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segunda-feira, julho 12, 2010

O legado do Mundial da África do Sul

World Cup

As vuvuzelas pararam de soar constantemente. A maioria dos carros perderam as bandeiras. E os jornais retomam, lentamente, à sua dieta de instrospecção e melancolia.

Sim, a Taça do Mundo está quase a chegar ao fim, por aqui, e a África do Sul interroga-se sobre o seu significado, e sobre o que virá a seguir.

Alguns dias atrás passei a tarde em Sweetwaters - uma township sombria a sudoeste de Joanesburgo - rodeado de barracões de lata, crianças descalças a brincar no meio da sujidade, e uma dúzia de adolescentes a baterem furiosamente numa bola de futebol velha.

O mais alto deles, Lindo Sithebe, 18 anos, cruzou os braços de forma solene. "A Taça do Mundo não é para pessoas como nós", disse sem qualquer tipo de expressão. "A Taça do Mundo não é para lugares como este".

Após semanas de euforia, confiança, e vuvuzelas, foi um momento crucial para me relembrar que um mês de futebol não vai necessariamente transformar a África do Sul.

"É muito mais fácil dizer que sou sul africana", diz adepta sul africana

Mas alguns metros depois, encontrei um grupo de mulheres de meia idade que imploraram por mostrar um ponto de vista diferente.

Havia cinco delas, sentadas em tubos de plásticos por trás do armazém de vegetais da Esther, a apanhar o fatídico sol de final de tarde.

Sharon, alta e argumentativa, bebia cerveja e queixava-se de não ter cobertores suficientes em casa.

Mas todas estavam de acordo sobre o Campeonato do Mundo. De todas, a Samantha Mphahleni foi a que se exprimiu melhor.

"Agora é muito mais fácil dizer que sou sul africana. Faz-me sentir orgulhosa. Faz-me sentir mais viva".

Orgulho e confiança são difíceis de medir. Mas nos últimos anos, a África do Sul parecia ter muito pouco de ambos. A magia da era Mandela estava a desvanecer-se.

world cup

Mas durante o último mês, a mudança a que tenho assitido tem sido marcante.

Família de brancos - de caras pintadas com a bandeira nacional - aventuraram-se em autocarros a entrar em townships de comunidades negras pela primeira vez, sedentos de descobrir o seu próprio país.

Imigrantes de todo o continente cruzaram-se em bares apinhados de gente. Congoleses fantasiados, zimbabuanos descontraídos, ganeses barulhentos com os seus tambores e pinturas faciais. Todos unidos por um raro, mas sentimento de unidade pan-africana.

Depois, há os fãs de sítios mais longíquos - chocados por encontrarem, como escreveu um colunista, que é mais provável que seja mortos pela simpatia do que pelos criminosos na África do Sul.

Estava em Bloemfontein para assistir ao último jogo da Inglaterra frente à Alemanha. Depois da partida, os adeptos pararam num centro comercial para beber, conviver e cantar.

Fiquei a observar um grupo com duas trabalhadoras da África do Sul negros. "Os seus adeptos são espectaculares", disse uma das mulheres. "Nós temíamos que eles fossem hooligans. Que canção linda é a que estão a cantar?". Era, na verdade, uma música sobre os bombistas alemães e a República Democrática Alemã. Não lhe disse. Não quis estragar-lhe o momento.

Agora, claro, as férias estão quase no fim, e o espírito de "regresso às aulas" começa a crescer.

"Temos que dar continuidade a este momento", afirma Zuma

Dias atrás consegui encontrar-me com o Presidente Jacob Zuma. Participava num evento da FIFA, e parecia menos cansado do que eu esperava.


Zuma é um pouco como este país - o seu passado é turbulento, heróico e nos últimos anos marcado por escândalos. É um homem de grandes apetites, defeitos e de um charme pessoal enorme.

Depois do torneio, a África do Sul, garantiu-me, nunca mais será a mesma. Falou de um desenvolvimento de infraestruturas, de coesão social, de experiência valiosa adquirida pela polícia, Governo e muitos outros grupos.

Chega-se, entretanto, à parte complicada. As autoridades mostraram finalmente o quão competentes conseguem ser, dado o prazo apertado e uma entrega mais que suficiente. Mas isso é, francamente, um elemento de excepção.

A África do Sul pode ser uma democracia sofisticada, estável, deslumbrante. É, porém, confrontada com elevadas taxas de desemprego, uma carência de alojamento, um sistema de educação em crise, e uma das maiores falhas mundiais a nível de riqueza. Nas acções governamentais para combater estes problemas não há nada a enaltecer.

"Não podemos voltar atrás", afirmou Zuma. "Temos que dar continuidade a este momento, e construir os nossos sucessos".

Vamos esperar que ele possa fazer isso tudo, porque as expectativas por aqui têm caído drasticamente.

De volta a Sweetwaters, Samantha e as suas amigas despediram-se e regressaram às suas barracas feitas de lata, antes do pôr do sol.

Um dia antes, o Presidente Zuma fez uma visita inesperada àquela township.

Entregou em mãos as chaves de três casas novas em folha, construídas por uma associação de caridade para alguns dos residentes mais pobres.

"Eu vi-o", disse Samantha, "em carne e osso". Ela tem vivido os últimos 17 anos num barracão do tamanho de um alpendre, que divide com outras cinco pessoas.

"Eu acredito que o Mundial vai mudar a minha vida", garante. "Espero que sim. Zuma veio cá e deu-nos respostas. Agora tenho fé nele. Tudo é possível".

FONTE: BBC / ÁFRICA

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