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segunda-feira, agosto 08, 2011

Estudantes contra ensino pago







A turma que faz sociologia nos estacionamentos das universidades brasileiras deveria prestar atenção ao que acontece no Chile.

Explico. Observadores interessados em abrir espaço para a privatização de nossas universidades públicas adoram contar o número de automóveis no estacionamento das escolas como prova de que elas só atendem pessoas ricas e bem nascidas.

O argumento é fabricado. Os numeros dos aprovados no vestibular mostram que o ingresso de alunos das familias pobres não reflete sua presença no conjunto da sociedade, mas atinge um patamar muito superior aquilo que à sociologia dos estacionamentos sugere, numa tentativa de alimentar uma retórica com superficie progressista para sustentar a idéia retrógrada de cobrar mensalidades nas universidades públicas.

Pois foi isso o que se fez no Chile da ditadura de Augusto Pinochet, uma das mais violentas da América do Sul. Não existe, naquele país, ensino superior gratuito. Mesmo as escolas públicas cobram mensalidade. Em média, paga-se US$ 12 mil por ano.

Não sei se seria suficiente para nossos sociólogos de estacionamento. Quando era ministro da Educação, o professor Paulo Renato de Souza chegou a recusar a sugestão de cobrar mensalidades nas escolas com o argumento pragmático. Seria até possível tirar dinheiro do bolso das famílias dos estudantes — mas essa quantia iria representar uma contribuição irrisória para os custos reais das universidades.

Obrigados a pagar com as mensalidades, boa parte dos estudantes chilenos acaba largando os estudos antes do fim. Aqueles que fazem dívidas para terminar a escola acabam com uma segunda complicação. Tem de honrar o compromisso com o banco mas não tem conseguiram o diploma que ajudaria a reforçar o salário.

É por essa razão que há três meses os estudantes chilenos enfrentam a polícia em confrontos cada vez mais amplos e duros.

Ontem, foi a vez de pais e avós sairem às ruas numa passeata em apoio ao protesto de seus filhos e netos, em função de um agravante. Para defender a política economica de Augusto Pinochet, o governo conservador de Sebastian Pinera se vale de um decreto do mesmo Pinochet para reprimir os estudantes com uma violencia fora dos padrões num regime democrático.

As propostas de ensino pago também circularam pelo Brasil nos anos 60 mas foram barradas pela mobilização da juventude brasileira, numa luta travada nas condições difíceis de quem defende seus direitos sob uma ditadura militar.

Quem se der ao trabalho de pesquisar as origens dos protestos estudantis daquele período irá verificar que a idéia de estimular o ensino pago era discutida em gabinetes oficiais, com estímulo de representantes do governo dos Estados Unidos. Boa parte das passeatas e protestos exibiam a faixa “Abaixo o Ensino Pago.”

Os estudantes sofreram várias derrotas naquela época. Boa parte de suas lideranças foi presa. Muitos tiveram de exilar-se. Um grande número foi perseguida, torturada e até executada. Mas o ensino pago não passou, numa demonstração de que a resistencia teve eficácia.

Após a democratização do Brasil, o debate fez aparições discretas, aqui e ali. O argumento favorito dos sociólogos de estacionamento, hoje, é dizer que há um desvio nos gastos oficiais com educação. Eles afirmam que Brasilia gasta demais com ensino superior e esquece do ensino básico e médio.

Quanta generosidade. Mais uma vez, emprega-se uma retórica socialmente aceitável para se ocultar a defesa de uma idéia condenável. Claro que ninguém pretende aumentar os gastos com as fases anteriores da educação, o que seria ótimo, aliás. A discussão real é outra.

Num país onde as melhores universidades, de longe, são instituições públicas, o que se quer é transformá-las num mercado para investimentos privados. Apenas isso.

Basta olhar para o Chile para constatar quem tem razão.

FONTE: REVISTA ÉPOCA / PAULO MOREIRA LEITE

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