Permanência no poder de legendas originalmente ligadas ao operariado e aos movimentos sociais provocou um gradual distanciamento entre as bases e a cúpula
A esquerda assumiu o poder, comprou automóvel de luxo, passou a tomar vinhos caros e deixou a militância órfã do discurso que pregava menos capitalismo e mais poder para o povo. O fim do governo Luiz Inácio Lula da Silva marcou a conquista de uma luta de décadas, pela tomada do poder por um representante do operariado. Passados os oito anos da era Lula, líderes de siglas nascidas dos movimentos sociais ressentem-se da falta de renovação dos quadros. A conquista do governo não se traduziu no descobrimento de talentos e, em vez disso, a esquerda sofreu um processo de “aburguesamento”.
O presidente em exercício do PDT, Manoel Dias, aposta na juventude para afastar o rótulo de centrista. “Descuidamos e o partido se desviou da esquerda. Aburguesou-se. Precisamos formar novos quadros”, admite. Além de PT e PDT, partidos que carregam no nome o socialismo e o comunismo, como o PSB e o PCdoB, também mantêm em seus quadros empresários — como o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaff (PSB-SP) — e donos de extensa lista de bens.
Depois de alçar a maior parte de sua cúpula ao comando de ministérios e consolidar sucessivos mandatos legislativos, o PT sofre com o fenômeno que o deslocamento social provocou em seu estafe. Ex-militantes que tiveram o nome projetado graças à atuação nas ruas, como o ex-ministro José Dirceu, adquiriram estilo de vida que não comporta mais o discurso socialista fixado pelo estatuto do PT. O Dirceu que fez carreira na militância estudantil atualmente não costuma fazer viagens em voos comerciais, somente em jatinhos. Até mesmo o ex-metalúrgico Marco Maia (PT-RS), presidente da Câmara, sucumbiu ao estilo “burguês”. Os amigos de Maia, que ainda estão na planície do partido, reclamam que não conseguem mais acompanhar os hábitos caros do petista, que costumava frequentar a arquibancada nos jogos do Grêmio, mas agora só quer saber de cadeira especial — espaço mais confortável e mais caro em um estádio de futebol.
As declarações de bens dos senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Marta Suplicy (PT-SP) e do deputado André Vargas (PT-PR) demonstram conquistas materiais que destoam da imagem trabalhista que o PT sempre manteve desde sua criação e se aproximam a cada dia do perfil abastado de representantes da antiga direita, que ganhou ares modernos com o DEM e PSDB.
Tido como o partido mais democrático em suas decisões, o PT ainda ensaia outro passo rumo ao centro, com a mudança de estatuto. A ideia é restringir a atual participação dos militantes do partido no chamado Processo de Eleição Direta (PED). Oficialmente, o motivo para a reforma no processo decisório é evitar as filiações em massa às vésperas das eleições. Na prática, a modificação insere o partido ainda mais nas características antes atribuídas ao DEM e ao PSDB, onde o que importa é decidido pela cúpula, longe dos ouvidos da militância. A previsão é que o novo estatuto seja votado em setembro.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), rejeita o termo “aburguesamento”, mas afirma que o processo de “institucionalização” dos quadros provoca distanciamento entre partido e movimentos sociais. “O que identifico no PT não é tanto um aburguesamento, mas hoje temos governos, prefeituras e são os mesmos quadros que participaram da vida partidária. Corre-se o risco de uma institucionalização da ação política. Em alguns casos, perde-se a relação com os movimentos sociais, pois o trabalho absorve demais”, observa o líder do PT, pontuando que não é só a falta de tempo que provoca a mudança.
“Os interesses se tornam antagônicos. O gestor público tem que governar para todos. Os interesses da corporação se contrapõem ao interesse global da sociedade. Ocorre um conflito, o papel de quem está no Executivo pode se confrontar com o dos movimentos sociais, mas o PT não perde inteiramente seu vínculo, porque é isso que lhe dá força.”
Contradição
Refúgio dos insatisfeitos com a moderação do PT após alcançar o governo, o PSol também não pode descuidar do processo de aburguesamento, segundo o líder do partido na Câmara, Chico Alencar (RJ). De acordo com o deputado, a participação de empresas no financiamento de campanha é fator decisivo no processo de desvirtualização da esquerda. Por isso, a legenda rejeita doações de pessoas jurídicas.
Refúgio dos insatisfeitos com a moderação do PT após alcançar o governo, o PSol também não pode descuidar do processo de aburguesamento, segundo o líder do partido na Câmara, Chico Alencar (RJ). De acordo com o deputado, a participação de empresas no financiamento de campanha é fator decisivo no processo de desvirtualização da esquerda. Por isso, a legenda rejeita doações de pessoas jurídicas.
“O velho Carlito Maia, publicitário das origens do PT, dizia que quando a esquerda começa a contar dinheiro, não é mais esquerda. Qualquer governo realmente de esquerda vai viver a contradição entre empresas e o poder público, mas já houve governos mais de esquerda no Brasil, como o da Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo, o do Patrus Ananias em Belo Horizonte e o de Olívio Dutra no Rio Grande do Sul. Atualmente, parece que não tem mais classes sociais, não tem mais contradições, que governar é fazer conciliações”, critica Alencar.
Colaborou Ivan Iunes
Cifras ascendentes
O processo de aburguesamento do PT passa também pela participação na máquina. O chamado “dízimo” cobrado do salário dos filiados que têm mandato ou função no governo cresce ano após ano. A contribuição varia de 2% a 20% dos rendimentos. Em 2002, o partido arrecadava R$ 400 mil com o dízimo. No fim do primeiro mandato a cifra subiu para R$ 2,8 milhões e este ano a expectativa é de R$ 3,6 milhões.
Colaborou Ivan Iunes
Cifras ascendentes
O processo de aburguesamento do PT passa também pela participação na máquina. O chamado “dízimo” cobrado do salário dos filiados que têm mandato ou função no governo cresce ano após ano. A contribuição varia de 2% a 20% dos rendimentos. Em 2002, o partido arrecadava R$ 400 mil com o dízimo. No fim do primeiro mandato a cifra subiu para R$ 2,8 milhões e este ano a expectativa é de R$ 3,6 milhões.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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