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segunda-feira, março 28, 2011

Para quem o congresso trabalha

Quais são e como operam os grupos de pressão que dominam a Câmara e o Senado.

A maioria financia bancadas informais com gente de todos os partidos para manter ou mudar algumas leis.

Outros grupos são pautados por movimentos civis.


Com uma agenda própria, alheias aos embates das legendas e indiferentes às cores partidárias, pelo menos 17 grandes bancadas informais exercem hoje enorme influência no Congresso, orientam a atuação parlamentar e revelam o grande poder dos lobbies em Brasília.

Por trás desses grupos de pressão organizados, encontram-se verdadeiros conglomerados corporativos, associações, confederações, empresas e movimentos da sociedade civil. Garantindo a coesão dessas frentes pluripartidárias, é corriqueiro encontrar poderosos financiadores de campanhas, que trabalham diuturnamente para ver seus interesses atendidos no Legislativo.

Ao contrário das bancadas dos partidos, não é o tamanho dos blocos temáticos que determina suas forças. Importante, no caso, tem sido a capacidade de mobilização.

Um exemplo disso é a chamada bancada da saúde. Em número de integrantes, ela é a sétima do Congresso – menos robusta que a ruralista ou sindical. Reunindo 50 parlamentares, a bancada divide-se em pelo menos três grupos: o dos que defendem a saúde pública, estatal e gratuita; o grupo que dá voz aos interesses privados, com fins lucrativos, entre eles os planos de saúde; e, por fim, a turma favorável às Santas Casas, que fazem filantropia e recebem recursos públicos. Os parlamentares da bancada da saúde, no entanto, costumam quintuplicar os apoios quando estão em jogo os interesses das entidades que representam.

“Deputado que defende terra, defende a sua própria terra. A saúde é uma questão coletiva. Os apelos são outros, o que torna muito maior nossa capacidade de organização”, reconhece o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos principais líderes da bancada da saúde. Em fevereiro, um poderoso lobby da indústria farmacêutica desembarcou em Brasília na tentativa de reverter a proibição dos moderadores de apetite pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Com pelo menos um deputado ou senador da bancada da saúde a tiracolo, lobistas de laboratórios multinacionais ocuparam gabinetes importantes na Esplanada dos Ministérios. Havia políticos de todos os partidos servindo de cicerones aos empresários do setor. A pressão deu certo. A Anvisa prometeu analisar os argumentos contrários ao veto às substâncias emagrecedoras como a sibutramina, a anfepramona, o femproporex e o mazindol. Não foi estabelecido um prazo para a decisão final. Ou seja, o assunto, por ora, está em suspenso.

Tal como a frente da saúde, a bancada da bola é pequena no tamanho, mas efetiva nas ações. Com apenas nove integrantes, já conseguiu marcar um tento na atual legislatura, favorecendo o lobby da cartolagem dos gramados. Pressionada por dirigentes de clubes e confederações, a bancada da bola aprovou uma emenda que alterou a chamada Lei da Moralização do Futebol. Com isso, a partir de agora, os cartolas não mais serão responsabilizados caso endividem os clubes que dirigem. Até então, eles corriam o risco de ver penhorados seus respectivos patrimônios. A emenda é de autoria do deputado José Rocha (PR-BA), que desde de 2002 figura na lista de doações de campanhas da CBF. Nos registros do TSE, constam doações de pelo menos R$ 150 mil para o deputado baiano.

O time da bola no Congresso também foi reforçado, este ano, com a eleição de Ciro Nogueira (PP-PI) para o Senado e de Romário (PSB-RJ) para a Câmara. O Baixinho, no entanto, não esclarece de que lado está, se dos dirigentes ou dos atletas e torcedores. “Ainda estou me familiarizando com essa nova situação”, limita-se a afirmar o ex-jogador.

Como ficou evidente nas movimentações futebolísticas, em geral o esforço de parlamentares em favor de determinados setores reflete, além de ideologia comum, uma boa dose de retribuição a financiadores de campanha. É o caso das empresas ligadas ao agronegócio, pecuária e ao ramo de papel e celulose, que abriram ainda mais seus cofres na última campanha eleitoral. Doaram pelo menos R$ 100 milhões para deputados e senadores da área. O deputado ruralista Alex Canziani (PTB-PR) recebeu R$ 360 mil do Grupo JBS-Friboi. Os deputados do DEM paranaense Abelardo Lupion e Eduardo Sciarra receberam ­R$ 80 mil cada um da Bunge Fertilizantes. Já o deputado Marcos Montes (DEM-MG) arrecadou cerca de R$ 1 milhão só de pecuaristas, usineiros e exportadores de papel. Como resultado, as empresas conseguiram aumentar a bancada ruralista, uma das mais atuantes da Casa, que saltou de 56 para 160 parlamentares.

O principal objetivo do lobby do agronegócio, este ano, é a aprovação do substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que altera o Código Florestal Brasileiro. “A proposta consolida as áreas já ocupadas pelos produtores e restabelece o quadro de segurança no campo”, defende o presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Eduardo Riedel. A preocupação é garantir a aprovação do código até 12 de junho, quando entra em vigor o Decreto 7029/2009, prevendo que todos os imóveis rurais deverão estar com suas reservas legais averbadas. Isso poderá deixar na ilegalidade 90% das propriedades rurais brasileiras. A tarefa, porém, não será fácil.

Do outro lado da trincheira estão os ambientalistas, para quem o projeto de Rebelo irá anistiar desmatadores, reduzir as áreas de preservação permanente e permitir a ocupação de encostas e topos de morros. Embora formem uma bancada de apenas 15 parlamentares, da qual fazem parte os deputados Sarney Filho (PV-MA), Alfredo Sirkis, fundador do PV, e José Luiz Penna (PV-SP), presidente do partido, os ambientalistas, apoiados por ONGs “verdes”, reverberam com muita força no Congresso. “Os quase 20 milhões de votos da ex-senadora Marina Silva na disputa presidencial motivam a bancada e mostram a nossa força no Parlamento”, afirma o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Nilo D’Ávila.

A relação direta entre doações e empenho parlamentar também se evidenciou no episódio da derrubada da proibição dos inibidores de apetite. A maioria dos deputados que esteve ao lado dos laboratórios recebeu doações da indústria dos remédios durante a campanha do ano passado. Entre os beneficiários aparecem os deputados Saraiva Felipe (PMDB-MG) e Osmar Terra (PMDB-RS). Por intermédio da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), os dois receberam R$ 150 mil de laboratórios multinacionais. Outro parlamentar pertencente à bancada da saúde, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), foi contemplado com R$ 50 mil. No total, a Interfarma doou R$ 1,8 milhão para 20 candidatos. Desses, 13 se elegeram.

Os planos de saúde, lançando mão da mesma prática, investiram R$ 12 milhões em doações nas eleições de 2010. Elegeram 38 parlamentares, dez a mais do que em 2006. As empresas do setor esperam que seus parlamentares agraciados derrubem, este ano, o projeto que obriga as operadoras a justificar por escrito eventual recusa em realizar exames e internações. O deputado mais beneficiado com recursos dessas fontes foi Doutor Ubiali (PSB-SP), que recebeu R$ 285 mil da Federação das Unimeds de São Paulo. O parlamentar, que, em 2010, relatou e conseguiu aprovar projetos do agrado do setor, é um dos críticos mais ferozes dos procedimentos adotados pelo SUS. “O ressarcimento ao SUS pelo atendimento de quem possui plano de saúde é exagerado”, diz ele.

Há fortes grupos de interesse do Congresso que estarão em lados opostos durante as discussões de projetos este ano. A bancada sindicalista congrega 73 parlamentares e promete brigar pela aprovação do projeto que prevê redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. O presidente da Força Sindical e deputado reeleito, Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), acredita que há espaço para fazer uma articulação “a fim de garantir um bloco de cerca de 200 parlamentares a favor das causas trabalhistas”. Na última semana, a CUT recebeu parlamentares, no aeroporto de Brasília, com uma pauta que inclui, além da redução da jornada, o fim do fator previdenciário. O corpo a corpo foi intenso. Cada deputado que desembarcava era logo abordado por um sindicalista com um folheto em mãos. “Às vezes a gente fica meio sem jeito. Diz que vai votar a favor só para se livrar do cara”, confidenciou um deputado do PSDB que pediu para não ser identificado.

O lobby do movimento sindical rivalizará com os defensores dos interesses dos empresários, que representam a maior bancada da Casa, com 273 integrantes. O ponto fraco do segmento empresarial é ser muito heterogêneo. Em alguns casos, se confunde com outros grupos de parlamentares, como os ruralistas. Conhecido como rei da soja, o senador Blairo Maggi (PR-MT) é um dos políticos que pertencem simultaneamente às duas bancadas. “Tradicionalmente, os parlamentares empresários não atuam de modo articulado”, afirma o cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac).

Um dos grupos de lobistas da área empresarial mais atuantes no Congresso é a Associação das Empresas Cerealistas do Paraná (Acepar), que trabalha na Câmara pela redução da carga tributária. A ação em Brasília rendeu frutos. Por intermédio de parlamentares da bancada dos empresários, a Acepar ampliou seu espaço no mercado. Assíduo frequentador dos corredores da Câmara e do Senado, o vice-presidente da associação, Arney Antonio Frassan, sócio-diretor da AB Comércio de Insumos, foi recompensado. Conquistou, no ano passado, um assento na Câmara de Logística do Ministério da Agricultura.

As indústrias são outra vertente da bancada dos empresários com voz ativa no Parlamento. O lobby industrial tem uma atuação sistemática no Congresso, bradando sua Agenda Legislativa da Indústria, um documento elaborado anualmente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), cujo lançamento sempre ocorre em cerimônia pública. A agenda lista projetos em tramitação no Congresso que são de interesse do setor. “A CNI faz uma espécie de lobby transparente porque nossa posição está claramente indicada nesta agenda, que é pública”, diz o ex-presidente da CNI, o deputado Armando Monteiro Neto, eleito senador (PTB-PE).

Um dos crescimentos mais notáveis dessas frentes parlamentares foi o da bancada evangélica. Ela, que tinha 45 parlamentares, conseguiu eleger 66. Agora medirá forças com os estreantes na Casa que representam o movimento GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Os pontos de discórdia são os projetos em favor da descriminalização do aborto e do casamento civil gay. “Vamos nos opor a todos os projetos que não se identificam com princípios bíblicos”, diz o deputado Erivelton Santana (PSC-BA), diácono da Assembleia de Deus. A lista dos evangélicos novatos inclui o ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) e a cantora gospel Lauriete Rodrigues (PSC-ES). Os católicos são tão aguerridos nessa questão da união de pessoas do mesmo sexo quanto os evangélicos. Este ano, dois religiosos engrossarão as fileiras da bancada: Padre Zé (PP-CE) e Padre Ton (PT-RO).

Apesar de estar em menor número, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), um dos líderes do segmento GLBT com cerca de dez parlamentares, partirá para a ofensiva. Na terça-feira 29, lança a Frente Parlamentar Mista pela Cidadania GLBT. “Queremos os mesmos direitos para todos”, repete Wyllys. No Senado, o movimento é representado por Marta Suplicy (PT-SP), que desarquivou projeto de lei que torna a homofobia crime. Depois de passar pela Comissão de Assuntos Sociais, o projeto ainda precisará passar pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ser votado em plenário. Marta sabe das resistências que pode encontrar, mas revela otimismo. “Eu tenho a convicção de que poderemos, na legislatura que se inicia, retomá-lo e avançar para a aprovação. Não espero que seja fácil. Já vejo manifestações contrárias. Mas a renovação na Casa foi grande e tenho esperança em convencer os nossos senadores de sua importância não só para a comunidade GLBT, mas para o Brasil”, disse.

A disputa ferrenha entre as bancadas suprapartidárias e “grupos de pressão” por espaço e influência no Congresso mostra que o lobby, prática que cresceu no Brasil a partir da Constituinte de 1988, está cada vez mais transparente no País, embora não seja ainda regulamentada por lei, como nos EUA. Há pouco tempo, o lobby era quase sempre relacionado a atividades ilegais. Casos de tráfico de influência seguem sendo tratados como fruto do trabalho de lobistas, mas nos últimos 20 anos ganhou corpo uma categoria de profissionais que vem se pautando por uma atuação à luz do dia. Eles procuram contato com as autoridades com hora marcada na agenda, assunto previamente definido e nos próprios gabinetes de trabalho. É o caso da empresa Umbelino Lobo, que durante cinco anos atendeu o Sindicato das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom). A empresa de consultoria, sediada em Brasília, foi responsável pela aprovação da emenda constitucional que instituiu a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), o chamado “imposto dos combustíveis”. “Mais do que um direito legítimo, é um dever do setor privado manter um canal permanente de interlocução com o Legislativo a fim de ajudar na formulação de políticas públicas”, prega Antônio Marcos Umbelino Lobo, diretor superintendente da empresa e no mercado há 32 anos. Mas há importantes companheiros de atividade de Lobo empenhados em evitar a regulamentação do setor. É que dentro ou fora do Congresso ainda pululam em Brasília as bancadas da sombra.

FONTE: ISTOÉ

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