Michelle Obama ofusca Michelle Obama e não há como ser diferente. A mulher mais poderosa do mundo e bem mais popular que o marido, segundo ranking da revista Forbes, fascina o mundo com sua altivez sustentada em 1,82m de altura, seu sorriso de dentes fortes, seu estilo ao mesmo tempo sofisticado e popular, seu jeito à vontade no trato com presidentes e reis, celebridades e anônimos. Fica-se tão vidrado no carisma discreto e ao mesmo tempo incisivo da primeira primeira-dama negra dos Estados Unidos que é difícil prestar atenção no que ela pensa e diz sobre poder, cidadania, negritude, família e outros temas candentes.
Ela bem que tenta desviar a atenção de sua imagem radiosa, dos ti-ti-tis do mundo fashion, para assuntos mais clamorosos: faz campanha contra a obesidade infantil, discursos sobre a importância da educação neste novo mundo tecnológico, defende a alimentação saudável e a necessidade de praticar exercícios. A Michele que existe para além da presença arrebatadora é uma mulher de 46 anos, de pensamentos sólidos, alguns ousados demais para um país conservador, seja ele republicano ou democrata. Antes de o marido ser eleito para a Casa Branca, a ex-executiva de hospital universitário, ex-reitora de serviços estudantis e ex-advogada com banca montada tratava de assuntos incômodos como a dolorosa história dos negros no país.
Nascida no bairro mais pobre de Chicago, filha de funcionário público, é prima em primeiro grau de um dos rabinos mais notáveis dos EUA, Cappers C. Funny Jr. Para a tese de graduação em sociologia na Universidade de Princenton, em 1985, a jovem Michele Robinson escolheu um tema militante: educação de Princenton a negros e a comunidade negra. Sobre esse tempo, ela já contou que ficou assustada quando chegou na faculdade e encontrou estudantes dirigindo BMWs. “Eu nunca havia conhecido pais que dirigissem BMWs.” Em sua passagem por Harvard, onde fez direito, participou de manifestações em defesa da contratação de professores pertencentes às minorias.
Na primeira vez em que a jovem advogada saiu a sós com um cativante colega de profissão, Barack, o casal foi ao cinema. Assistiram a Do the right thing, (Faça a coisa certa), filme polêmico, forte e engajado de Spike Lee. Ela era contundente e expressiva como o filme de Lee, tanto que durante a campanha presidencial a imprensa dos EUA a descrevia, não poucas vezes, como uma mulher “zangada e negra”. Pode-se acrescentar: e impetuosa. Durante a campanha presidencial, Michelle derramou seu entusiasmo com o crescimento da candidatura Obama: “Pela primeira vez em minha vida adulta, estou orgulhosa do meu país”, o que agrediu o forte sentimento patriota norte-americano. No mesmo dia, em outra ocasião, ela tratou de reformular o que havia dito. “Pela primeira vez em minha vida adulta, estou realmente orgulhosa do meu país, e não apenas porque Barack está se saindo bem, mas porque acho que o povo está faminto por mudanças”. Mas não adiantou. Algum tempo depois, tentou novamente: “Evidentemente que amo o meu país. Em nenhum outro lugar, a não ser nos Estados Unidos, minha história teria sido possível.” Consertar, não consertou, mas acalmou os americanos ofendidos.
A Michelle ativista de causas comunitárias e de políticas públicas é também a Michelle que, certo dia, quando eles ainda estavam começando a vida profissional e familiar, pôs o marido na parede e o alertou, de modo mais ou menos assim: “Você é formado em Harvard, temos de começar a pensar na faculdade das crianças, na hipoteca da casa, no nosso futuro”. Era preciso pensar em fazer dinheiro. Mais adiante, quando Barack decidiu que queria ser presidente da República, Michelle reagiu como uma singela mãe de família, sabia que a campanha o afastaria da família e temia que ele fosse assassinado, tal qual Martin Luther King e Malcolm X.
Eleito o marido, Michelle assumiu o posto de “mãe-em-chefe”, como ela mesma definiu. Mãe de Sasha, de 9 anos, e Malia, de 12, acompanha de perto o dia a dia das filhas com certo rigor. Faz pouquíssimo tempo, decidiu que elas não teriam conta no Facebook, não apenas por razões de Estado, mas porque ela considera cedo demais para tanta exposição. Permissão só depois da Casa Branca. Mãe-em-chefe no comando de uma pequena família, fora de casa ela tem desenvoltura de celebridade. No Palácio de Buckingham, ultrapassou as fronteiras do rigoroso cerimonial e passou a mão nas costas da Rainha da Inglaterra como quem diz “que bom te ver!”. Na Índia, tirou os sapatos, pulou amarelinha e dançou com um grupo de crianças. Já jogou futebol, está cultivando uma horta e uma colmeia na Casa Branca e espantou os diabos que vestem ao usar um vestido de loja de departamentos comprado a 60 dólares (cerca de R$ 100).
Pelo menos dois livros já foram lançados sobre o estilo da primeira-dama, Michelle Style e Everyday icon: Michele Obama and the power of stile (Ícone de todo dia: Michelle Obama e o poder do estilo). Esse último, o mais recente, ainda não traduzido no Brasil, foi escrito pela editora-contribuinte de estilo da revista Time. Kate Betts diz que a primeira-dama não é tão despretensiosa quanto tenta fazer crer. A jornalista acredita que Michelle sabe muito bem o recado que quer passar cada vez que tira uma peça do armário. Quando veste um jovem estilista moderno, quer associar a imagem de seu marido à juventude. Quando usa um vestidinho barato, quer ela mesma ficar mais próxima das pessoas que não podem comprar uma peça de grife. O certo é que nunca antes uma primeira-dama influenciou tanto o mercado de moda no planeta.
Sorte dele, do planeta, que Michelle La Vaughn Robinson Obama não é apenas o que ela veste. Durante a Convenção dos Democratas, em 1998, para a escolha do candidato do partido à Presidência, a mulher de Barack fez um discurso. Lá pelas tantas, disse que ela e o marido acreditam no trabalho duro para conseguir o que se quer na vida, que a palavra dada é obrigação a ser cumprida e que é preciso “tratar as pessoas com dignidade e respeito, mesmo que você não as conheça, mesmo se você não concordar com elas”. Foi um sucesso retumbante. Nesse dia, não se comentou a roupa que ela vestia.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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