanos.

Esse impulso econômico está alterando o retrato social do continente, dando origem a um novo grupo formado por gerentes de empresas, funcionários graduados e pequenos empresários, cujos padrões de vida orientam-se no modelo da classe média americana e europeia. Cientistas franceses de Bordeaux, na França, uniram-se ao fotógrafo Joan Bardeletti, para encontrar essas pessoas.

Em sua busca, eles descobriram os indivíduos mais diversificados imagináveis. Por exemplo, um habitante de favela queniano que trabalha em um instituto de pesquisa e joga golfe todas as tardes. O chefe de pessoal de uma empresa de segurança em Maputo, Moçambique, que briga com sua namorada porque quer educar os filhos “de acordo com o modelo ocidental”. Ou então uma estudante de Etnologia de Adidjan, a capital da Costa do Marfim, que alcançou uma posição econômica estável por meio de dois call centers que opera paralelamente aos seus estudos.

A maioria dos entrevistados explicou aos pesquisadores franceses que eles trabalham arduamente e ganham seu próprio sustento sem, por exemplo, completar sua renda com alguma ajuda financeira enviada por seus pais ou parentes que emigraram. Para os países africanos, cujas economias nacionais muitas vezes ainda dependem das transferências de dinheiro dos emigrantes, isso significa uma pequena revolução.

Algumas nações refletem essa nova independência financeira mais nitidamente. “Em Gana, por exemplo, a economia lucra com os muitos emigrados que estão voltando da diáspora e investem em seu país natal; e a economia local desenvolve uma forte dinâmica”, explica o cientista político Dominique Darbon, que dirige o grupo de Bordeaux. Segundo ele, essa tendência também está se tornando muito visível na África do Sul, na Nigéria, no Quênia e na República dos Camarões.


EXISTEM, PORÉM, PAÍSES nos quais o desenvolvimento não evolui, muitas vezes, por razões políticas. Para Darbon, um desses exemplos seria “o colapso econômico na Costa do Marfim, que durante anos representou o milagre econômico africano”.

Segundo o cientista, a própria classe média muitas vezes tem uma conduta tendenciosa de conivência com o Estado, sem exercer crítica. Mas existem exceções. No Quênia foi justamente essa parcela da população que não apoiou os conflitos étnicos desencadeados pelo governo e pela oposição após as eleições presidenciais de 2008. “Por essa razão, a estabilidade política acabou retornando muito mais rapidamente do que se supunha”.


Os diagnósticos sobre a nova classe média africana não são incontestados e inequívocos. Os pessimistas gostam de relativizar essas observações, indicando que a nova prosperidade desfrutada pelo continente devese exclusivamente ao explosivo aumento do preço das matérias-primas, encabeçadas pelo petróleo. Além disso, acrescentam eles, a riqueza na África nunca beneficiou as grandes massas nem os problemas, como a corrupção desenfreada, que persiste. 


O continente é afligido por outros males hereditários, como a fome. Mesmo em países que estão prosperando, o aumento do preço dos alimentos fomenta inquietações. Após novo encarecimento do pão, em 2009, dez pessoas morreram durante manifestações em massa em Moçambique – país cuja economia cresce anualmente mais de 8%, mas no qual 65% da população vive abaixo do nível da pobreza. A África do Sul, a maior e mais forte economia do continente, também é abalada por protestos. Em setembro de 2010, os funcionários públicos exigiram aumento salarial e, durante o processo de negociações, paralisaram o país inteiro durante várias semanas.

Apesar de exemplos como esses, os peritos consideram que o continente africano vive atualmente uma retomada econômica saudável e sustentável, na qual a classe média tem grande participação. Afinal, historicamente ela sempre foi a garantia de grandes sucessos. Nos séculos 18 e 19, a Grã-Bretanha só conseguiu tornar-se a primeira – e verdadeira – superpotência mundial porque possuía uma sólida classe média como alicerce econômico. Nos Estados Unidos, essa camada social assumiu posteriormente a mesma função, e na China está ocorrendo exatamente o mesmo processo.

ENTRETANTO, AS OPINIÕES dos especialistas divergem amplamente sobre a força da classe média africana. Um dos problemas está no fato de que em nações com estatísticas públicas falhas é muito complicado analisar e compreender esse amplo grupo populacional multifacetado.

Uma simples comparação das rendas líquidas fornece poucas informações. Na Nigéria, por exemplo, ela se situa oficialmente em R$ 436,47 (€ 191,00) per capita por mês; mas quando se calcula o poder de aquisição dessa soma em relação aos preços, o resultado fornece um valor médio de R$ 2.047,50 (€ 896,00).

Outro problema para os cientistas é o significado da economia paralela, informal, que não se deixa abarcar nem calcular. Portanto, se trata da renda procedente de toda uma gama de atividades e provedores de serviços, desde pequenas farmácias particulares a oficinas informais ou postos de reciclagem. “A grande maioria da classe média obtém sua renda integral ou pelo menos parcial desses tipos de atividades”, afirma Darbon.

Em 2007, o Banco Mundial sugeriu como definição para uma “classe média global”, uma equação que se orienta na renda anual per capita em relação ao seu poder aquisitivo. De acordo com isso, quem ganha por ano entre R$ 6.855,6 (€ 3.000,00) e R$ 28.565,00 (€ 12.500,00) pertence à classe média. Em 2025, ela abrangerá 1,2 bilhão de pessoas que, em sua grande maioria, se originarão de países emergentes, principalmente da China e da Índia.

ENTRETANTO, A DEFINIÇÃO do Banco Mundial exclui muitos dos africanos entrevistados pelos pesquisadores franceses. De acordo com a interpretação oficial americana, eles se situariam abaixo do limiar da pobreza porque ganham menos de US$ 13,00 por dia e não podem ter luxos como fazer viagens de férias, comprar um carro, concluir estudos universitários ou se submeter a tratamentos odontológicos.

Por essa razão, os pesquisadores de Bordeaux sugerem uma definição mais abrangente de classe média, para a qual utilizam o conceito chinês de “pequeno bem-estar” (ou classe média baixa). Para eles, esse nível é alcançado por pessoas que podem satisfazer mais do que apenas suas necessidades básicas com a renda mensal. De acordo com essa definição, parte do salário tem de permanecer livremente disponível. 

Outros critérios incluem uma habitação aceitável, um número razoável de familiares, a emancipação econômica de esposas e filhas, acesso a atendimento médico e rendas mensais em vez de diárias. Além disso, é necessário ter remuneração regular que proteja da súbita pobreza e possibilite um planejamento do futuro.

Quando se toma por base essa definição, o “pequeno bem-estar” já se viabiliza com uma renda diária de R$ 3,20 (€ 1,40) nos países mais pobres da África. Nesse caso, a classe média africana englobaria entre 150 e 350 milhões de pessoas; portanto, de 15% a 35% da população continental. 

O economista norte-americano Vija Mahajan é mais otimista: de acordo com seus cálculos, em breve a classe média africana contará com até 500 milhões de pessoas.

“Em 2050, a África terá 1,8 bilhão de habitantes, uma vez e meia a mais que a Índia atual e três vezes a mais que a Europa de amanhã”, escreve Jean-Michel Severino. A parcela populacional nas cidades – onde vive a grande maioria da classe média – também experimentará um crescimento acentuado. Na realidade isso já vem acontecendo: há 60 anos, não existia uma única cidade com um milhão de habitante ao sul do Saara. Hoje já são 38. 

De acordo com a opinião de Severino, a urbanização fortalecerá a economia africana duradouramente – e lhe proporcionará, principalmente, mais peso global.

Em vista desses prognósticos, os investidores internacionais já se regozijam. Até 2040, os consumidores africanos terão alcançado poder aquisitivo de US$ 1,7 trilhão, estima a Proparco, subsidiária da agência de desenvolvimento francesa AFD. 

As empresas que estão sendo fundadas atualmente têm em vista precisamente essa massa consumidora – e produzem bens específicos para a classe média: brasseries (restaurantes com ambiente descontraído e requintado que servem pratos simples e outras refeições), em Uganda; parques de diversões, no Quênia; centros médicos, em Gana; supermercados na Tanzânia e, em quase todos os lugares, “lava-jatos”, agências de companhias de seguro, bancos, rede de restaurantes fast-food, escolas particulares – e novos programas de TV.

Contudo, a melhoria da qualidade de vida e a ascensão da classe média na África têm seus lados sombrios. Dinky Levitt, professora de Medicina na Cidade do Cabo, na África do Sul, constatou que em muitos países do continente o diabetes aumentou em mais de 30%, por três razões, como ela diz: obesidade, inatividade física e urbanização. 

Outro indício mostra que a África, pelo menos em parte, está se tornando mais burguesa e acomodada. Inclusive no quesito alimentação.A venda de aparelhos de TV explodiu na África – um fato que os economistas também avaliam como um sinal de ascensão da classe média. 

O ramo cinematográfico e de filmes para a TV também floresce: na Nigéria, essa indústria, chamada de Nollywood em vista de seu tamanho e importância, produz atualmente 2 mil filmes por ano – mais que Bollywood, sua concorrente indiana, em Mumbay, e a original de Hollywood juntas. 

O desenvolvimento do ramo da telefonia celular é semelhante: em 2007, 264,5 milhões de africanos possuíam um celular – em comparação com 51,4 milhões quatro anos antes. Segundo Annie Chéneau-Loquay, pesquisadora do Centro Científico francês CNRS, que estuda os hábitos de comunicação na África, esse foi o maior aumento em termos globais.

FONTE:revista geo / Serge Michel (TEXTO)

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