REPÚBLICA DE PALMARES
A história da República de Palmares mostra-se especialmente peculiar. Não se conhece, por exemplo, nenhuma fonte produzida pelos próprios palmarinos. (FREITAS, 2004) .
Palmares nasceu com o perfil africano e com gentes brasis: índios, negros, brancos e mestiços. A riqueza da obra está mais no projeto social que ela nos oferece e menos na capacidade bélica e militar de Palmares e seus líderes, Ganga-Zumba e Zumbi. Em Alagoas, terra onde os organizadores e lideranças palmarinas, Aqualtune,Ganga-Zumba, Zumbi e outros fixaram a Capital Cacus, atual Serra da Barriga, desde os anos oitenta se presta homenagem a Zumbi e celebram as conquistas de todos os quilombolas que foram assassinados pelo comandante do exército português Bernardo Vieira de Melo e Domingos Jorge Velho [...], tendo na figura de Zumbi dos Palmares a personalidade mais emblemática da história do negro. Para Zumbi o ideal de liberdade e a capacidade de organização eram os princípios fundamentais para uma convivência com respeito às diferenças. (ARAÚJO, 2004) .
SITUAÇÃO FÍSICA E GEOGRÁFICA DE PALMARES, ESPAÇO, ESTRUTURA
O Quilombo de Palmares: estende-se pela parte superior do Rio São Francisco uma corda de mata brava, que vem a fazer termo sobre o sertão do Cabo de Santo Agostinho correndo quase norte a sul, do mesmo modo que corre a costa do mar. Foram as árvores, principais palmeiras agrestes, que deram ao terreno o nome de Palmares. Estas palmeiras são tão fecundas para todos os usos da vida humana, que delas se faz vinho, azeite, sal, roupas; as folhas servem para cobrir casa; os ramos, para os esteios da cobertura da casa; os frutos servem de sustento; além de todos os gêneros de ligaduras e amarras.
Palmares é entrecortada por outras matas de diversas árvores. Na área Noroeste está o Mucambo de Zumbi a dezesseis léguas de Porto Calvo; ao Norte, a cinco léguas de distância, o de Aquatirene, a mãe do Rei; ao Leste, os mocambos chamados das Tobocas; quatorze léguas ao noroeste o de Dambrabanga; ao norte deste oito léguas, a cerca chamada Subupiraé; e ao norte desta seis léguas, a cerca real chamada o macaco.
O Rei era Ganga-Zumba que quer dizer Senhor Grande – Rei e Senhor de todos os que são de Palmares, e dos que chegam. O Rei habita o Palácio com sua família e é assistido por guardas e oficiais que também têm suas casas reais. A cidade real, O Macaco, é a metrópole entre outras cidades e povoações, toda fortificada, cercada de pau-a-pique, com mais de mil e quinhentas casas habitadas. Entre os habitantes há Ministros da Justiça que cuidavam da República.
A cidade tinha sua capela, com imagens de Menino Jesus, Nossa Senhora da Conceição e São Brás, realizavam-se casamentos, batizados, porém sem a forma determinada pela Igreja.
Logo Palmares era a cidade principal, dominada pelo Rei, e as outras cidades ficavam a cargo de potentados e casos. A segunda cidade chamava-se Subupira, onde vivia o irmão do Rei, O Lona, onde corre o rio Cachingi.
Algumas das razões por que as Entradas ao Quilombo de Palmares não conseguiam facilmente destruí-lo eram os caminhos, a falta d´água, o desconforto dos soldados, elevadas serras, matas espessas, muitos espinhos, muitos precipícios; tudo concorria para que os soldados, que levavam às costas a arma, pólvora, balas, capote, farinha, água, peixe, carne e rede para dormir, enfrentavam dificuldades, além dos rigores do frio entre as montanhas. Isso tornava quase impossível o acesso ao local do quilombo.
O grande objetivo do poder oficial era que se destruíssem os Palmares, pois assim teriam terras para a sua cultura, negros para o seu serviço e honra para a sua estimação. Dentre as levas de ataques a Palmares registram-se o de Acaiene (Acotirene), a mãe do Rei, o desmantelamento de uma comunidade onde prenderam de uma só vez cinqüenta e seis negros juntos, a maioria mulheres. Desse encontro levaram prisioneiro o Sangamuisa, Mestre de Campo da gente de Angola, e genro do Rei. Notório também foi o Mucambo de Amaro, a nove léguas de Serinhaem, com mais de mil casas, onde foi descoberto que se encontrava o Rei. Aí travaram grande cerco para fechar a saída do sítio. O Rei conseguiu escapar “tão arrojadamente, que largou uma pistola dourada e a espada que usava “estes negros que se aglomeravam com o Amaro uma parte se salvou, mataram grande número e feriram outros tantos. Cativaram mais o Anaguba com dois filhos do Rei, um chamado Zumbi, e uma filha chamada Tavianena. Pereceu também o Tuculo, filho do Rei, grande corsário, o Pacasã e o Daubi, poderosos senhores da luta quilombola”. Esses eventos abalaram Palmares. Consta, em documentos dos arquivos analisados por Freitas (2004), que a região Palmarina tinha maior circunferência que todo o reino de Portugal.
GANGA-ZUMBA
O significado da importância de Ganga-Zumba está relacionado à necessidade de compreensão da sociedade que se empenhava em destruir Palmares, principalmente os conflitos que determinaram as contradições essenciais entre escravizados e senhores de escravos.
São múltiplas as interpretações da capitulação de Ganga-Zumba.
No período de 1670 a 1687 Palmares foi governada por Ganga-Zumba, que vivia na fortaleza Quilombola do Macaco, fundada em 1642.
Ganga-Zumba em 1678 tinha firmado um tratado de paz com as autoridades coloniais, após um período de lutas entre conflitos, avanços, recuos, exercícios de destreza militar.
Após várias expedições para destruição de Palmares o Governo de Pernambuco propõe um acordo que Ganga-Zumba assina em Recife. O acordo não foi cumprido o que foi considerado um equívoco político gravíssimo pelo qual Palmares pagou com a destruição do Quilombo oficial em CACAU e das estruturas da luta.
Zumbi foi aclamado Rei e conduziu com firmeza a luta mais embelmática dos Quilombos da América (PRICE, 1996) .
ZUMBI DOS PALMARES Zumbi, o general das armas, cujo nome significa DEUS DAS ARMAS, negro de singular valor, grande ânimo, constância admirável, e inimigo capital da dominação dos brancos. A documentação assim se refere a Zumbi: este é o mentor de todos, o mais destemido, o estorvo de nossos bons sucessos, porque a sua “indústria”, “viço” e constância, a nós nos serve de embaraço e aos seus de incitamento, diz a literatura colonial (FREITAS, 2004) . É conhecido o fato de que Zumbi rebelou-se contra o pacto celebrado entre Ganga Zumba e o Estado colonial. Em decorrência, Zumbi assumiu o poder em Palmares e intensificou a luta contra os proprietários, as autoridades, o sistema colonial e a escravidão.
O Rei de Portugal escreveu uma carta ao Comandante, capitão Zumbi dos Palmares, sobre a intensidade do combate e da convicção de Zumbi à frente da luta, com o apoio dos Quilombolas, seus companheiros. Dada a recusa de Zumbi, em aceitar negociações de paz entre Palmares e o Estado colonial, depois de reorganizar o seu povo no Quilombo Real, o exercito colonial, sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho, circunda as áreas centrais do Quilombo de Palmares.
Na noite de 6 de fevereiro de 1694 os canhões de Domingos Jorge Velho atingiram a cerca Real de Macaco, destruindo o último reduto de Palmares.
Zumbi aos 39 anos de idade, combatente há 25, conseguiu escapar com vida, mas foi finalmente capturado, lutando sem hesitação.
Este fato ocorreu no dia 20 de novembro de 1695. O corpo de Zumbi foi levado para a Cidade de Porto Calvo. Hoje, no Brasil, o dia 20 de novembro é o dia Nacional da Consciência Negra em homenagem à figura emblemática do herói nacional, Zumbi dos Palmares, e sua herança político-civilizatória, pela construção de uma nova sociedade, onde as diferenças tenham suas liberdades respeitadas e sua dignidade reconhecida (SIQUEIRA; CARDOSO, 1995) .
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DE PALMARES
A organização social e política de Palmares refletia os princípios, valores, costumes, tradições e religiões de um Estado africano, com estrutura, organização, hierarquia e socialização.
1) O coletivismo econômico dos palmarinos – tudo é de todos, nada é de ninguém-, tudo que plantam e colhem é depositado em mãos do Conselho.
2) A existência de instituições políticas.
3) O Conselho de Justiça – recebe as queixas familiares e das Repúblicas que são analisadas “sem recurso”.
4) A prática religiosa: nos quilombos havia capela, imagens, celebravam-se casamentos e batizados, mas eram guardadas as culturas e expressões religiosas africanas e/ou indígenas próprias.
5) A organização familiar – há existência do direito ao sistema matrilinear. Os homens habitam juntos a casa da mesma esposa, onde tudo é compartilhado.
6) A divisão e uso da terra. Todos têm direito ao uso das terras e os frutos do que plantam e colhem é depositado nas mãos do Conselho de Maiorais, inclusive o que fabricam em suas tendas. O Conselho reparte com cada um segundo as necessidades de sua sobrevivência. O núcleo familiar era a unidade básica da organização social e formação individual e coletiva.
7) Conselho de Maiorais. Todos os Maiorais são escolhidos em reunião pelos negros que vivem nos Mocambos. Mas, o Maioral principal é escolhido só pelos Maiorais. O Maioral principal (assim era chamado à época pela linguagem dos documentos, que era portuguesa) resolve os negócios da guerra por vontade absoluta, ele ordena as estratégias e táticas da guerra.
8) A maneira de vestir-se em Palmares. “O modo de vestir entre si é o mesmo que usam entre nós, mais ou menos “enroupados, conforme as possibilidades”. (FREITAS, 2004, p.25) .
9) A língua falada em Palmares: em inúmeros documentos dá-se a entender que os negros palmarinos falavam português. Mas fala-se também de “línguas”, de interpretes, e se o governador enviou “línguas” a Palmares, significa que os palmarinos falavam suas próprias línguas e eram das mais diferentes procedências.
10) As Comunidades Remanescentes de Quilombos - Lutam, hoje, pela continuidade dos princípios que na dinâmica da sociedade contemporânea revivem valores sociais, culturais e políticos das civilizações africanas que fundamentalmente constituem a sociedade brasileira e a cultura nacional.
ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana. São Luís: SIOGE, 1994.
FREITAS, Décio. República de Palmares: pesquisa e comentários em documentos históricos do
século XVII. Maceió: EDUFAL; IDEÁRIO, 2004.
PRICE, Richard. Palmares como poderia ter sido. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos
Santos (Orgs.). Liberdade por um fio: história do quilombo no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
SIQUEIRA, Maria de Lourdes; CARDOSO, Marcos. Zumbi dos Palmares Belo Horizonte. Belo
Horizonte: Mazza Edições, 1995.
FONTE: Quilombos no Brasil e a Singularidade de Palmares - Maria de Lourdes Siqueira
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