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terça-feira, maio 18, 2010

Nova rotina de Ruanda é marcada por ordem, tensão e repressão










RUANDA
Regime de Paul Kagame é acusado 
de oprimir duramente oposicionistas.
Argumento do governo é preservar a 'reconciliação e a unidade' do país.

Alguns meses atrás, Gasigwa Gakunzi estava passando tempo numa casa em ruínas, onde crianças pobres pagam para assistir à televisão, quando a polícia ruandesa o prendeu por vadiagem. Quando menos percebeu, ele foi arrancado de sua família e enviado a essa remota ilha no meio do Lago Kivu.
Gasigwa, de 14 anos, passa seus dias aprendendo canções patrióticas e como marchar como um soldado. À noite, ele dorme num enorme galpão de metal com centenas de homens e meninos amontoados, um colchão ao lado do outro.
“Por favor, ligue para meu pai”, sussurrou ele. “Ele não faz ideia de onde estou”.
Quase 900 pedintes, sem-teto e pequenos ladrões, incluindo dúzias de crianças, foram recentemente retirados das ruas impecavelmente varridas do país, e enviados – sem julgamento ou citação em tribunal – a esse desconhecido posto. Eles passarão três anos aqui sendo “reabilitados”, aprendendo habilidades como preparação de tijolos, corte de cabelo e manutenção de motocicletas.
Trata-se de um dos projetos de auto-aprimoramento mais novos do país, e parece ser um símbolo adequado do que muitos analistas políticos e grupos de Direitos Humanos dizem que Ruanda se tornou: ordenada, mas repressiva.
Sob o comando do presidente Paul Kagame, este país, que explodiu em chacinas étnicas há 16 anos, é um dos países mais seguros, limpos e menos corruptos do continente. A capital, Kigali, não é rodeada por favelas em crescimento, e sequestros relâmpago – um problema mortal em muitas cidades africanas – são praticamente inexistentes por aqui. As estradas são eficientemente pavimentadas; existe seguro-saúde nacional; bairros organizam faxinas mensais; a rede de computadores está entre as melhores da região; e as fontes públicas estão cheias de água, e não mato. Tudo isso foi conseguido em um dos países mais pobres do mundo.
Porém, enquanto o país segue sendo glorificado como um queridinho do mundo da ajuda internacional e algo como uma utopia da África Central, ele é cada vez mais intolerante com divergências políticas, algumas vezes até mesmo com diálogos, e ferve com tensões engarrafadas. Ataques recentes com granadas em Kigali, e um choque no exército, mostraram que até mesmo um dos marcos fundamentais do novo estado ruandês – a segurança pessoal – pode estar em perigo.
“A estratégia de Kagame por estabilidade é uma aposta de longo prazo bastante perigosa”, disse Kenneth Roth, diretor executivo do Human Rights Watch. “Ao proibir uma oposição política, uma imprensa independente ou uma sociedade civil crítica – em resumo, ao não permitir a formação de instituições democráticas –, Kagame não está deixando muito com que as pessoas se identificarem além de seu grupo étnico”.
Com menos de quatro meses antes das eleições nacionais, poucos dos partidos de oposição puderam se registrar. Alguns defensores da oposição foram atacados dentro de escritórios do governo; outros foram presos. Diversas autoridades importantes do governo – que recentemente entraram em conflito com Kagame – e fugiram a outras nações africanas, dizendo temer por suas vidas. O serviço local da rádio BBC, de idioma local, foi fechado por um tempo, pois o governo ruandês não gostou da forma pela qual eles falavam sobre o genocídio de 1994.
Aquele período negro, quando esquadrões de morte da maioria hutu massacraram centenas de milhares de pessoas na minoria tutsi, assim como hutus moderados, continua como o assunto mais delicado de todos. Nos últimos três anos, autoridades ruandesas processaram mais de duas mil pessoas, incluindo rivais políticos, professores e estudantes, por sustentar “ideologia de genocídio” ou “divisionismo”.
Kagame e seu disciplinado exército rapidamente restauraram a ordem após o genocídio, e essa estabilidade tem sido a fundação do impressionante retorno de Ruanda. Segundo a ministra do Exterior, Louise Mushikiwabo, depois de tudo que Ruanda atravessou, o governo precisa se manter alerta em relação a divisões étnicas.
“Ruanda não permitirá que nenhum político, partido ou indivíduo, atrapalhe a reconciliação e a unidade em Ruanda”, disse ela numa entrevista.
Instigadores de violência foram processados por divisionismo, mas o mesmo ocorreu com pessoas tentando debater o passado do país ou seus direcionamentos atuais. Críticos sustentam que o governo emprega leis orwellianas, que são intencionalmente vagas para reprimir quaisquer insinuações de oposição.
Mesmo programas como o da Ilha Iwawa, que segundo o governo dará uma segunda chance às pessoas das ruas, não são exatamente o que parecem.
Enquanto um barco cheio de autoridades chegava recentemente à praia, um comissário de polícia gesticulou aos pássaros, árvores e aos jovens com cabeças raspadas buscando água, e disse: “Bem-vindos ao nosso Havaí”.
Mas, no continente, o povo descreve o lugar como uma Alcatraz.
“Nós a chamamos de ilha sem volta”, disse Esperance Uwizeyimana, moradora de rua e mãe de quatro filhos.
Nenhum dos programas de treinamento vocacional havia começado até meados de março. Protais Mitali, o ministro da Juventude, insistia que não havia crianças ali, apenas adultos. Mesmo assim, espremidos com os adultos estavam muitos adolescentes como Gasigwa, e funcionários confirmaram que várias dúzias de meninos estavam encarcerados lá.
“Este não é um bom local para crianças”, disse um funcionário aos sussurros, porque o ministro estava por perto. “Eles podem sofrer abusos”.
Autoridades ruandesas não aceitam críticas muito bem. Kagame revoltou-se com críticos estrangeiros neste mês, dizendo, “Quem deveria dar aulas às 11 milhões de pessoas de Ruanda a respeito do que é bom para elas?”
Ele chamou os líderes da oposição de “hooligans”, e disse que os ruandeses estavam “livres, felizes e orgulhosos de si mesmos como nunca antes em suas vidas”.
“Diversas figuras importantes da oposição, como Victoire Ingabire, dizem ser impossível desafiar o governo, argumentando que ele é controlado por uma quadrilha de Tutsis que eram refugiados em Uganda antes do genocídio, e hoje dominam a economia injustamente.
Ingabire, uma hutu, era uma contadora morando na Holanda até retornar, em janeiro, para se candidatar a presidente. Hoje, ela vive num novo desenvolvimento de moradia chamado Vision 2020 Estate; sua casa de tijolos de dois andares, robusta, é indistinguível das dúzias de outras, exceto pelos guardas na frente.
“Não há espaço para falar sobre o que aconteceu em nosso país”, disse Ingabire, que foi acusada de ideologia de genocídio, de ser uma “divisionista” e de colaborar com rebeldes.
Não são apenas os políticos hutu que se sentem perseguidos. Charles Kabanda era um líder da Frente Patriótica Ruandesa, o partido tutsi dominante, mas se desligou deles no final da década de 1990, segundo ele, porque “eles eram brutais”.
Ele trabalhou recentemente com o Partido Verde, mas conta ter sido repetidamente proibido de concorrer às eleições. Autoridades do governo disseram que o Partido Verde não conseguiu cumprir requisitos como obter 200 assinaturas válidas em todo o país. Kabanda simplesmente balançou a cabeça.
“‘Inimigo, inimigo, inimigo’ – é assim que eles chamam qualquer um que pensa de forma diferente”, disse ele. “O histórico deste governo é terrível. São somente vocês, da comunidade internacional, que o estão banhando com flores”.

FONTE: G1

REFERÊNCIAS

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