O segundo dia da reunião da Coordenação Nacional, realizada neste sábado (6), foi dedicado a discussão sobre o machismo, o racismo, a homofobia e suas relações com a luta da classe trabalhadora.
Participaram como palestrantes na parte da manhã a professora e autora do livro “A feminização no mundo do trabalho”, Claudia Mazzei Nogueira; o professor e mestre da UFMA e do quilombo Raça e Classe, Roseverck Santos; o presidente da Parada Gay de SP, Ideraldo Beltrame e o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ).
Os quatro convidados colocaram como ponto central do debate de opressões o entendimento de que precisamos conscientizar os trabalhadores da necessidade de lutar também contra o preconceito, seja racial, de gênero ou de orientação sexual. E que esta é uma reflexão que os sindicatos e demais movimentos que compõem a nossa Central devem fazer.
LGBT –
Jean Wyllys iniciou o debate ressaltando a importância das organizações sindicais se posicionarem para além do conceito de classe. “Além de sermos condicionados como classe trabalhadora, nós somos condicionados pelo nosso gênero, pela nossa etnia e por nossa orientação sexual. Esse fato faz com que tenhamos que lutar , não só pelos direitos trabalhistas, mas sim também, por nossos direitos enquanto homossexuais, mulheres e negros” , enfatizou.
O deputado federal explicou para os presentes que a homossexualidade não é uma opção e sim uma orientação, detalhou ainda as diferenças entre o sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual.
De acordo com Wyllys, o sexo biológico é aquele nos caracteriza em nosso nascimento como homens ou mulheres, muitos nascem com essa característica trocada. A identidade de gênero é como esses homens e mulheres e se reconhecem, às vezes essa identidade é diferente e não corresponde a maneira como os indivíduos se percebem. Já a orientação sexual diz respeito à libido, afeto e ao desejo.
Todos esses conceitos podem ser diferentes do considerado normal pela sociedade, ou seja, segundo Wyllys, “tudo o que não é heterossexual é considerado anormal. Foi provado que a homossexualidade não é uma doença e devemos lutar contra esse conceito errado”, disse, ressaltando também que há pouco tempo era negado às mulheres o direito ao voto. “Cito esse exemplo para destacar que esses direitos nos são negados não somente porque somos trabalhadores ou pobres, mas também nos são negado porque somos negros, mulheres, homossexuais”.
O convidado informou que nunca esteve ativo no movimento sindical, pois segundo ele este se fechava nas outras lutas, relacionadas às opressões.
Wyllys finalizou enfatizando que o movimento sindical tem que se abrir e perceber a relação das questões do mundo do trabalho com as opressões “para que tenhamos um mundo verdadeiramente democrático e plural”.
O espaço foi dado então ao presidente da parada Gay de São Paulo, Ideraldo Beltrame, que abordou a dificuldade de ser falar sobre o tema LGBT. “O movimento LGBT foi criado na esteira do movimento sindical, a nossa luta deve encampar a luta dos direitos humanos, mas que também se caracterize na luta de classes”, disse.
Beltrame se utilizou da bandeira levantada pela CSP-Conlutas em seu discurso. “Se o Brasil cresceu cadê a nossa parcela, nossa autonomia. A luta dos LGBTs tem que ser incorporada pelos trabalhadores, não precisa ser mulher para defender o direito das mulheres, essa batalha é do dia a dia. Não tenham medo de dialogar sobre essa questão”, ressaltou aos presentes que o interromperam com muitos aplausos.
O presidente da Parada Gay de São Paulo disse que é preciso avançar nas lutas de trabalhadores e a questão LGBT deve sim entrar na pauta do movimento sindical.
Negros
O professor e mestre da UFMA e do quilombo Raça e Classe, Roseverck Santos, falou para um plenário atento às questões relacionadas ao racismo.
Santos lembrou do debate que ocorreu no dia anterior sobre a conjuntura e a crise do capitalismo, relacionando esses fatos ao aumento do racismo, da xenofobia, da homofobia. Citou o manifesto publicado pelo terrorista norueguês, (autor de uma chacina ocorrida há algumas semanas na capital daquele país), no qual ele faz uma critica ao Brasil e sua mistura étnica, e que isso seria a causa do atraso no Brasil. “Esse manifesto retrata o mestiço como um degenerado e esta é a expressão de um sistema que nos impõe esse conceito ideológico”.
Segundo o professor, “a história da classe trabalhadora precisa ser reescrita no Brasil, pois ela não começou com o trabalho assalariado e sim com a escravização dos povos africanos trazidos para o nosso país”.
Santos falou ainda que a sociedade percebe o mundo a partir do referencial europeu, branco cristão e patriarcal com a mentalidade associada aos conceitos impostos pela ideologia dominante. “A partir disso, fora do debate das desigualdades, surgem a questão do mérito e da capacidade,
nosso fracasso não seria fruto das desigualdades de gênero, ou seja, tudo é jogado no plano individual. Esse é o discurso da burguesia”, disse.
O professor ressaltou que ninguém luta contra a exploração e opressão se não se reconhece oprimido e terminou citando Marx: “o trabalhador não será livre na pele de branco enquanto a pele negra for marcada com ferro quente”.
Mulheres –
O debate seguiu e deu voz a professora Claudia Mazzei Nogueira para falar sobre as questões relacionadas as mulheres. Um texto foi distribuído com o título “
A positividade e a negatividade das metamorfoses no mundo do trabalho para a mulher” . Foram destacados diversos aspectos sob os quais vivem as mulheres trabalhadoras. As diferenças salariais entre homens e mulheres, que aumentou de 50,2 para 51,7 % entre 1980 e 2008, enquanto a taxa de atividade da força de trabalho masculina caiu de 82,0 para 77,7 %. “Mas esse fato não está relacionado com o aumento salarial das mulheres, tanto é assim, que as trabalhadoras que tem nível superior, ainda ganham 30% menos que os homens”, frisava o documento.
Foi abordado também de como o capitalismo vende a ideia da criação de condições para a emancipação feminina, mas na verdade acentua a exploração da mulher. Isso ocorre porque, segundo o texto, “ao estabelecer uma relação aparentemente ‘harmônica’ entre precarização e mulher, o capitalismo cria formas diferenciadas de extração do trabalho excedente”. Essas e outras questões de machismo e opressão foram levantadas durante a reflexão sobre o tema.
Para Claudia, não dá para separar opressão de exploração e esta questão não pode ser limitada às mulheres. “Não podemos fragmentar a luta com o discurso de que esse movimento é mais ou menos explorado do que o outro, a luta é uma só e é de classe, seja ela de gênero ou de qualquer forma”, argumenta.
O debate foi aberto ao plenário com as diversas intervenções dos presentes, que falaram sobre a importância da discussão e que esta deve ser trabalhada internamente e externamente. O preconceito também é reproduzido no dia a dia dos sindicatos e este fato tem que ser combatido para o avanço da luta contra o racismo, o machismo e a homofobia.
A representante do Fórum Paulista de Travestis e Transexuais, Fernanda de Moraes, chamou a atenção dos presentes para a causa dessas companheiras que são invisíveis perante a sociedade. “Não temos espaço para trabalharmos, e só somos enxergadas como mulheres para o sexo fácil, nós não somos homossexuais, ou seja não sofremos homofobia e sim a transfobia [discriminação contra as pessoas transexuais, travestis e transgêneros ] que é ainda mais cruel e violenta. É preciso nos incluir nesta discussão” , desabafou.
Setoriais de Negros, Mulheres e LGBT-
Na parte da tarde foi composta uma mesa com integrantes do Movimento Quilombo Raça e Classe e do Setorial de Negros e Negras, Julio Condaque, pela integrante do Movimento Mulheres em Luta e do Setorial de Mulheres, Janaina Rodrigues, e pelo representante do setorial LGBT da CSP-Conlutas, Douglas Borges.
A discussão teve como objetivo de materializar o debate em campanhas e iniciativas da Central para levar esta discussão às bases.
A “exposição Raça e Classe no Brasil, Desafios para o movimento sindical” foi abordada por Julio Condaque que fez o resgate histórico da luta dos negros no Brasil, passando pela ideologia racista do século XIX até as atuais as diferenças existem entre os salários pagos aos negros e aos brancos. Condaque sintetizou que “construir uma central como esse é construir um trabalho político contra essas diferenças”.
Falando sobre a questão das mulheres, Janaina Rodrigues discorreu sobre a concepção da luta feminista que deve ser em aliança com os trabalhadores e, segundo ela, essa batalha também é contra o capitalismo. “Temos que lutar contra o machismo que é combinado com a exploração do trabalho. Temos que combater a violência doméstica, nessa sociedade que nos nega o direito de ser mãe, quando não nos dá condições de trabalho, não nos dá direito à licença a maternidade, e ao auxílio creche. Essa luta tem que ser cotidiana. Estamos em campanhas salariais e é importante incorporá-las ”, destacou.
A representante do Setorial de Mulheres informou que não há capitalismo sem machismo, sem racismo e sem homofobia. Além disso, segundo ela, é preciso lutar contra a divisão dos trabalhadores e dos setores de opressões, pois a luta dos trabalhadores é a mesma luta das mulheres, dos negros e dos homossexuais. “Todos nós devemos lutar juntos em busca de uma sociedade mais justa e igualidatária rumo ao socialismo”.
Janaina finalizou dizendo: “Nós não nascemos para produzir leite e lágrimas, o espaço das mulheres é um espaço também de lutas por uma sociedade melhor”.
Douglas Borges destacou que as bandeiras dos movimentos que decoravam a mesa, representavam a prova de que a Central está construindo algo novo ao travar esses debate sobre opressões. Ele destacou a visibilidade que os homossexuais e os casos de homofobia estão ganhando na mídia atualmente .
Borges falou também sobre o aumento da violência aos homoxessuais. “O Brasil é um país preconceituoso e violento. Além disso, existe perseguição no local de trabalho, entre outros ataques”, disse enfatizando o recente caso da demissão de um funcionário em Caçapava (SP) por ser homossexual.
“Uma de nossa bandeiras centrais nesse momento é pela aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia. Sabemos que isso não acabará com a violência, pois a lei Maria da Penha não acabou com o machismo, mas é importante travarmos essa luta”, completou Borges.
Campanha sobre as opressões –
Terminadas as apresentações da mesa, o debate foi aberto para o plenário. A integrante da Secretaria Executiva da CSP-Conlutas e do Movimento Mulheres em Luta, Ana Pagamunice, informou que o objetivo do debate era trazer o aprofundamento sobre as questões relacionadas à opressão e da relação que esta tem com a exploração. “Estamos apresentando uma proposta de campanha ‘Chega de Preconceito, Trabalho Igual, Salário Igual’ unificada entre negros, mulheres e LGBTs, para ser levada aos locais de trabalho, buscando a união da luta sindical com a luta contra as opressões”.
Nas intervenções ficou explicita a importância de se abordar esse tema e levar essas questões para o dia a dia dos sindicatos e locais de trabalho. Para assim municiar as categorias em suas atividades com o objetivo lutar contra o machismo, o racismo e a homofobia com a consciência de que ainda há muito a se avançar e nessa coordenação o primeiro passo foi dado.
FONTE: CSP-CONLUTAS
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