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sábado, dezembro 12, 2009

Chamados de "escravos", negros têm vida difícil no Iraque


Oficialmente, o Iraque é uma sociedade que não enxerga cor e, na tradição do profeta Maomé, trata os negros com igualdade e respeito. Mas nas ruas de terra batida de Zubayr, uma versão em escala menor do Harlem, os afro-iraquianos falam de uma discriminação tão arraigada à cultura iraquiana que eles são comumente chamados de "abd" - escravo em árabe -, proibidos de realizar casamentos interraciais e rejeitados até para empregos menores.

Os historiadores dizem que os afro-iraquianos, em sua maioria, chegaram ao país na condição de escravos, vindos do leste da África, como parte do tráfico de escravos árabe que teve início há cerca de 1,4 mil anos. Eles trabalharam nos pântanos salgados e nas plantações de cana-de-açúcar do sul do Iraque. Embora a escravidão - que no Iraque incluía tanto árabes quanto africanos - tenha sido banida nos anos 1920, ela continuou até os anos 1950, dizem os afro-iraquianos.

Recentemente, eles iniciaram uma campanha para serem reconhecidos como uma minoria, o que lhes garantiria os mesmos benefícios dos cristãos, incluindo assentos reservados no parlamento. "Os negros aqui vivem com medo", disse Jalal Dhiyab Thijeel, defensor dos estimados 1,2 milhão de afro-iraquianos do país. "Queremos pôr um fim nisso".

Na tarde de um fim de semana recente, um grupo de crianças e adultos negros de chinelos de dedo esperava carros para lavar num campo de terra. Essa é a sua única fonte de renda, eles dizem, porque ninguém os contrata. Em Basra, uma cidade portuária e petrolífera do sul, com ventos que açoitam constantemente as areias do deserto, lavar carros não é uma forma ruim de sobrevivência, e com o tempo, o campo de terra se tornou um ponto de encontro lotado de meninos e homens que esperam com mangueiras e baldes pelo próximo carro.

As crianças, a maioria com menos de 14 anos, abandonaram a escola. Às vezes por escolha, às vezes pela decisão de um pai também com pouca educação e uma renda incerta. "Se eu voltar para a escola, então quem vai alimentar a minha família?", perguntou um dos meninos, Hussein Abdul Razak, 13 anos.

Hussein disse que deixou a escola quando tinha oito anos porque havia ficado muito atrás nos estudos. No dia, seu pai, que também trabalha lavando carros, ficou doente, então o jantar da família naquela noite dependia inteiramente do que Hussein pudesse ganhar. Infelizmente, o movimento estava lento, com pouca areia no ar. Ele deu de ombros, resignado. Não ganhou nada.

Mohammed Waleed, também 13, é uma das raras crianças no local que tem um pai com um emprego fixo. Seu pai é motorista de um micro-ônibus. Mohammed, que chegou pedalando sua bicicleta, disse que havia deixado a escola há tanto tempo que mal conseguia se lembrar de quantos anos ele tinha na época. "Todo ano eu repetia, então abandonei", ele disse. Ele olhou com nervosismo para as crianças barulhentas que haviam se reunido em torno dele, decidindo se falaria ou não o que veio a seguir.

"Não sei ler", ele disse. As crianças ficaram em silêncio. O sonho de Mohammed, ele conta, é seguir os passos do pai e dirigir um micro-ônibus Kia. Ele disse que já sabia dirigir, mas precisava esperar cinco anos para ser contratado. "Até lá, vou dirigir a minha bicicleta", ele disse. Todos ao seu redor riram.

Majid Hamid, um esbelto rapaz de 20 anos que está entre os trabalhadores mais velhos do local, disse que alguns dias são melhores que outros. O dia também havia sido ruim para ele. "Desde manhã até agora, não lavei nenhum carro", ele disse. Já passavam das 18h.

Mas até mesmo nos dias bons, eles ainda precisam lidar com clientes que frequentemente usam termos raciais ofensivos para chamá-los. "Eles dizem, 'Abu Samra, vamos, venha rápido!'", ele conta. "O que eu posso fazer? Posso bater neles, mas depois vou ter problemas". Os iraquianos de pele mais clara consideram Abu Samra um termo carinhoso, mas os lavadores de carro dizem que para eles isso é uma ofensa maldosa.

Eles dizem que são xingados de muitos nomes e muitas vezes são presos por patrulhas do Exército e levados a bases, onde são ameaçados de espancamento e prisão se continuarem lavando carros. Eles dizem que os soldados não mexem com eles quando pessoas de pele mais claro estão trabalhando no local.

Ahmed al-Sulati, vice-presidente do conselho provincial de Basra, disse que não existe racismo nem consciência de cor entre os iraquianos e que as vidas dos afro-iraquianos não é mais difícil do que a de qualquer outra pessoa. "Não existe negro e branco no Iraque", ele disse, repetindo o que a maioria das pessoas aqui diz em público.

Em um bairro decadente a cerca de 1,6 km do local onde os carros são lavados, Hamid e milhares de outros afro-iraquianos vivem lado a lado com árabes em casas de tijolo de barro em vários estágios de desmoronamento. Seu irmão, Rafid, 19 anos, também trabalha lavando carros, mas tem um segundo emprego em uma pequena loja de reparos de antenas parabólicas, onde trabalha com o padrasto. A irmã deles, Amani, 16 anos, foi tirada da escola porque a família não consegue mais pagar pela condução de ônibus diária. "Sinto saudades da escola", ela disse. "Às vezes eu choro".

Rafid afirma, "A vida aqui é muito ruim". As coisas poderiam ficar ainda piores; a família de nove não tem conseguido pagar o aluguel nos últimos dois meses. "Ou pagamos o aluguel ou comemos", disse Raja Abdul al-Samad, a mãe.

Samad disse que a vida no Iraque era muito mais difícil para quem tinha pele escura. Ela conta que, ao longo dos anos, começou a perceber que podia apenas manter amizades com pessoas que tinham a sua cor de pele. "Tudo começa bem, mas então eles vacilam e dizem algo por acidente", ela disse. "Ou, quando estão com seus parentes, eles nos evitam. Não gosto de estar com pessoas que nos olham com desprezo".

Tradução: Amy traduções

FONTE: The New York Times

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