A novela Caminho das Índias despertou a curiosidade dos brasileiros sobre os dalits - os sem-casta da religião hindu -, conhecidos como "intocáveis". Na trama global eles são humilhados seguidamente, a ponto de não poder cruzar olhares com os membros da sociedade, atrapalhar seu caminho e muito menos tocá-los. Com tanta repercussão, não é raro ouvir a pergunta: "Será que acontece daquele jeito mesmo?" "Os dalits são como os mendigos no Brasil, apenas excluídos por questões sociais", garante o empresário Amitabh Ranjan, 33 anos, da casta nobre dos xátrias (leia quadro), no País há dez anos. De fato, a novela não representa o cotidiano desses 181 milhões de pessoas (16% da população da Índia). A realidade é ainda pior e vai além do social, atingindo a esfera religiosa e cultural. A discriminação continua mesmo se o intocável melhorar de vida, pois ele sempre carregará a marca sem casta no sobrenome. Mas os infortúnios dessa parcela da população indiana não preocupa apenas os fãs do folhetim de Gloria Perez. O drama dos intocáveis tem mobilizado respeitadas organizações internacionais. O Conselho Mundial de Igrejas e a Federação Luterana Mundial organizaram entre os dias 20 e 25 de março um congresso internacional em Bangcoc, na Tailândia, para alertar outras instituições das atrocidades cometidas contra os dalits.
O resultado da discussão será encaminhado à Organização das Nações Unidas (ONU) e a órgãos de direitos humanos espalhados pelo mundo.
O resultado da discussão será encaminhado à Organização das Nações Unidas (ONU) e a órgãos de direitos humanos espalhados pelo mundo.
De acordo com o relatório "Hidden Apartheid" (apartheid escondido), formulado em fevereiro de 2007 pelo Observatório de Direitos Humanos (Human Rights Watch), com base em documentos da ONU, apesar de a Constituição indiana proibir desde 1947 a discriminação, os direitos mais básicos dos intocáveis não são respeitados. Eles não têm acesso à saúde, educação, alimentação e a condições mínimas de higiene, como uso de água potável e sanitários públicos (leia quadro). A maioria só consegue um tipo de emprego - varredor de rua. Na Índia, isso significa mergulhar em esgotos a céu aberto. Segundo o relatório, as péssimas condições sanitárias levam 62% dos dalits a sofrer de problemas respiratórios; 32%, de doenças de pele; 42% de icterícia; e 23% chegam à cegueira. É comum que as mulheres das vilas mais pobres sejam obrigadas a se prostituir. As crianças são confinadas ao trabalho escravo e as poucas que têm acesso à educação são excluídas na escola. Elas não têm direito à refeição com as demais e apanham dos professores. "Dalit não aprende se não apanhar", disse um dos professores entrevistados pelos comissários da ONU. As famílias intocáveis com um pouco mais de recurso são frequentemente extorquidas pela polícia e recebem metade do pagamento por qualquer serviço prestado. O casamento entre castas continua a ser condenado, mesmo que o dalit tenha alguma condição financeira e nível superior. Eles são excluídos até mesmo das ajudas humanitárias de desastres naturais. Após o terremoto em Gujarat, em 2001, e o tsunami no oceano Índico, em 2004, os intocáveis não tiveram acesso aos abrigos públicos, doação de alimentos, atendimento médico ou acesso a crédito para reconstruir as suas casas.
A Índia vive dois mundos. Uma economia que cresce 9,4% ao ano - a segunda maior depois da China - num país que mantém um sistema social obsoleto, anterior aos pressupostos básicos da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Está em oitavo lugar no ranking mundial de bilionários e em 127º no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com 350 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia. É uma contradição a céu aberto. Para espanto tanto de líderes humanitários quanto de fãs de um bom dramalhão televisivo. Com uma realidade mais cruel que a ficção.
ISTOÉ
Nenhum comentário:
Postar um comentário