A mundialização financeira, desde meados da década de 1960, em conjunto com uma série de medidas – como a desregulamentação monetária, a expansão do mercado de câmbio, a abertura do mercado de títulos da dívida e a desintermediação bancária –, abriu as portas para que importantes instituições financeiras não-bancárias, como os fundos de pensão, ganhassem progressivamente maior relevância no cenário econômico e financeiro. Sem dúvida, um dos traços mais importantes do desenvolvimento recente dos mercados financeiros é a emergência dos Investidores Institucionais – fundos de pensão, seguradoras e fundos mútuos –, que passaram a concentrar poupança e as aplicações financeiras, superando os bancos como principais detentores de liquidez. Este processo de expansão dos investidores institucionais pode ser explicado, em parte, pelo envelhecimento da população, pelos incentivos fiscais concedidos aos planos privados de previdência complementar num contexto de crise do Welfare State, pela liberalização financeira e a escala da concentração bancária que impulsionaram a ascensão de novas formas financeiras não-bancárias.
Estas instituições são originárias da economia norte-americana e britânica e vão figurar progressivamente entre as instituições mais decisivas do quadro das finanças mundializadas. Entre as décadas de 1990 e 2000, por exemplo, os investidores institucionais obtiveram um enorme crescimento. Em 1990, o trio formado por fundos mútuos, fundos de pensão e companhias de seguro gerenciavam, no conjunto das economias avançadas, cerca de 11 trilhões de dólares. Em 2005, este total passaria a 53 trilhões de dólares, em um crescimento de 381,8%. Em 2001 a proporção do patrimônio dos fundos de pensão em relação ao PIB chegou a 113% na Holanda, 71% nos EUA e 65% no Reino Unido. Mas os fundos de pensão ganharam destaque não só nas economias desenvolvidas, como também nos países periféricos. No Brasil, os ativos desses agentes cresceram vertiginosamente ao longo da década de 1990, atingindo R$ 239,7 bilhões em 2003, com um crescimento de 221% de 1996 a 2003. A evolução dos ativos dos fundos de pensão em proporção ao PIB chegou a 17,2% em 2007 ante 8,9% em 1996 – podendo chegar, segundo analistas, a 50% do PIB em 2020.
O sistema de fundos de pensão brasileiro já registrava em 2009 a expressiva soma de 7 milhões de participantes, sem falar nos signatários de planos individuais de aposentadoria voluntária propostos pelos bancos, seguradoras e órgãos de classe, que cresceram geometricamente nos últimos dez anos. Em 2009 a magnitude dos ativos dos fundos de pensão atingiu US$ 1,6 trilhão, sendo que o Brasil corresponde a 66,5% desse total. O crescimento projetado até 2014 é de 87,5%. Essas aplicações mais que quadruplicaram desde 2002, crescendo em média 25,3% em dólares de 2002 a 2009. O banco Merril Lynch estimou que os ativos sob a gestão desses fundos devem chegar a US$ 2 trilhões (R$ 3,55 tri) em 2011 e US$ 3 trilhões (R$5,32 tri) em 2014 na América Latina.
É neste processo que ganha corpo no final do primeiro ano do governo Dilma o debate em torno da PL 1.992/2007, que visa a implementação urgente do regime de previdência complementar dos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo da União, fixa o limite máximo para a concessão de aposentadoria e pensões pelo regime de previdência e autoriza a criação de uma entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP).
Essa entidade de previdência complementar visa atender os servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive para os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. A FUNPRESP seria uma entidade fechada de previdência complementar com personalidade jurídica de direito privado, como a Previ. A previsão do governo é de que até 2040 o fundo tenha 640 mil servidores, quando o quadro de funcionários públicos for substituído, tornando-se então o maior fundo de pensão do Brasil. O governo considera que, deste total, apenas 5% a 7% sejam de migração de outros fundos. Pela PL o participante não é obrigado a aderir à FUNPRESP, mas nesse caso seu benefício previdenciário será limitado ao teto do RGPS – R$ 3.691,74. Se o funcionário quiser ter uma aposentadoria acima do teto, deverá contribuir com o fundo de previdência complementar, com uma alíquota de 7,5% sobre o valor do salário que exceder o teto do INSS.
Conforme a Exposição de Motivos (EMI nº 97/2007), a justificação básica da PL é a implementação do regime de previdência complementar para o servidor público federal, o que permitirá a recomposição do equilíbrio da previdência pública, garantindo a sua solvência em longo prazo, dando seqüência à reforma da previdência iniciada com a aprovação da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003. Ainda segundo a EMI nº 97/2007, a criação do regime de previdência complementar do servidor público estabelece o tratamento isonômico entre os trabalhadores do setor público e da iniciativa privada, uma vez que todos estarão sujeitos ao teto de benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Em linhas gerais, os planos de benefícios da FUNPRESP serão estruturados na modalidade de contribuição definida. A distribuição das contribuições nos planos de benefício e de custeio será permanentemente revista, de forma a manter o equilíbrio financeiro-atuarial dos planos de benefícios. Como se sabe, os fundos de pensão se caracterizam por captar contribuições de um determinado conjunto de indivíduos com o objetivo de oferecer um rendimento no período posterior à vida ativa. Eles podem ter dois formatos: benefício definido e contribuição definida. No primeiro formato define-se desde o início quanto o beneficiário receberá (por exemplo, 70% ou 80% do valor de seu salário no momento da aposentadoria). Já no segundo – caso do FUNPRESP -, é a contribuição o valor definido em princípio e o benefício a se ganhar no período de inatividade corresponderá à rentabilidade obtida pela entidade gestora com a aplicação das quantias recebida.
Sobre a gestão dos fundos da FUNPRESP, a PL prevê que a administração dos recursos garantidores, das provisões e fundos dos planos de benefícios. será terceirizada, mediante a contratação de instituição autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A contratação das instituições será feita por intermédio de licitação, cujo contrato terá o prazo máximo de execução de 5 (cinco) anos. Além disso, cada instituição contratada poderá administrar, no máximo, 40% (quarenta por cento) dos recursos garantidores, provisões e fundos dos planos de benefícios da FUNPRESP. A aplicação dos recursos será feita exclusivamente por fundos de investimento criados especificamente para essa finalidade, atrelados a índices de referência de mercado, observadas as diretrizes e limites estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para as entidades fechadas de previdência complementar. As disposições transitórias prevêem a possibilidade de contratação temporária de pessoal por tempo determinado de forma a permitir a implantação da FUNPRESP, nos termos da Lei nº 8.745/93.
Excepcionalmente, é autorizado um aporte da União no valor de R$ 50 milhões como título de adiantamento de contribuições futuras, a propiciar o regular funcionamento inicial da entidade. Por fim, as disposições transitórias estabelecem que a totalidade dos recursos garantidores, provisões e fundos dos planos de benefícios da FUNPRESP será administrada, mediante remuneração compatível com o preço de mercado, por instituição financeira federal, enquanto não forem contratadas as instituições que se encarregarão da administração dos recursos.
Assim como a reforma de 2003, novamente está se procurando aprovar esta reforma a “toque de caixa”, inviabilizando um debate amplo sobre as diversas conseqüências desta medida no futuro de milhões de trabalhadores brasileiros. Esta contra-reforma da previdência focada nos servidores públicos federais visa ampliar o mercado dos fundos de pensão no país e não assegurar uma aposentadoria gratificante ou equilibrar as contas públicas. Os fundos de pensão comportam-se como investidores em busca de altos rendimentos, principalmente nos mercados financeiros. Ao contrário do que se costuma acreditar, esses fundos não investem necessariamente em setores produtivos ou na indústria nacional.
Ao atuar como capital portador de juros, seu dever fiduciário é obter a maior rentabilidade para os investimentos dos participantes, normalmente vinculados ao mercado financeiro estimulado pelas altas taxas de juros. Além da poupança de milhares de brasileiros ficarem a mercê da lógica dos mercados especulativos de curto prazo, na mão dos gestores estes fundos se transformam em capital e os aposentados tornam-se, queiram ou não, sujeitos interessados na maior exploração e precarização dos assalariados ativos. Os fundos de pensão fazem a própria classe trabalhadora atuar inconscientemente na sua exploração. Por mais que possa haver disputa em torno dos salários e do tempo de trabalho, todos têm de trabalhar pela boa saúde do mercado financeiro e do capitalismo em geral.
Este é um projeto de austeridade fiscal da previdência e que procura aumentar a proporção dos fundos de pensão em relação ao PIB (que deve chegar a 30% com a FUNPRESP), impondo ao servidor a renúncia dos direitos decorrentes das regras previdenciária anteriores como condição de adesão ao novo regime complementar de previdência. O servidor não tem qualquer liberdade para escolher sua entrada no regime de previdência complementar. Além disso, com estes fundos de pensão os servidores passam a depender de uma alta taxa de juros, algo muito maléfico para o “equilíbrio das contas públicas” e para a poupança, mas muito bom para a especulação e o rentismo. Só agora o governo “democrático e popular” completa a agenda do Banco Mundial em relação à reforma previdenciária. E mais gerações ficam a serviço do capital financeiro.
FONTE: CORREIO DA CIDADANIA / Fernando Marcelino é analista internacional.
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