Quando nos referimos ao lixo cultural que a decadência do capitalismo tem produzido, estamos falando do que não é arte. Falamos de algo produzido às pressas, sem personalidade, sob o ritmo louco do mercado, sem critério de criação, sem expressão real de nenhum sentimento, pensamento ou qualquer coisa. Sob essa lógica, buscam-se padrões estéticos, sem muitas exigências artísticas. 25 a 30 shows por mês, ‘Domingão do Faustão’ e pronto. Fez-se um “artista”, ou um “fenômeno”.
Olheiros, empresários e gravadoras vivem atrás dos potenciais “fenômenos”, com o fim permanente da sociedade capitalista: lucrar, lucrar e lucrar.
Fazer boa música, produzir arte, compor, escrever, tocar e cantar sob o critério da arte é uma arte e tanto. E foi com isso que Amy Winehouse surpreendeu. Apesar de branca, suas raízes na música negra, influenciada pela família de cantores de jazz (avó, tios e pai) trouxeram ao mundo uma capacidade artística incrível, que revigorou a história do jazz e do R&B (Rhythm and Blues, gênero musical nascido junto com o jazz nos anos 50).
A história social do jazz expressa resistência e um movimento artístico e cultural que impunha, junto aos movimentos políticos e sociais da época, uma nova correlação de forças na luta contra o racismo. Isso é claro como expressão de um tempo, não necessariamente por letras militantes.
Amy Winehouse expressava rebeldia em suas letras não porque se recusasse a ir para reabilitação – e diga-se de passagem, a interpretação que se divulgou dessa letra não tem nada a ver com o que ela queria dizer. Amy Winehouse foi rebelde porque fazia arte verdadeira, com entrega. O amor não lhe era um sentimento bonito, como nos contos de fada, mas um sentimento de dor, de massacre, de automutilação. É muito rebelde falar do amor assim. Para Amy, o amor é dor porque se humilha e “chora no chão da cozinha”, sem se importar em expressar mais amor do que o correspondido.
O sentimentalismo exagerado e uma visão melancólica e egocêntrica do mundo. Essa era Amy, que com certeza poderia estar acompanhada de outros poetas da 2° geração romântica, a geração spleen (termo através do qual ficou conhecida esta geração, pois ele significa tédio, que expressa melancolia, pessimismo). Mas a Amy era de hoje.
É claro que tudo no capitalismo vira mercadoria, os artistas, as noticias sobre os artistas, as fotos dos artistas, qualquer coisa. O perfil mercadológico de Amy Winehouse foi construído sob essa impressão meio rebelde, mas a abordagem mercadológica associou sua rebeldia ao uso excessivo de drogas e álcool. E ao se falar de Amy Winehouse, se fala automaticamente de sua relação com as drogas e álcool e não de sua performance impressionante cantando, por exemplo “Me & Mr Jones”, música de sua autoria, que poderíamos imaginar que foi composta nos anos 50, e cantada por uma mulher negra, com um poderoso vozeirão, na mesma década.
A artista gravou dois álbuns excelentes (Frank, 2003 e Back to Black, 2006). A pressão mercadológica da imprensa dizia que a cantora estava usando tantas drogas que não conseguia mais gravar e apresentar novos trabalhos ao seu público. Não sabemos precisamente o nível de vício da cantora e acreditamos que o vício em drogas poderia, eventualmente, atrapalhar seu desenvolvimento artístico. Mas acreditamos que o artista não pode ser obrigado a produzir sua arte em série, uma coisa nova a cada ano, sob o ritmo do mercado musical. Os artistas que respeitam seu ritmo artístico – não necessariamente por convicção, mas simplesmente pela forma de fazer arte – sofrem, assim interpretações diversas, as vezes perversas e duras.
Os lamentáveis (e, diga-se de passagem, corruptos) tablóides ingleses não divulgaram, no entanto, um dos motivos da demora para o lançamento do 3° álbum de Amy. Este foi a recusa da gravadora das músicas que estavam sendo gravadas, porque estava caminhando para um estilo muito fora do padrão que mundializou a cantora, que segundo a Universal Records (a gravadora da cantora) estava expresso em Back to Black.
Não veremos mais o 3° álbum de Amy Winehouse, pelo menos na forma que ela poderia ter pensado. A Universal Records deve lamentar a morte da cantora na perspectiva de não haver mais possibilidade de lucrar com novos trabalhos. No entanto, agora, comemora a retomada das vendas de Back to Black e sua subida para o topo dos mais vendidos. A arte perdeu. Aproveitemos o que Amy Winehouse deixou.
FONTE: OPINIÃO SOCIALISTA / CAMILA LISBOA
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