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terça-feira, janeiro 06, 2015

Dodô, a pioneira












HOMENAGEM A UMA GRANDE BALUARTE

Este é o capítulo dedicado a Dodô no livro "Onze mulheres incríveis do carnaval carioca", editado pela Verso Brasil na coleção Cadernos de Samba. Reverência à grande dama portelense, que morreu hoje, aos 95 anos.

Uma das capitais da politeísta religião chamada Carnaval, Madureira embarcou numa emocionante viagem ao passado no desfile de 2004. As três escolas da região levaram à Passarela sambas e histórias de tempos gloriosos, para encantar a plateia. O Império Serrano ressuscitou “Aquarela brasileira”, preciosidade criada por Silas de Oliveira para a festa de 1964; a Tradição pegou emprestado “Contos de areia” (1984), da Portela, seu berço; e a azul e branco da Águia presenteou o público com “Lendas e mistérios da Amazônia”, obra-prima que passou pela primeira vez em 1970. Junto, celebrou uma pioneira da folia, consagrada madrinha de sua bateria: Dodô.
Não era pouca coisa. Aquele lugar à frente dos ritmistas estava há tempos reservado (salvo exceções) para “modeletes”, marombadas e oportunistas em geral. Numa prova – mais uma – do feitiço que só o Carnaval ostenta, a plateia de turistas decifrou o significado da cena e bateu palmas com vontade. Liderada pela veterana (entre outros baluartes), a Portela fez seu melhor desfile em muitos anos.
Quando a maior campeã da folia carioca decidiu escalar uma senhora, então com 84 anos, para ocupar o posto, encenou um espetáculo de dignidade. Magra, impecável em azul Portela, o olhar altivo mirando o horizonte, entre acenos majestosos para o público, Dodô dizia tudo sem falar nada – nessa Avenida colorida, ela chegou primeiro.
Não na do século XXI, gigantesca e cosmopolita, mas na que deu origem à odisseia dos bambas. Mais precisamente, na noite do domingo 3 de março de 1935, guardada por seu Antônio, o mestre-sala, quando ela conduziu o pavilhão pela Praça Onze até o primeiro título da Portela, com apenas 15 anos. Num tempo em que adolescentes não se misturavam com sambistas – ainda associados a marginais, por causa da lei dos brancos que até pouco antes os perseguia –, Dodô quebrou regras em nome da paixão descoberta pouco antes, que lhe acompanharia pela vida afora.
Maria das Dôres Rodrigues chegara criança, aos 4 anos, de Barra Mansa, no sul do estado do Rio de Janeiro, onde nasceu. Migrara com a mãe, Otília, e os irmãos para a capital, fugindo da miséria que assolava o Vale do Paraíba em razão da decadência da cultura cafeeira, e foi morar no Morro da Providência (a primeira comunidade popular carioca, antes conhecida como Favela, o nome que a história transformou em gênero), atrás da Estação Central do Brasil. A família se instalou numa casa ampla, no fim da Ladeira do Faria, junto à Ladeira do Barroso, bem no alto da encosta.
Para os brasileiros que viviam pendurados nas favelas – berços, benza Deus, da cultura popular –, desafiando o país historicamente hostil aos pobres, a vida profissional começava cedo. Para Dodô, pouco antes de completar 14 anos, quando conseguiu um emprego de empacotadora numa fábrica à Rua Visconde de Gávea, no pé da Providência, que produzia embalagens de papelão para a Casa Granado, tradicional rede de farmácias do Rio. Quiseram os orixás que ela fosse trabalhar na mesa comandada por Doralice Borges da Silva, ou somente Dora, outra jovem, moradora de Oswaldo Cruz, subúrbio do ramal da Central. Com ela trabalhavam Rosinha, Laudelina e Miranda, vizinhas de bairro e parceiras na Vai Como Pode, escola que existia por lá.
Na hora do almoço, Dodô, a caçula delas, ia comer em casa, ali perto. Um dia, Dora convidou: “Amanhã, traz uma marmita e fica com a gente, você vai gostar.” No dia seguinte, a novata descobriu sua maravilha particular. As colegas comiam rapidamente para sambar até o fim do intervalo, batucando e cantando músicas da escola.
Dodô ficou encantada com aquele ritmo, aquele bailado. Mas se lembrou que, nas poucas vezes em que vira uma escola de samba, notou especialmente a presença de uma componente que rodopiava, majestosa, com a bandeira. E achou seu lugar. “Peguei meu guarda-pó, prendi num cabo de vassoura e comecei a rodar”, recorda ela, lúcida e bem-humorada, que premia seus interlocutores com a memória prodigiosa, o vocabulário divertido dos sambistas e um sem-número de histórias incríveis.
No fim da primeira apresentação, Dora, totalmente seduzida, jogou a isca. “Quando faltar uma porta-bandeira na escola, vou te levar”, avisou. A novata conheceria, afinal, nomes que se acostumou a ouvir no trabalho, personagens das histórias contadas pela amiga. As aventuras de Claudionor, Benício, Manoel Bam-Bam-Bam; a voz vigorosa de Ventura e João da Gente, comandante da bateria que ditava o ritmo dos sambas compostos por Alcides e Alvarenga; a dança mágica de seu Antônio, mestre-sala, com as porta-bandeiras Cecília, Braulina e Aidéia, nos ensaios realizados na rua. Mais do que qualquer outro, conheceu Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela, líder daquilo tudo.
Como descreve a própria Dodô, na sua gíria atualizada, “não prestou”. “Sem saber o que estava fazendo, eu fazia mais. Chegava em casa, pegava o cabo de vassoura, ia para a sala e começava a rodar”, descreveu ela, numa entrevista a Luis Carlos Magalhães e João Gustavo Melo, em 2012. Não parava nem diante dos acidentes com porta-retratos, quadros e outros objetos, tampouco pelo castigo que vinha em seguida. “Mamãe pegava a vara de marmelo e vapt na minha perna. ‘Está pensando que isso aqui é escola de samba?’” No alto da Providência podia não ser – mas a menina estava a caminho de se tornar uma estrela das mais importantes.
Estava em boas mãos. Espécie de diretora social não formalizada, Doralice vivia os ensaios e os preparativos para o Carnaval como rainha na Vai Como Pode, a futura Portela. (Nada a ver com as rainhas de bateria contemporâneas; no início, as escolas passavam livros de ouro em suas comunidades e leiloavam cargos para turbinar a arrecadação de recursos.) A essa altura, Dodô estava completamente seduzida pela possibilidade de integrar a escola. Os almoços passaram a ser com as amigas na fábrica, um ligeiro engolir de comida para iniciar a festa o mais rapidamente possível e girar ao som do samba, o avental branco como encenação para a bandeira que iria conduzir muito em breve.
Ela invocou todo o amor que sentia pelo samba para convencer a mãe a levá-la de bonde até Oswaldo Cruz, ninho dos bambas reunidos na Vai Como Pode. Paulo, o líder que viraria lenda com o sobrenome “da Portela” (ganho, aliás, antes da criação da escola, por causa do endereço, Estrada do Portela), achou um despropósito. “Não dá, ela é muito nova, uma criança”, reprovou. Dora tinha certeza de sua escolha e insistiu, argumentando com os ensaios da hora do almoço na fábrica.
Seu Antônio, o mestre-sala, foi convocado. “Vê se essa menina dá para porta-bandeira. Se der, tudo bem”, determinou o chefe. Nesse primeiro encontro, o professor deu as dicas de como funcionaria na pista. Quando jogar o lenço para cima, quando esticar a mão, quando pedir a mão da parceira. No fim do curto ensaio, ele voltou a Paulo com a resposta – na verdade, uma profecia: “Essa menina vai ser uma grande porta-bandeira.”
A tradição da época mandava que somente senhoras ocupassem o posto, guardadas por homens maduros como mestres-salas. Mas o entusiasmo e o talento de Dodô derrubaram todos os protocolos – a ponto de convencer a direção da azul e branco a providenciar documentos que falseavam sua idade. Para o juiz de menores, ela tinha 19 anos naquele 1935, quatro a mais do que a realidade.
A dança, nas origens, também tinha outros rigores. No começo do desfile, a porta-bandeira segurava a ponta do pavilhão; só depois de rodar três vezes soltava, para bailar com ele aberto diante do público. O mestre-sala era bem menos acrobático do que no espetáculo contemporâneo e se preocupava em guardar a dama, ainda no conceito original do casal. Outros tempos, outros tempos.
“Quando tocar o sinal, você entra”, avisou seu Antônio, na única contribuição que deu à sua nova parceira, na hora da apresentação. “Ninguém me ensinou, foi na garra”, confirma Dodô, que, depois de sair campeã da Praça Onze, garantiu lugar entre os portelenses essenciais.
Ao longo do ano, frequentava a quadra da escola, participava de todos os eventos, sempre em companhia da mãe. Antes de ir, era obrigada a rezar o terço. Tentando apressar o ritual, a menina pulava orações, mas dona Otília percebia – e a filha tinha de começar tudo outra vez, a tempo de chegar para o ensaio, que começava às 20h e terminava às 23h. Pontualmente.
Em maio daquele 1935, a Vai Como Pode foi rebatizada por ordem de Dulcídio Gonçalves, o delegado de Costumes. Para que a atividade de sambar fosse permitida, era necessária a inscrição como grêmio recreativo (porque a burocracia é tão brasileira quanto o Carnaval), e a autoridade constituída não simpatizou com o nome. Após alguns instantes de indecisão, o doutor perguntou o endereço da escola. Como ficava na Estrada do Portela, ganhou seu nome definitivo – Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, aquela que, no futuro, seria a maior campeã da festa carioca.
A comemoração da mudança se deu no Dia do Trabalhador, 1º de maio, quando Dodô recebeu o pavilhão recém-criado, o azul e o branco em raios, inspirado na então bandeira do Japão (que depois da Segunda Guerra Mundial perderia o desenho, sobrando apenas o Sol nascente, vermelho, no meio). Ao centro, a águia – a ave que voa mais alto – sobre um pandeiro, emoldurada pela frase “Honra ao mérito”. (Ela guardou a bandeira em sua casa pelos anos afora, perfeitamente conservada, pronta para voltar à Avenida.)
Conforme o Carnaval se aproximava, Dodô dedicava o tempo livre à fantasia que usaria. Ela mesmo bordava suas roupas, na casa da Providência, fazendo os vestidos a seu gosto, formais, sem decotes, com o luxo devido à função. Independente, nunca quis ajuda – nem aceitava palpites. Jamais contou com qualquer auxílio da Portela para confeccionar seus trajes carnavalescos; beneficiou-se, sempre, da aptidão de costureira profissional e dos descontos incríveis que conseguia nas boas lojas do ramo. Cruzou a vida fiel a seu jeito, mesmo depois de se casar, “aos vinte e poucos anos”, com Aloísio – “o meu crioulo”, como ela prefere – um estivador mangueirense, folião da Índios da Açaú (escola da rua do mesmo nome, no Engenho Novo), que ela conheceu num baile em Irajá.
As lembranças das jovens jornadas carnavalescas são apaixonantes, como ela mesmo descreveu numa entrevista ao site Democracia Viva, do Portal do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em 2004. “Na Portela, sempre foi tudo muito emocionante… A cada novo campeonato, os compositores me carregavam no colo. O resultado era na hora, e os jurados não ficavam longe como hoje. Eles olhavam e pegavam na bandeira, botavam a mão na roupa da porta-bandeira e do mestre-sala, olhavam toda a nossa elegância. Nós dois não podíamos de jeito nenhum dar as costas para os jurados, a gente tinha que dançar olhando e sorrindo para eles”, relembrou, descrevendo o julgamento da época, que avaliava a bandeira, além do casal.
Com o pavilhão portelense, Dodô ganhou outros dez títulos – sete deles consecutivos, na famosa sequência de 1941 a 1947 –, na competição carnavalesca que peregrinou pela Praça Onze e pelas Avenidas Rio Branco e Presidente Vargas. Seu guru, Paulo da Portela, esteve com ela e com a escola somente até 1941, mas rompeu antes do Carnaval e se mudou para a pequenina Lira do Amor. (Um dos mais importantes sambistas de todos os tempos, ele morreu em janeiro de 1949, fulminado por um enfarte, aos 47 anos.) Mas Dodô já era da azul e branco, muito além de nomes e pessoas.
No fim da década de 1940, a escola ganhou um patrono lendário, o bicheiro Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela, líder forte na harmonia da Avenida e no xadrez dos bastidores. Para o Carnaval de 1957, ele estava encantado com o talento de uma jovem porta-bandeira chamada Vilma, e procurou a titular. “Dodô, ela quer ser porta-bandeira”, arriscou, recebendo resposta lacônica – e digna: “O pavilhão está às ordens.”
Como o amor, quando legítimo, despreza postos e vaidades, a primeira campeã com a Portela aceitou o capricho do chefe e foi ser segunda porta-bandeira. Sem crise. Reestreou no novo cargo dia 3 de março de 1957, cruzou a Rio Branco com o empenho e a competência de sempre, para conquistar mais um título, sob o enredo “Legados de D. João VI”. A azul e branco de Oswaldo Cruz transformara-se num dream team de bambas, e Dodô passou a conviver com lendas como Candeia e Monarco – além da própria Vilma, que justificou o prestígio com seu talento impecável. A bandeira da águia estava em boas mãos.
Até 1960, a Portela foi tetracampeã, resultado da competência de seus craques na Avenida e do trabalho intenso do patrono Natal nos bastidores. Dodô conduziu a “segunda” bandeira ainda nas vitórias de 1962, 1964 e 1966. Neste último, o do enredo “Memórias de um sargento de milícias” – cantado no samba de um jovem compositor chamado Paulinho da Viola –, esperou terminar a festa e comunicou que fora seu derradeiro desfile como porta-bandeira. Tinha 46 anos e inacreditáveis dezoito títulos.
Consolidada como baluarte, assumiu novo posto como comandante da Ala das Damas (vencedora do Estandarte de Ouro em 1991). Na primeira metade da década de 1970, a escola ganhou novo presidente, o bicheiro Carlos Teixeira Martins, o Carlinhos Maracanã, que presenteou Dodô com uma loja dentro do Portelão, a quadra inaugurada em 1972. Lá, recebia os turistas no ritmo de recordações emocionantes e frases divertidas, para vender camisetas e suvenires da Portela, até que outro presidente, Nilo Figueiredo (2005-2013), fechou o lugar. Eleito em 2013 para o cargo, o partideiro e cavaquinista Serginho Procópio, integrante da famosa Velha Guarda da escola, fez justiça à grande portelense e devolveu-lhe a loja na quadra, reformada em 2012.
Dodô merece. Em 2000, no aborrecido Carnaval temático, por causa dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, a escola, já mergulhada na crise que lhe impôs um imenso jejum de títulos – o último fora em 1984 –, fez um desfile opaco, mas a veterana foi um dos pontos altos da festa, ao voltar a empunhar o pavilhão azul e branco. Cruzou a Passarela do Samba com empenho igual aos tempos adolescentes e emocionou o público. Um mérito raro na esmaecida Portela, que conseguiu apenas o 7º  lugar.
Como vários fiéis da religião samba, a eterna primeira porta-bandeira lembra com saudade das muitas vitórias que protagonizou. Colecionadora minuciosa de vestidos, bandeiras, faixas, troféus e todo tipo de recordação da sua trajetória, acabou por transformar o segundo andar de sua casa, no mesmo Morro da Providência de sempre, num incrível museu do Carnaval. O azul e o branco, claro, dominam o lugar, onde Dodô recebe orgulhosa os visitantes, que ouvem fascinados a história e as histórias da anfitriã. Só não adianta procurar imagens da família. “Tenho fotos da minha mãe e do meu crioulo, mas não boto na parede. Prefiro assim”, avisa ela, que não teve filhos.
O Carnaval a levou de volta à sua Barra Mansa, onde batizou uma escola de samba. Vez ou outra, vai lá para ser homenageada. “A casa onde a gente morava ainda existe. Está escrito até hoje: Vila Otília”, conta, feliz, ao citar o nome da mãe.
O passado de glórias estará para sempre presente na vida de Dodô, que, quase um século depois de iniciar sua jornada carnavalesca, continuava desfilando além dos 90 anos de idade, lúcida e feliz. Ela viu tudo – todas as sucessoras no quesito do qual foi precursora, os bambas lendários da grande festa carioca, os desfiles da pioneira Praça Onze à milionária Passarela do Samba – e sabe o valor da alegria. A ponto de, no balanço que se permite fazer da própria vida, não ter dúvida. “Na outra encarnação quero vir eu. Do jeito que eu sou.”
O Carnaval só tem a agradecer.
FONTE: Aydano André Motta / CHOPE DO AYDANO

quinta-feira, maio 08, 2014

Jair Rodrigues, em entrevista, fala de tudo um pouco












“Eu não estou fazendo nada, você também…”, é um pedacinho da canção Deixa Isso Pra Lá, sucesso dos anos 60, criado por Jair Rodrigues. A canção e seu compositor são conhecidos como percussores do rap no Brasil, e já teve algumas regravações…

Jair Rodrigues de Oliveira, 74 anos, paulista de Igarapava, nasceu em 6 de fevereiro de 1939. Já foi engraxate, alfaiate, servente de pedreiro, faxineiro em cinema. Começou a cantar, profissionalmente, em 1957. É casado com Claudine Rodrigues há 39 anos, com quem tem dois filhos também músicos, Jair de Oliveira e Luciana Mello. Já gravou suas canções ao lado dos filhos ainda pequenos, além de dividir o palco em shows com Alcione, Chitãozinho e Xororó, Daniel, a saudosa Elis Regina, entre outros grandes nomes.

Em conversa com O Fuxico, o ‘Cachorrão’, apelido de Jair, disse que foi sua mãe quem deu a dica de que cantar seria o grande caminho de sua vida. Aliás, ele diz que foi dona Conceição quem lhe deu seu primeiro violão.

O cantor ainda mostrou-se contrário a imitações de cantores e dá um puxãozinho de orelha em Maria Rita, filha de sua grande amiga e parceira musical, Elis Regina:
“A Maria Rita canta muito. Mas entrou na onda de que a voz dela é igual a da mãe. A voz é igual po*** nenhuma. Ela tem que se achar”, orienta.

Confira!

O Fuxico: Como você vê a música brasileira hoje em dia?
Jair Rodrigues: Como sempre. Desde quando comecei, sempre vi a MPB como uma das maiores do mundo e não tem quem me tira isso da ideia. Comigo não tem essa de problema musical. Sempre procurei fazer do modo que sei fazer, sem crise. Aliás, não existe crise nem musical nem de lado nenhum, na minha opinião.

OF: Na época dos festivais a qualidade das músicas era melhor?
JR: Olha o que acontece é que antes dos festivais, quando comecei, ligado em Francisco Alves, o rei da voz, uma das vozes mais lindas que já teve Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Gonzagão, enfim, como exemplos cito estes, era uma coisa bonita de se ver e ouvir, porque todas emissoras de rádio, os clubes e os canais de TV exibiam. De repente, me vi dentro do cenário musical como profissional muitos jovens de 15, 16, 20 anos não conheceram esses nomes que falei. Talvez nem o meu (risos). Onde quero chegar? É que a culpa é do próprio radio que não divulga as músicas boas. Dia desses, cheguei de um show em Natal e um rapaz sentou do meu lado, tinha uns 15 anos, pediu autógrafo e disse: ‘Adoro os três discos de seresta que você fez. Meu pai comprou e estou ouvindo, ele te ama, morre de paixão’. Pena que isso a gente não ouve mais radio tocar. Só toca outras coisas. A época de Festivais foi maravilhosa. Meu primeiro foi em 1965, na extinta TV Excelsior. Participei e naquela vez, quem ganhou foi a saudosa Elis Regina com Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Cantei samba muito bonito. Em 1966, no Festival da Record, aí sim venci com Geraldo Vandré e Téo de Barros, com Disparada, empatando com a banda do Chico Buarque e com Nara Leão. Depois, nos outros que vieram, comecei a não querer participar.

OF: Por quê?
JR: Porque estava virando palhaçada. Virou ‘festivaia’, festival de clack, não sei quem teve ideia de colocar público pra torcer um cantor e vaiar outros. Sempre tem um espirito de porco pra estragar o que é bonito. O último festival aconteceu em São Paulo, e ninguém queria mais ir participar por causa dessas vaias. Até Roberto Carlos foi vaiado em 1967 quando participou. Eu tive um comecinho de vaia também. Em 1970 acabou, começaram os festivais da canção, mas não vingou, pois fizeram a mesma coisa. Ninguém gosta de ser vaiado, gostamos de aplauso. Todo mundo procurava fazer tudo direitinho, mas havia isso por parte de plateia. É sempre assim, no meio dos carneiros sempre tem um lobo.

OF: Quando você descobriu que queria ser músico?
JR: Isso quem descobriu foi minha falecida mãe, dona Conceição, que me deu o primeiro violão que tive nessa vida. Quando eu tinha meus 8 anos de idade, comecei a me ligar. Minha mãe me disse um dia: ‘você canta bonito, se continuar assim vai dar para um bom cantor (risos). Se liga, pois acho que Deus te deu o dom da música, e você sabe que se a pessoa não tiver dom, não vai pra frente. Pode fazer sucesso esporádico, mas não sobe. Chega aos píncaros da glória e depois cai e some de vez, porque não nasceram pra coisa. E olha, tem que se cuidar, ver repertório, coisas bonitas, seguir exemplo de gente que faz coisas boa, ela me dizia. Dos 14 anos em diante, eu me liguei nisso, Antes, queria mesmo era jogar bola. Dos 14 diante cantava, era crooner. Dos meus 6 aos 14 anos vivi em Nova Europa, interior de São Paulo. Depois fui para São Carlos, com 16 anos, me profissionalizei, cantei na noite, organizei meu repertorio.

OF: Daí, sua mãe ficou satisfeita?
JR: Minha mãe ficou feliz da vida. Ela disse ‘uma hora você acontece… ’. No final de 1959, meu irmão mais velho, Jairo, tinha se casado e vim tentar sorte por aqui. Em 1962, tive a oportunidade de gravar meu primeiro disco.

OF: Se você não fosse músico, qual seria sua segunda opção?
JR: Eu ia torcer pra ser músico (gargalhadas). Quando percebi que Deus tinha me dado realmente esse dom, abracei. E se existe um ser que agradeço a todo momento, hora, segundo, da minha vida, é Deus, minha mãe e meu irmão, por toda força e torcida que fizeram.

OF: Quem foram seus padrinhos, quem te deu aquela força pra começar a trilhar o sucesso?
JR: Quem investiu primeiro… Tive meu primeiro empresário, que tocou minha vida. Foi a dupla Venâncio & Corumbá. Eles faziam exatamente o que Caju & Castanha fazem hoje. Eram dois pernambucanos considerados, nos anos 50/60, como os maiores repentistas do Brasil. Cantavam de tudo e, na época, isso se chamava repente. Com a Venâncio & Corumbá Promoções (VEMBA) cantei em quase todos lugares da noite em São Paulo, boates que tinham música ao vivo, eu era um dos grandes da noite na época. Fiz muito sucesso numa boate chamada Asteca, na Praça República (SP), na Rua Araújo. Quando eles fizeram show lá e iam receber, me observavam cantando.

OF: E…?
JR: E daí, numa noite me convidaram para fazer parte do escritório que eles estavam montando. Me deram um cartão do escritório, caso eu quisesse trabalhar com eles. Fui lá e cantava noite em 1962 e tinha um esquema deles. Me levaram para gravar meu primeiro disco pela gravadora Philips, que na época era a melhor. Hoje, temos a Universal como a mais importante. Aliás, todas as gravadoras são importantes. Bom, na Philips tinha Jorge Benjor, Maria Bethânia, Nara Leão e tantos outros. Comecei a fazer parte e ali fui obtendo meus louros, gravando coisas bonitas.

OF: E qual foi o primeiro sucesso?
JR: A primeira música que fez sucesso foi Deixa Isso Pra Lá. Foi o primeiro rap lançado no mundo. Graças Deus, eu sempre fui preocupado em gravar sempre o melhor. Graças a Deus sempre tive um belo repertório. Posso fazer duas horas de show sem cantar música porcaria. Brinco com o público e me divirto cantando e divertindo as pessoas.

OF: O que seria música porcaria?
JR: Músicas fazendo apologia a drogas, ao palavrão, sem pé nem cabeça, sem letra. Esse batidão, besteirão; quando o cara entra e fala palavrão, isso não gosto. Mas como tem quem gosta, não vou falar mal. Eu não gosto, mas não vou meter o pau, tem lugar pra todo mundo. Mas pessoas devem fazer com que não permaneça esse estilo, essa música descartável, isso dura um curto tempo. Conheço artistas de sucesso no mundo todo, mas com esse tipo de música não caminham muito não. Muitos se desesperam e partem para o besteirol, tem noitadas com bebidas, mulherada, tudo pra aparecer. É fácil gravar coisas de qualidade quando se tem o dom da música. Muita gente canta um estilo que dura pouco tempo.

OF: Isso vale também para as imitações?
JR: Detesto que a pessoa venha imitando a outra, eu também já imitei muito cantor, tipo o Agostinho dos Santos. Daí, um cara me chamou e disse: ´menino você canta muito bem, mas se continuar imitando será sempre o outro. Você deve cantar repertório de todo mundo, Frank Sinatra, Johnny Mathis, todos que você cantar, vai se dar bem, mas faça com seu estilo que você vai longe´. Agradeço essa pessoa, que era militante do rádio Tamoio, do Rio de Janeiro, e não me recordo o nome. Mas foi ele que me deu a dica e segui. Deu certo. Por exemplo, a Maria Rita canta muito. Mas entrou na onda de que a voz dela é igual a da mãe. A voz é igual po*** nenhuma. Ela tem que se achar. Imitação não dá certo. Cante de tudo, mas do seu jeito, seja música americana, brasileira enfim, qualquer coisa, mas com seu jeito.

OF: Passou esse ensinamento para seus filhos?
JR: Sim. Sou o maior fã da Luciana. Outro dia ela disse: “Pai escolhe umas músicas pra mim”. Daí peguei os discos da Carmem Miranda, Maysa, Elisete Cardoso, Nara Leão, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Agostinho dos Santos, Dalva de Oliveira, tudo em vinil. Escolhi um repertorio dessas cantoras, emprestei minha vitrola pra ela e mandei ouvir.

OF: É fácil criar uma canção?
JR: Olha, já peguei Chico Buarque, Martinho da Vila, Djavan, Paulinho da Viola, todos que não aparecem mais e, quando a gente liga e pede uma música eles calam, não tem nada novo, não sei o que acontece com eles. Isso faz parte da decadência musical, se se tocassem mais esses nomes nas rádios e se eles criassem coisas novas teriam uma ênfase maior na carreira, seria legal. Não sou compositor, sou interprete, não tenho necessidade de correr atrás de música nova aos 54 anos de carreira.

OF: E como segue com tanto sucesso:
JR: Hoje só permaneço assim, faço cerca de 4 a 5 shows por semana. Graças Deus tudo dá certo e com meus 74 anos de idade, agora sei que é só permanecer assim, que não há problema. A moçada que começa e não é compositor devia se ligar para aparecer mais cantores da nova geração. Um cantor novo gravar Chico Buarque? Caetano? Não vejo isso.

OF: Na época que começou, era bem mais difícil entrar no ramo não era?
JR: Olha, digo que hoje em dia, realmente, é mais difícil. Naquela época o artista era contratado por uma gravadora durante 3 anos. Meus primeiros discos, lançados em 1962, 1963, não tiveram sucesso. Em 1964 sim, veio o sucesso. Também porque a gravadora fazia uma grande divulgação. Hoje não é mais assim, como todas gravadoras estão praticamente falidas, elas não divulgam muito. Os que gravam independente tem que ele mesmo prensar, pagar, ir atrás, levar na rádio, na TV, divulgar. Poucas emissoras tem um quadro musical de qualidade. Nem de péssima nem má qualidade, simplesmente não tem. Os dias de hoje são bem mais difíceis que antigamente. Na época que comecei, o artista tinha a força da gravadora, apresentações em clubes. O artista ganhava dinheiro em show e vendagem de discos. Hoje não tem mais isso. Se o artista não pegar um Eike Batista da vida pra cacifar a carreira, não vai.

OF: E essa história de baixar músicas pela internet, atrapalha?
JR: Atrapalha um pouco, porque ele baixa a música e a gente não recebe nada. Se o artista não fizer show não vai. Antigamente, por telefone ou na própria emissora, o artista recebia cachê ao dar uma entrevista. Até pra divulgar disco em lojas, radio, a própria loja te dava um cachê. Hoje não tem mais isso. Antes, o cantor ganhava de todos os lados. E ainda temos aí a pirataria, que lança o disco todo de um artista e vende a R$ 3 ou R$ 4. Não dá para competir com isso.

OF: O que acha dos atuais reality shows musicais exibidos na TV em busca de novos talentos?
JR: Acho que acaba logo, porque não é uma coisa bem feita. De repente, as emissoras colocam uns caras pra comentar um artista, essas coisas não rolam. Veja, em um show que fiz em Natal, no mês passado, fui convidado pelo Isaac Galvão, que ganhou o segundo lugar no Ídolos Brasil. Ele canta que é uma maravilha, fizemos um baita show em Natal, levei músicos meu, cantei com a banda dele. Ele é bom, venceu o programa. E? Foi só. Depois, apareceu um novo, jogaram esse pra escanteio. O cara, enquanto participa da atração, tá tudo bem, cheio de trabalho. Depois não acontece nada.

OF: Por que acha que isso acontece?
JR: Porque não tem seriedade. Deviam pegar o cara no ar, na TV, pra dar sequência na carreira, não deixar pra lá quando o programa acaba. O próprio artista fica feliz. O próprio Programa Raul Gil (SBT), depois que as pessoas vencem os concursos por lá, ninguém faz nada por estes artistas. Falta isso, o interesse musical verdadeiro. A nossa música é querida fora do País. Eu fui para a Europa e Argentina, já andei por esse mundo de meu Deus e sei quanto é divulgada e querida nossa música lá fora. Precisa é o brasileiro gostar da música brasileira. Aqui, tocam mais músicas estrangeiras. Vamos tocar coisas da nossa música brasileira, fazer nova geração gostar de tudo que é nosso.

OF: Como é ser chamado de pai do rap?
JR: Vi uma parte da imprensa, na época que lancei Deixa Isso Pra lá, que afirmava em todos cantos que eu seria mais um cantor de uma música só. Eu fiz esse povo engolir todas as palavras quando ganhei o festival de 1966 com Disparada. Não tive só prazer na vida, com Deixa isso Pra Lá. Também ouvi que não faria grande sucesso e seria gente passageira. Mas, era um rap que não falava mal de ninguém. Era simples vai, vai, por mim Balanço de amor, é assim mãozinha com mãozinha pra lá beijinhos e beijinhos pra cá… ´, muito bacana, e caiu na boca do povo. E não tem nenhum palavrão nessa música. Esperei o tempo passar e vi a retratação de quem falou mal.

OF: Quem disse que você foi o percussor do rap?
JR: O primeiro a dizer que fui percussor foi Herbert Viana, em 1987, quando participei do Festival de Montreaux, na Suíça. No ônibus, as pessoas começaram a cantar e diziam que era uma música com palavras faladas (risos). O Herbert disse alto, pra todo mundo ouvir: ‘olha, gente, tá sentado aqui do meu lado o sambista, primeiro versador pai do rap, do Jairzinho e da Luciana’. Ele me contou que o rap vem de versar as palavras, não do ritmo. Eu tive a felicidade de criar isso.

OF: Quais os ritmos que gosta? O que gosta de ouvir?
JR: Depende hora. Gosto de tudo! Só não escuto coisas que falam palavrão, ou, às vezes, até escuto para opinar pra mim mesmo. Outro dia fiquei indignado quando vi o que ocorreu com a Rita Lee. Ela sempre cantou coisas boas e, de repente, a vi brigando e xingando policial. Eu disse: ‘Pra quê isso, gente?’. Se gosta de beber ou usar drogas problema teu não passe a ninguém. Infelizmente, a gente vê artistas irem embora por causa disso. Lembrando a voz maravilhosa, que até minha filha e eu comentamos um dia, que era o que estava faltando na música, a Ammy Winehouse, perdeu a vida para as drogas. Isso é triste.

OF: No que você já trabalhou antes do sucesso?
JR: Vixe, minha filha (risos), quando eu era menino, com meus 5, 6 anos, ajudava minha mãe e meu padrasto. Ela casou de novo e meu padrasto me criou. Meu pai era amansador de burro brabo e trabalhava também na roça. Minha mãe era empregada de donos de fazenda e eu ajudava. Também fui engraxate de final de semana. Depois, com 8 pra 9 anos, minha mãe me colocou para ser aprendiz de alfaiate. Quando não costurava nada, trabalhava como servente de pedreiro lavava peças de oficina mecânica e também lavei muito cinema. O dono que apresentava os filmes no cinema me deu o emprego de limpar o cinema. Ganhava cinco mil réis, sendo que minha mãe ficava com três mil e eu com dois mil, para gastar como eu quisesse. Não era como os dias de hoje, que os garotos reclamam de tudo. Deviam levar peteleco na orelha para respeitar o trabalho, desde pequeno. Vejo em novela essa meninada mal criada e penso que não é bom exemplo.

OF: Como foi encarar o trabalho como ator em Super Nada [filme lançado este ano, na mostra Novos Rumos do Festival do Rio].
JR: Olha, em 1968 fiz um filme chamado Jovens pra Frente, último trabalho do saudoso Oscarito, com a cantora Rosemary, eu, Clara Nunes. Depois, nos anos 80 pra 90, fiz papel de pai Jairzinho num filme. Ai, um produtor e diretor do Super Nada me mostrou script, queria que eu fizesse, pois achava que o personagem tinha a minha cara. Participei e recebi, no Festival de Cinema de Gramado, a placa como Melhor Ator Coadjuvante. Agora, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, também falaram muito desse trabalho.

OF: Com isso, você pensa em coordenar uma carreira de ator junto com a de cantor?
JR: Já fui convidado pra fazer outros. Tudo bem, gostei muito, mas meu negócio mesmo é música. Se fosse um musica,l eu faria.  A não ser que fosse também, por exemplo, um filme musical, com muitos artistas, como Gil, Caetano, Gal, esse pessoal que convivi, que começamos juntos, além de artistas de outras áreas e diferentes ritmos, aí sim

F: Agora você prepara o lançamento do Sambão Mesmo, produzido por seu filho, Jair Oliveira. O que podemos esperar deste trabalho?
JR: O Jairzinho me falou, há 5, 6 meses, que eu fui o único artista que, embora cante samba, já gravou de tudo, bossa nova, tango, bolero, música italiana. A coisa mais extraordinária que fiz foram três discos de serestas. Daí, ele queria pegar uma música do Roberto carlos, outra do Gilberto Gil, outra de seresteiros, separar tudo que eu mais gosto para fazer um disco duplo, cantando tudo isso em ritmo de samba, gravar um bolero, um samba canção, tudo em ritmo de samba mais regional, romântico. Escolhemos coisas de Chico Cesar que tem um repertório bacana. Jairzinho entra com flauta, cavaquinho, viola, violão, sopro e com varias coisas de percussão, surdo, pandeiro, reco-reco. Vamos botar pra quebrar (risos). Já entrou com pedido da Lei Rouanet e foi liberado tudo já, só estamos aguardando o Jairzinho terminar de fazer o disco Grandes Pequeninos Vol. 2, para crianças, e daí vamos tocar o projeto.

OF: Você fala outras línguas, como Japonês, Inglês, italiano?
JR: Nada (risos). Falava 100% de Inglês, Espanhol eu falo e entendo, japa não falo, mas entendo. Inglês já esqueci tudo. Nos anos 60, eu tinha um professor de inglês britânico. Agora, não sei falar. Estou até retomando os estudos, caso faça uma viagem para fora, tenho de me ligar.

OF: Como é trabalhar com a família?
JR: É legal pois Jairzinho, quando tinha 5/6 anos, gravou comigo a música Deus Salvador. Eu esquecia a letra e ele me lembrava (risos). A Luciana, com 4 anos, também já tinha voz afinada. O Rildo Hora produziu um disco meu e fomos escolher o repertorio. Ela entrou na segunda estrofe e ele gostou muito da voz grossa e firme dela. Ele fez os arranjos e no dia de gravar ela foi junto. Hoje, todos com voz diferente, mas sempre gostaram músicas, tipo, Emilio Santiago, Jorge Benjor, minhas musicas também. Gravaram minhas músicas já, cada um com seu estilo de voz. Jairzinho foi estudar em Boston, na Berkeley. Aprendeu de tudo, agora fazemos shows juntos, interativos, sempre a Família Rodrigues. É maravilhoso estar no palco com meus filhos. Agora temos vários shows juntos agendados.

OF: Como é o Jair avô?
JR: Por enquanto não curto de perto, pois continuo com muito show. Sei bem que a filha da Luciana, a Nina, de 4 anos, tem o dom como cantora. Já pedi para o Jairzinho ensinar as crianças da família e montar uma banda para as meninas cantarem (risos). Já a Laura, filha do Jairzinho com a Tania Khalil, ainda é pequenininha, não sabe cantar.  bote as duas. Laura ainda não sabe. Nina e Isabella (6 anos, filha de Jairzinho) sabem ler e cantar afinadíssimas. Outra que vai dar o que falar no mundo da música com seu talento é a Rafaela, de 6 anos, filha do Pedro Mariano.

OF: Você e Claudine estão juntos há quantos anos? Como é que se mantém um casamento por tantos anos assim?
JR: Temos 39 anos de amor, respeito, conversação. Brigas sempre ocorrem, mas nunca bate boca, sempre uma discussão dentro do respeito, o que se fala demais, pede desculpa depois. Respeito é tudo.

OF: É verdade que você sabe cozinhar? Onde aprendeu e o que agrada mais a Clo?
JR: Sei cozinhar sim. Aprendi ainda menino, quando ia trabalhar na roça e ia pra escola. Minha mãe dizia: “Vocês vão para a escola e depois aprende fazer arroz, feijão, salada, um ovo, pra levar lá na roça”. Eu só não como chumbo derretido porque desce queimando (risos). Faço rabada, mocotó, tudo. Gosto de inventar, por exemplo, na minha rabada ponho coisas que não tem nada a ver, mas  sempre o que não tem nada a ver mas gosto: pé de frango e moela. Já a Claudine não come carne vermelha, só frango e peixe. Gosta de comida japonesa, mas essa não sei fazer. Então preparo para ela arroz feijão, peixe. Tem nossa Irene lá em casa que faz tudo e muito bem. Agora, uma coisa é certa: a pessoa pode fazer de tudo, mas se não acertar no tempero, estraga tudo.

OF: Você acha que o Brasil tem jeito ainda?
JR: Claro que tem, não são esses vagabundos, ladrões da vida que vão estragar. Tem jeito e tem muita gente torcendo e fazendo para que esse jeito aconteça. Tomara que a bandidagem, que não cuida da educação, da saúde  tome vergonha. Tenho certeza que isso vai acontecer. Nosso País não pode ficar atrás, um País que se tornou o maior do mundo. Só vou embora daqui quando Deus me levar. Vou pegar no pé de quem quer um Brasil podre. O Brasil tem mais coisas boas que ruins.

OF: Como é seu público fora do Brasil? Como te recebem?
JR: Na França tem francês, brasileiro, americano, no Japão também. Mas o país que mais tem pessoas de outras partes do mundo é o Brasil. Sempre sou chamado e sei que sou muito querido em todo lugar que vou, porque sempre levei minha carreira a serio, dou atenção a todos. Se pedem uma música que nem está no repertório daquela apresentação, mesmo assim, atendo e canto. O artista tem que ser assim e assim tenho o respeito de todo mundo. Eu respeito pra ser respeitado. Roupa suja se lava em casa (ri).

OF: O que tira você do sério?
JR: Ah, quando jogo bola, xingo, mando tudo quanto é palavrão (risos). Não gosto de perder, e se o cabra não quer tocar a bola pra mim, solto o palavreado lá. Outra coisa que me irrita é falta de respeito com os outros. As pessoas ficam no trânsito e buzinam para quem passa na frente. Tem ainda os mal educados que ligam o rádio num volume que você é obrigado a ouvir a 2 quilômetros. Falta de respeito!

OF: Alguma coisa te deixa triste?
JR: Coisas que me deixam triste é quando quero comer algo que não dá certo. Daí fico muito tristeu. Tenho uma imagem de Jesus Cristo,que me faz ter um sexto sentido danado. É uma coisa extraordinária!  Se eu penso em ir num lugar e, de repente bate algo estranho, na hora olho para Ele. Se Ele sorrir, eu vou, do contrário, sei que nem tenho de sair de casa.

Fonte: Ará Rocha-O Fuxico

quinta-feira, maio 24, 2012

Zezé, Ninita e Chiquim



Pela boca de seus personagens, Henfil criticava intelectuais e investia contra a ditadura militar








Uma ave magrinha, mas muito combativa, chamada Graúna; um bode intelectual, Francisco Orelana, que gostava de devorar livros; um “cangaceiro-macho-lutador”, porém dado a gestos carinhosos, de nome Zeferino. São estes os três personagens criados pelo cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil (1944-1988), para discutir – esporadicamente no semanário O Pasquim, diariamente no Jornal do Brasil e mensalmente na revista Fradim – os problemas sociais, políticos e econômicos por que passava o Brasil dos anos 1970. O curioso trio habita um lugar denominado Alto da Caatinga, onde tudo parece uma metáfora do país que o humorista quis retratar.
O cenário onde circulam os personagens é desolador. Os cactos, que acentuam a aridez local, são uma alegoria da escassez e do desconforto. As caveiras de gado – os macabros “Caverinos” – simbolizam a proximidade da morte. E o sol causticante, que não dá trégua ao grupo, representaria a situação sufocante imposta ao país pela ditadura militar instaurada em 1964. Neste ambiente de privações há, no entanto, espaço para delicadezas. Graúna, na intimidade, chama Zeferino de Zefé ou Zezé. O cangaceiro chama a ave de Ninita, e ambos tratam o “bode pensador” como Chico ou Chiquim. Só este último, talvez por seu caráter pragmático e pouco afeito a sentimentalismos, não adota apelidos afetuosos no tratamento com os parceiros.
Segundo o próprio Henfil, a criação de Zefé, Ninita e Chiquim foi inspirada em leituras variadas: Guimarães Rosa (1908-1967), Jorge de Lima (1895-1953) e – sobretudo – Os sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909) e os filmes de Glauber Rocha (1939-1981). Zeferino Ribamar das Mercês (nome completo de Zefé) foi o personagem que saiu em primeiro lugar da prancheta de Henfil. Ele reflete, de forma clara, as influências familiares do criador: seus ascendentes eram naturais do chamado polígono das secas, no norte de Minas Gerais, cujo clima, e os problemas sociais dele decorrentes, são bem semelhantes aos da região nordeste. Nas palavras do cartunista: “Zeferino seria um pouco como meu pai”. Seu Henrique fora tocador de acordeão e tropeiro durante a infância, na Fazenda Saco Grande, em Pirapora, ao norte de Belo Horizonte e, segundo o filho, tinha uma “visão arejada do mundo”.
Zeferino consegue, através de suas atitudes rústicas, expressar ao mesmo tempo a simplicidade, a resignação, a astúcia e a altivez do povo dos sertões. Trata-se, ao que parece, de um homem de meia idade cujos trajes, hábitos, discursos e práticas revelam sua condição de jagunço. O chapéu de couro, as cartucheiras enlaçadas ao corpo e as alpercatas reforçam sua condição social de sertanejo.
Traços fisionômicos marcantes – olhar agressivo, peito largo e fartos bigodes, associados a apetrechos pessoais como armas (facão, revolver ou carabina) e a rede em que dorme (própria da condição de despossuído) – constroem a imagem de “cabra valente” constantemente desmentida por gestos acovardados e por vezes hesitantes. Zeferino simbolizava a força bruta que poderia servir tanto à massa de dominados como às elites dominantes. No seu relacionamento com a Graúna, por exemplo, prevalecia uma postura arcaica, paternal, conservadora e repleta de preconceitos. Já com o bode Orelana ele tenta instaurar um pacto harmonioso.
A fala de Zeferino mistura um repertório sertanejo cheio de arcaísmos a enunciações próprias do espaço intelectual urbano, de onde Henfil retirava o conteúdo das suas histórias. Numa tira, ele anuncia ao bode as despesas médicas que vai deduzir de sua declaração de imposto de renda (“No exercício de 75 gastei 28 velas, 12 galinhas pretas e 18 charutos!”), mas, quando perguntado pelo parceiro se acha que os “técnicos do tesouro vão entender isso”, Zeferino conclui: “Então coloca na linguagem do Sul-maravilha: fui 28 vezes ao dentista, 12 ao cardiologista e 18 ao psicanalista!”, onde o “sul-maravilha” se torna a representação do Brasil venturoso vulgarizado nas propagandas oficiais do regime militar.
Através de uma linguagem rústica, o jagunço fazia reflexões cômicas sobre os mecanismos de opressão e os rumos da luta contra a ditadura. Ele é, na concepção de Henfil, a representação de um novo agente revolucionário: o povo fustigado pela miséria e pela fome que queria reverter essa situação por meio da violência. Ao contrário do sertanejo descrito por Euclides da Cunha como os “homens mais bravos e mais inúteis de nossa terra”, na caatinga inventada por Henfil “os bravos inúteis transformam-se em bravos úteis”, na expressão da escritora Walnice Galvão.
Se por um lado Zeferino concentrava um potencial simbólico “de esquerda”, por outro era dado a valores e práticas “de direita”, evidenciados no seu conservadorismo machista imposto pela força física e pelas armas. Quando ele contracena diretamente com a Graúna, este aspecto se torna bem evidente, numa relação com um claro teor sexual, especificamente sadomasoquista., porém temperada com pitadas de “luta de classes”. Em uma tira na qual apanha bastante de um Zeferino bêbado, por exemplo, ela ainda tem a força e o humor para dizer: “Às vezes penso em largar deste negocio de política e ficar só apanhando do Zezé”. A astuta Graúna das Mercês – seu nome completo – foi o segundo personagem a surgir no Alto da Caatinga. Ela tem a habilidade de silenciar e amedrontar, apesar da sua fragilidade física, o bode intelectual e o cangaceiro. Os traços rápidos que definem seu corpo, compondo algo similar a um ponto de exclamação, ajudam a compreender sua personalidade.
No rosto da Graúna destacam-se os grandes olhos que não raro fixam o leitor, talvez para envolvê-lo mais nos seus argumentos. Os olhos são os reais definidores do seu temperamento, do seu estado de espírito e do seu humor. Os traços da ave, mais espessos nas primeiras histórias, foram gradativamente se tornando delgados e se resumindo, no final, ao estritamente necessário, de modo a fazer sobressair seu espírito arguto e atuante. É ela que confere dinâmica à vida na caatinga e questiona atuação e os discursos das esquerdas, através do que Henfil denominava “o canto feminino de autocrítica da Graúna”.
Pelo seu espírito crítico, ela poderia ser definida como a personagem que coloca às claras as questões subjacentes aos textos dos companheiros Zeferino e Bode Orelana. Sua ingenuidade, segundo o autor, a tornava “muito humana e muito passível de o leitor se identificar”. Seus “sonhos de consumo” eram os mais frugais possíveis. Uma fita durex, por exemplo. “Ela já ouviu falar disso, mas não sabe o que é. Está louca para alguém do sul-maravilha trazer uma fita durex pra ela conhecer”, a ‘fita durex’ sendo mais uma alusão ao clima de  euforia criado pela propaganda do governo.
Destaca-se, finalmente, a atuação do bode Francisco Orelana. Além de designar a conhecida espécie caprina, encontra-se no dicionário Aurélio a seguinte definição para a palavra bode: “Estado depressivo, ou de sonolência, provocado por droga, ou não. Situação embaraçosa, difícil, complicada ou deprimente”. Assim, o personagem que devorava livros podia servir muito bem como metáfora de um certo estado de espírito que caracterizava a intelectualidade brasileira no limiar da década de 1970, quando Orelana, o intelectual do Alto da Caatinga, veio ao mundo.
O papel do bode era repassar aos companheiros o saber absorvido através da leitura/deglutição dos livros e propalar uma proposta de conteúdo revolucionário. Segundo o depoimento de Henfil, a inspiração para a criação de personagem tão curioso veio de seus contatos com o amigo Elomar, músico e criador de bodes. De fato, Orelana com seu nariz saliente, barbicha, olhos e orelhas grandes, parece reproduzir as feições do cantador nordestino. Fora isso, o personagem exibe uma inocência quase virginal ante as coisas referentes à vida mundana, passando por vezes da condição de condutor à de conduzido.
Características como ambigüidade, contradição, covardia e neurose estão presentes em todos os componentes do grupo, mas em Orelana elas se associam e entram em conflito com seu caráter extremamente crítico. Por intermédio dele, Henfil parece querer manter aceso o debate intelectual num período que a falta de liberdade tornava especialmente medíocre em matéria de discussões. A participação de Orelana tinha o papel de aproximar os leitores dos impasses e conflitos que afligiam os intelectuais brasileiros depois do AI-5. É através do bode que Henfil defende suas posições políticas, propondo a subversão dos valores cultivados pela direita conservadora. “Lutar contra as injustiças sociais, a sociedade pequeno burguesa, as multinacionais, enfim o capitalismo imperialista!” declara Orelana numa tira.
Foi também por meio do personagem Chiquim que Henfil abordou o problema da autocensura. Tratava-se de denunciar aí não só a censura prévia, instituída pelo regime militar, mas também aquela outra, gerada pelo medo que tomava conta dos cidadãos, especialmente intelectuais e jornalistas, ao expressarem suas opiniões. Orelana e seu grupo tratavam de questões e problemas que na época atormentavam artistas e intelectuais “engajados” como Henfil. Estes não deixavam de correr riscos ao assumir uma postura de resistência ao regime. O humorista morreu precocemente, aos 44 anos, mas a tempo de assistir ao processo de redemocratização pelo qual lutou, com as armas da criatividade e do humor, através dos seus famosos personagens.
Maria da Conceição Francisca Pires é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e autora da tese “Cultura e Política entre Fradins, Zeferinos, Graúnas e Orelanas” (UFF, 2006).
Saiba Mais - Bibliografia:
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários nos Tempos da Imprensa Alternativa. SP: EDUSP, 2003.
MORAES, Denis. O Rebelde do Traço: a vida de Henfil. RJ: Jose Olympio.1996.
SALIBA, E. T. Raízes do Riso: a Representação Humorística na História brasileira da Belle Époque aos primeiros tempos do Rádio. SP: Cia das Letras, 2002.
VERENA, Alberti. O Riso e o Risível na História do Pensamento. RJ: Jorge Zahar. Ed. FGV, 1999.

FONTE: REVISTA DE HISTÓRIA

























quarta-feira, março 28, 2012

Um autorretrato de Chico Anysio


Em texto publicado com exclusividade, humorista relembra o menino tímido, calado, subnutrido e de grande olhos

Num Natal, já faz alguns anos, Chico Anysio escreveu um texto e pensou em usá-lo na TV Globo. Acabou não fazendo isso. O texto permaneceu inédito e agora é publicado com exclusividade pelo O GLOBO. Trata-se de um texto autobiográfico, em que o humorista — que morreu na sexta-feira passada, aos 80 anos — relembra o menino que um dia foi.

Apesar do tom melancólico e triste, há uma passagem bem-humorada, quando ele diz que o mundo pode ser um inferno ou uma badalação, dependendo se ele é visto pelo escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues ou pelo novelista Gilberto Braga.

O texto mostra o Chico Anysio já adulto procurando pelo Chico Anysio ainda criança, um menino de 11 anos, comum, tímido, com grandes olhos, "desproporcionais ao tamanho do rosto".

Nessa busca, ele relembra um amor não correspondido, os brinquedos de infância, as roupas de época, os sentimentos de então. Um autorretrato revelador e inédito de um grande gênio do humor nacional. Leia abaixo o texto:

O meninode Chico Anysio

Vou fazer um apelo. É o caso de um menino desaparecido.

Ele tem 11 anos, mas parece menos; pesa 30 quilos, mas parece menos; é brasileiro, mas parece menos.

É um menino normal, ou seja: subnutrido, desses milhares de meninos que não pediram pra nascer; ao contrário: nasceram pra pedir.

Calado demais pra sua idade, sofrido demais pra sua idade, com idade demais pra sua idade. É, como a maioria, um desses meninos de 11 anos que ainda não tiveram infância.

Parece ser menor carente, mas, se é, não sabe disso. Nunca esteve na Febem, portanto, não teve tempo de aprender a ser criança-problema. Anda descalço por amor à bola.

Suas roupas são de segunda mão, seus livros são de segunda mão e tem a desconfiança de que a sua própria história alguém já viveu antes.

Do amor não correspondido pela professora, descobriu que viver dói. Viveu cada verso de "Romeu e Julieta", sem nunca ter lido a história.

Foi Dom Quixote sem precisar de Cervantes e sabe, por intuição, que o mundo pode ser um inferno ou uma badalação, dependendo se ele é visto pelo Nelson Rodrigues ou pelo Gilberto Braga.

De seu, tinha uma árvore, um estilingue zero quilômetro e um pássaro preto que cantava no dedo e dormia em seu quarto.

Tímido até a ousadia, seus silêncios grita nos cantos da casa e seus prantos eram goteiras no telhado de sua alma.

Trajava, na ocasião em que desapareceu, uns olhos pretos muito assustados e eu não digo isso pra ser original: é que a primeira coisa que chama a atenção no menino são os grandes olhos, desproporcionais ao tamanho do rosto.

Mas usava calças curtas de caroá, suspensórios de elástico, camisa branca e um estranho boné que, embora seguro pelas orelhas, teimava em tombar pro nariz.

Foi visto pela última vez com uma pipa na mão, mas é de todo improvável que a pipa o tenha empinado. Se bem que, sonhador de jeito que ele é, não duvido nada.

Sequestrado, não foi, porque é um menino que nasceu sem resgate.

Como vocês veem, é um menino comum, desses que desaparecem às dezenas todas os dias.

Mas se alguém souber de alguma notícia, me procure, por favor, porque... ou eu encontro de novo esse menino que um dia eu fui, ou eu não sei o que vai ser de mim.

FONTE: GLOBO.COM