Mesmo fora da disputa presidencial,
Mujica influencia estilo de candidatos ao posto
A campanha presidencial uruguaia
chegará ao fim do primeiro turno neste domingo com um diferencial que faz com
que a presença do atual ocupante do posto, José Mujica, transcenda partidos e
projetos.
Aparentemente influenciados pelo
estilo de Mujica, os presidenciáveis vêm apostando na humanização e em uma
apresentação informal da sua imagem pública como instrumento de aproximação com
o eleitor.
É possível perceber isso, por exemplo,
em relação ao líder das pesquisas - o candidato da governista Frente Ampla, o
oncologista e ex-presidente Tabaré Vázquez - e no caso do segundo colocado, o
advogado Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional (ou Blanco).
"Cada um deles quer deixar
clara uma atitude, uma maneira de viver. Não é uma questão de repetir a postura
humilde de Mujica, mas de mostrar sensibilidade. De se apresentarem como
pessoas próximas ao homem comum", diz o analista político Alvaro Padrón à
BBC Brasil.
A marca de Mujica se vê não só na
campanha, segundo o cientista político Daniel Chasquetti, mas também na
política uruguaia em geral.
"Parece que caiu bem aos
uruguaios ter um presidente mais parecido ao cidadão médio. Vemos, por exemplo,
que Lacalle Pou cultiva essa ideia de se mostrar como um homem comum."
No entanto, Chasquetti relativiza a
"novidade" instalada por Mujica ao lembrar que, no Uruguai, os
presidentes nunca foram inacessíveis.
"Lembro-me de uma vez haver
cruzado com o então presidente Julio Sanguinetti no supermercado fazendo
compras de mês."
Ativo político
Luis Pou, do Partido Nacional, está
em segundo lugar, segundo pesquisas recentes.
A gestão atual conta com 56% de
aprovação dos uruguaios, segundo dados divulgados pelo instituto Equipos Mori
na semana passada.
Em contrapartida, a Frente Ampla –
coalizão da qual fazem parte vários partidos de esquerda, entre eles o
Movimento de Participação Popular (MPP), liderado por Mujica – registra
intenções de voto que oscilam entre 41% e 45%, de acordo com os três maiores
institutos de pesquisa do país, que divulgaram na quarta-feira seus mais
recentes resultados.
Segundo estes índices, portanto, o
número de uruguaios que avaliam positivamente o governo de Mujica supera o
daqueles que pretendem votar na esquerda.
O segundo colocado, Lacalle Pou,
aparece com uma intenção de voto que oscila entre 29,2% e 33,4%.
Em terceiro, Pedro Bordaberry,
também do Partido Colorado, alcança entre 13,5% e 18%.
Para o próximo domingo, espera-se
que nenhum dos partidos alcance maioria absoluta e que os dois primeiros
colocados voltem a se encontrar em um segundo turno, marcado para 30 de
novembro.
"A coalizão precisa de Mujica e
de seu partido, que não por acaso tem como slogan 'A força que Pepe construiu'.
Para a Frente Ampla, a eleição está mais competitiva do que se esperava, então,
ela não pode se dar ao luxo de dispensar um dos seus principais ativos, não só
como presidente, mas também como líder interno", avalia Padrón.
"Além do mais, Mujica faz
política o tempo todo, mesmo quando vai ver o show do Aerosmith.”
Para Chasquetti, apesar de a
Presidência atual ter trazido novidades, não chega a ser um divisor de águas.
"Vázquez terminou seu governo
com um índice de popularidade superior ao que Mujica tem hoje e, no entanto, os
uruguaios se esqueceram de Vázquez rapidamente", pondera.
"Tenho minhas dúvidas sobre se
viveremos um 'antes e depois' de Mujica. O mundo vê um Mujica, e os uruguaios
veem outro."
Padrón observa que a popularidade do
presidente é advinda da sua sobriedade, da capacidade de comunicação e da
repercussão internacional alcançada não só por seu estilo, mas também por
importantes mudanças implementadas durante sua gestão.
Entre elas, estão o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, a descriminalização do aborto e a estatização da
produção e da venda de maconha, além da recente recepção de famílias sírias
refugiadas e da decisão de acolher presos de Guantanamo.
O cientista política acredita que
tudo isso estabeleceu um patamar de popularidade difícil de ser mantido pelo
próximo presidente.
"Não importa quem vencer as
eleições, vamos compará-lo permanentemente com Mujica. Ele vai deixar uma
marca: o valor de algo que instalou no cenário mundial."
Mujiquização
Mesmo proibido de se opinar na
eleição presidencial, Mujica está por todos os lados.
Por isso, mesmo sem estar
oficialmente presente nos palanques (uma limitação imposta pela Constituição,
já que a reeleição no Uruguai não existe e o Presidente em exercício também não
pode fazer campanha para quem quer que seja), Mujica está na prática por todos
os lados.
Além disso, é candidato ao Senado
pelo Espaço 609, um subgrupo do MPP, o que faz com que sua imagem figure, mais
do que nunca, em folhetos, broches e adesivos.
"A informalidade veio para
ficar. O primeiro efeito de ordem prática dessa 'mujiquização' da política
uruguaia é que é difícil que políticos agora usem gravata. Antes, não era
assim", exemplifica Padrón.
O esforço de empatia vai além. Aos
41 anos, Lacalle Pou, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle, aposta na
juventude e em uma proposta política "positiva" como diferencial.
Em um dos momentos de maior polêmica
desta campanha, Pou fez uma "bandeira" (movimento físico de se
colocar em perpendicular, a partir de um ponto de apoio vertical) e desafiou
Tabaré Vázquez, de 74 anos, a fazer o mesmo.
Bordaberry, filho do ex-ditador Juan
María Bordaberry, recorreu à ideia de mudança e novas ideias.
Além de conversar com crianças sobre
o futuro do país na campanha na TV, vem se arriscando no português para mostrar
o que vê ser uma similaridade entre a ascensão de Aécio Neves e a sua, pelo
fato de o candidato brasileiro ter figurado em terceiro lugar nas pesquisas de
primeiro turno e ter chegado ao segundo turno. Ele diz que "a virada já
começou".
Já Vázquez é pouco afeito a
declarações e é "o mais afastado de uma relação massiva com os meios de
comunicação", segundo Padrón, mas ele próprio vem se mostrando mais
acessível, ao participar de programas populares de entretenimento, apesar de
ter se negado a estar nos debates, algo impensável para Mujica.
"O contraste de estilo entre os
dois é enorme, mas o fato de Tabaré, mesmo sendo um oncologista de prestígio,
ter voltado à política deixa a ideia de que ser Presidente é algo que lhe
acontece quase por acidente", pondera Padrón.
"Mujica é agricultor, Vázquez é
médico. Os dois buscam uma legitimidade que esteja afastada da ideia da
política como modo de vida. E como Lacalle Pou se encaixa nessa busca? Com a
idade, como alguém que estabelece a diferença por preferir não pensar em termos
de velhos debates. O fio condutor é tentar fazer com que as pessoas voltem a se
aproximar da política e dos políticos."
FONTE: BBC-BRASIL / Denise Mota
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