Roberto Lopes da Silva e Alessandra Fahl Cordeiro se formaram em História pela PUC-SP. Hoje são professores e lecionam na rede pública na região do ABC paulista. Mesmo tendo estudado como bolsistas em uma universidade filantrópica, o casal vem sofrendo uma verdadeira perseguição para arcar com uma dívida impagável e enfrentam a intransigência da universidade.
Durante muitos anos, a PUC-SP carregou a fama de uma universidade que, apesar de privada, conservava um caráter comunitário. Essa característica foi concretizada ao longo dos anos por uma série de práticas e acontecimentos que respaldaram setores mais vanguardistas da sociedade.
Em 1977, abrigou o III Encontro Nacional de Estudantes (ENE), cujo objetivo maior era reorganizar a UNE (União Nacional dos Estudantes), então na ilegalidade. O episódio culminou na invasão da universidade pelos militares. Nos anos 80, a PUC-SP teve presença marcada nas “Diretas–Já!”. Em 1985, o filme “Je vous salue, Marie”, de Jean–Luc Godard, então censurado no Brasil, foi exibido clandestinamente por alunos da universidade. Nos anos 90, o “Fora Collor” ganhou forças entre a maioria dos estudantes e professores. Some–se a isso a política de bolsas praticada pela instituição que, sendo filantrópica, permitia o ingresso e permanência de muitos estudantes egressos das periferias dos centros urbanos. Tudo isso fazia com que a PUC-SP fosse uma universidade privada com cara de pública.
A PUC-SP entrou no século XXI negando a sua história. Realizou um imenso corte de pessoal, demitindo antigos funcionários, mestres e doutores. Entregou sua administração nas mãos de grandes banqueiros e escritórios de cobrança fechando definitivamente seus canais comunitários de negociação. E assim, passou a perseguir seus ex-alunos em dívida com a universidade, vetando qualquer tipo de negociação, movendo processos judiciais tão pesados que muitos burgueses que cometeram crimes hediondos não sofrem. Dessa forma, a prática da PUC-SP hoje resume–se a perseguição de estudantes, demissões em massa, precarização das condições de trabalho e criminalização da pobreza.
Leia abaixo a íntegra da carta aberta divulgada pelo casal perseguido pela universidade:
Carta aberta de dois ex-bolsistas da PUC-SP
Estudamos na PUC-SP no final dos anos 90, concluindo o curso de História já no início do século XXI. Durante grande parte do curso, obtivemos a modalidade de bolsa restituível, uma vez comprovada carência que impossibilitava o pagamento das mensalidades.
No ato da conclusão do curso, fomos informados na então VRACOM (Vice Reitoria Comunitária) que, caso não pudéssemos arcar com o valor da restituição que seria cobrado a partir de um ano decorrido da formatura, todos os tradicionais canais de negociação da universidade estariam abertos.
Decorrido então este período, uma série de mudanças começaram a se desenhar na universidade. A partir de 2003, realizamos uma série de propostas de pagamento da dívida, dentro de nossas possibilidades-inclusive comprovando nossas rendas mensais, incompatíveis com os boletos que passamos a receber.
Em nenhum momento as nossas propostas foram aceitas. Concomitantemente a isso, a PUC sempre recusou - se a reconhecer que, neste caso específico, existe um casal devedor, e não dois indivíduos. Mesmo comprovando que nos casamos em cartório no ano de 2002, a instituição recusou - se a estabelecer uma negociação coletiva, desconsiderando que as duas dívidas juntas afetam a mesma renda familiar. A última proposta que fizemos foi entregar nosso automóvel-único bem que possuímos-para saldar parte das duas dívidas e tentar um pagamento compatível com nossas rendas do restante do valor. Mais uma vez, nossa proposta não foi aceita. As condições de pagamento impostas pela universidade sempre beiraram a nossa própria renda mensal.
Neste mês de fevereiro, meu esposo foi acordado por um oficial de justiça que trazia uma ação monitória, em curso de execução no valor de R$39.000,00. Comparecemos à PUC para mais uma tentativa de negociação, mais uma vez encontrando grande inflexibilidade por parte da instituição. Descobrimos então que o total da dívida de meu esposo chega ao valor de R$70.000,00, e que, já estou sendo executada também no valor de R$ 13.000,00, devendo um total de R$60.000,00. Mais uma vez, a universidade não reconhece nossa união legalmente registrada, não reconhece nossa situação salarial, tampouco divide em parcelas acima de 36 vezes, sem contar que exige uma entrada com valor–para cada um de nós – muito acima do que vale o nosso veículo, por exemplo.
Caso não paguemos a dívida, nossas contas bancárias serão bloqueadas e todo o salário depositado nelas será resgatado pela PUC. Após esta medida, nossos fiadores–no caso, nossos pais – passam a correr um risco iminente de perderem seus únicos imóveis que utilizam como moradia. Segundo informações fornecidas pela própria instituição, as nossas vidas estão nas mãos do CONSUN (Conselho Universitário), podendo aceitar ou não novas propostas de negociação.
Para demonstrar o caráter do terrorismo institucional que estamos sofrendo, vale a pena notificar alguns aspectos de suma relevância. Quando do nosso último comparecimento no setor de cobrança, foi absolutamente negado o acesso aos nossos prontuários, contendo todas as provas de que realizamos propostas de pagamento ao longo dos anos–inclusive uma série de manuscritos realizados nas folhas padrão da antiga VRACOM. Também houve recusa para fornecer a planilha de dívida da bolsa restituível, com detalhamentos para sabermos, dentro do valor totalizante, o que realmente faz parte da dívida, o que é multa e o que é juros. Fomos informados de que deveríamos tentar receber isso por email, podendo levar até 10 dias para obtermos resposta–tempo curto para quem tem apenas 15 dias para se defender de uma ação judicial de execução. Além disso, durante as conversações ainda sofremos atitudes preconceituosas por nossa opção de lecionar apenas em escolas públicas. Isso ocorreu devido à informação que revelamos sobre nossa renda mensal, que considerada muito baixa pela parte credora, ainda questionou porque não trabalhávamos mais.
Devemos encarar estes acontecimentos não apenas como um caso isolado que afeta apenas a vida particular de duas pessoas. É evidente que, caso soframos todas as conseqüências que a instituição pretende aplicar, nossas vidas serão absolutamente desfiguradas, perderemos toda a identidade que levamos anos para construir. Mas, mais do que isso, trata – se de um processo muito maior do que a vida de um indivíduo. Trata – se da criminalização daqueles que optaram por construir uma sociedade mais igualitária através dos serviços públicos e que, além de serem punidos por péssimas remunerações pelo Estado burguês que os empregam, ainda sofrem retaliações por parte do capital das empresas privadas. Criminalização também da pobreza, pois, vivendo em um país em que a burguesia dificilmente é punida por seus crimes, a população pobre devedora é tratada como autora de atos de banditismo, sem chance sequer de defesa e negociação.
Convocamos a todos que se indignam frente às injustiças provocadas por um sistema que optou pelo capital e se esqueceu do ser humano, para entrar nesta luta de resgate dos valores comunitários, democráticos e que possam construir uma sociedade em que “o livre desenvolvimento de cada um signifique o livre desenvolvimento de todos”.
Em 1977, abrigou o III Encontro Nacional de Estudantes (ENE), cujo objetivo maior era reorganizar a UNE (União Nacional dos Estudantes), então na ilegalidade. O episódio culminou na invasão da universidade pelos militares. Nos anos 80, a PUC-SP teve presença marcada nas “Diretas–Já!”. Em 1985, o filme “Je vous salue, Marie”, de Jean–Luc Godard, então censurado no Brasil, foi exibido clandestinamente por alunos da universidade. Nos anos 90, o “Fora Collor” ganhou forças entre a maioria dos estudantes e professores. Some–se a isso a política de bolsas praticada pela instituição que, sendo filantrópica, permitia o ingresso e permanência de muitos estudantes egressos das periferias dos centros urbanos. Tudo isso fazia com que a PUC-SP fosse uma universidade privada com cara de pública.
A PUC-SP entrou no século XXI negando a sua história. Realizou um imenso corte de pessoal, demitindo antigos funcionários, mestres e doutores. Entregou sua administração nas mãos de grandes banqueiros e escritórios de cobrança fechando definitivamente seus canais comunitários de negociação. E assim, passou a perseguir seus ex-alunos em dívida com a universidade, vetando qualquer tipo de negociação, movendo processos judiciais tão pesados que muitos burgueses que cometeram crimes hediondos não sofrem. Dessa forma, a prática da PUC-SP hoje resume–se a perseguição de estudantes, demissões em massa, precarização das condições de trabalho e criminalização da pobreza.
Leia abaixo a íntegra da carta aberta divulgada pelo casal perseguido pela universidade:
Carta aberta de dois ex-bolsistas da PUC-SP
Estudamos na PUC-SP no final dos anos 90, concluindo o curso de História já no início do século XXI. Durante grande parte do curso, obtivemos a modalidade de bolsa restituível, uma vez comprovada carência que impossibilitava o pagamento das mensalidades.
No ato da conclusão do curso, fomos informados na então VRACOM (Vice Reitoria Comunitária) que, caso não pudéssemos arcar com o valor da restituição que seria cobrado a partir de um ano decorrido da formatura, todos os tradicionais canais de negociação da universidade estariam abertos.
Decorrido então este período, uma série de mudanças começaram a se desenhar na universidade. A partir de 2003, realizamos uma série de propostas de pagamento da dívida, dentro de nossas possibilidades-inclusive comprovando nossas rendas mensais, incompatíveis com os boletos que passamos a receber.
Em nenhum momento as nossas propostas foram aceitas. Concomitantemente a isso, a PUC sempre recusou - se a reconhecer que, neste caso específico, existe um casal devedor, e não dois indivíduos. Mesmo comprovando que nos casamos em cartório no ano de 2002, a instituição recusou - se a estabelecer uma negociação coletiva, desconsiderando que as duas dívidas juntas afetam a mesma renda familiar. A última proposta que fizemos foi entregar nosso automóvel-único bem que possuímos-para saldar parte das duas dívidas e tentar um pagamento compatível com nossas rendas do restante do valor. Mais uma vez, nossa proposta não foi aceita. As condições de pagamento impostas pela universidade sempre beiraram a nossa própria renda mensal.
Neste mês de fevereiro, meu esposo foi acordado por um oficial de justiça que trazia uma ação monitória, em curso de execução no valor de R$39.000,00. Comparecemos à PUC para mais uma tentativa de negociação, mais uma vez encontrando grande inflexibilidade por parte da instituição. Descobrimos então que o total da dívida de meu esposo chega ao valor de R$70.000,00, e que, já estou sendo executada também no valor de R$ 13.000,00, devendo um total de R$60.000,00. Mais uma vez, a universidade não reconhece nossa união legalmente registrada, não reconhece nossa situação salarial, tampouco divide em parcelas acima de 36 vezes, sem contar que exige uma entrada com valor–para cada um de nós – muito acima do que vale o nosso veículo, por exemplo.
Caso não paguemos a dívida, nossas contas bancárias serão bloqueadas e todo o salário depositado nelas será resgatado pela PUC. Após esta medida, nossos fiadores–no caso, nossos pais – passam a correr um risco iminente de perderem seus únicos imóveis que utilizam como moradia. Segundo informações fornecidas pela própria instituição, as nossas vidas estão nas mãos do CONSUN (Conselho Universitário), podendo aceitar ou não novas propostas de negociação.
Para demonstrar o caráter do terrorismo institucional que estamos sofrendo, vale a pena notificar alguns aspectos de suma relevância. Quando do nosso último comparecimento no setor de cobrança, foi absolutamente negado o acesso aos nossos prontuários, contendo todas as provas de que realizamos propostas de pagamento ao longo dos anos–inclusive uma série de manuscritos realizados nas folhas padrão da antiga VRACOM. Também houve recusa para fornecer a planilha de dívida da bolsa restituível, com detalhamentos para sabermos, dentro do valor totalizante, o que realmente faz parte da dívida, o que é multa e o que é juros. Fomos informados de que deveríamos tentar receber isso por email, podendo levar até 10 dias para obtermos resposta–tempo curto para quem tem apenas 15 dias para se defender de uma ação judicial de execução. Além disso, durante as conversações ainda sofremos atitudes preconceituosas por nossa opção de lecionar apenas em escolas públicas. Isso ocorreu devido à informação que revelamos sobre nossa renda mensal, que considerada muito baixa pela parte credora, ainda questionou porque não trabalhávamos mais.
Devemos encarar estes acontecimentos não apenas como um caso isolado que afeta apenas a vida particular de duas pessoas. É evidente que, caso soframos todas as conseqüências que a instituição pretende aplicar, nossas vidas serão absolutamente desfiguradas, perderemos toda a identidade que levamos anos para construir. Mas, mais do que isso, trata – se de um processo muito maior do que a vida de um indivíduo. Trata – se da criminalização daqueles que optaram por construir uma sociedade mais igualitária através dos serviços públicos e que, além de serem punidos por péssimas remunerações pelo Estado burguês que os empregam, ainda sofrem retaliações por parte do capital das empresas privadas. Criminalização também da pobreza, pois, vivendo em um país em que a burguesia dificilmente é punida por seus crimes, a população pobre devedora é tratada como autora de atos de banditismo, sem chance sequer de defesa e negociação.
Convocamos a todos que se indignam frente às injustiças provocadas por um sistema que optou pelo capital e se esqueceu do ser humano, para entrar nesta luta de resgate dos valores comunitários, democráticos e que possam construir uma sociedade em que “o livre desenvolvimento de cada um signifique o livre desenvolvimento de todos”.
FONTE: OPINIÃO SOCIALISTA
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