“Nenhum rio, no Brasil e no mundo, pode
suportar a construção de cinco hidrelétricas, ou até menos, em sequência.
Hidrelétricas causam prejuízos imensuráveis à biodiversidade”, desabafa Telma
Monteiro no início da entrevista por telefone. Ela critica o projeto de
construção do complexo de hidrelétricas do rio Tapajós, onde estão previstas
cinco hidrelétricas em sequência. “O governo e seus aliados conseguiram passar
as usinas do rio Madeira pela sociedade. Eles estão conseguindo passar com um
trator por Belo Monte, embora estejamos resistindo bravamente. E se passarem
Belo Monte, não vão ter qualquer dificuldade para aprovarem as hidrelétricas do
Tapajós e todas as outras que forem planejadas para suprir a necessidade de obras
para as grandes empreiteiras e de energia para as grandes eletro-intensivas”,
disse ela.
Confira a entrevista.
O rio Tapajós suportará a construção das cinco hidrelétricas?
Telma Monteiro – Nenhum rio, no Brasil e no mundo, pode suportar a construção de cinco hidrelétricas, ou até menos, em sequência. Hidrelétricas causam prejuízos imensuráveis à biodiversidade, imagine cinco e em sequência. Neste caso se criariam cinco grandes lagos na região da bacia do Rio Tapajós em sequência. Isto transformaria esses rios em uma espécie de sistema lacustre.
Quais são as principais falhas no projeto do Complexo de Tapajós?
Telma Monteiro – Além daqueles que apontamos para todas as outras hidrelétricas, como foi a falha do processo de licenciamento do Rio Madeira, e estão sendo as falhas do processo de licenciamento de Belo Monte no Rio Xingu, no caso das hidrelétricas do Tapajós, os impactos seriam muito grandes. Inclusive na questão de atingir terras indígenas, que afetaria o povo Munduruku. Os munduruku estão na região do Tapajós e serão diretamente afetados. A relação desses índios com o ambiente natural é muito estreita, e, no próprio inventário hidrelétrico do Rio Tapajós, isto está muito claro.
A preservação e o desenvolvimento dessas culturas irão depender fundamentalmente da manuntenção desses grupos indígenas e de seus territórios. A continuidade de suas relações com o meio ambiente é muito importante. Quando você agride toda essa biodiversidade que irá servir aos povos indígenas, está fazendo com que morra a alma antes do corpo, que é a forma mais rápida de destruição das identidades étnicas. Acho que isso reflete muito bem o que esses grandes projetos de infraestrutura podem causar à Amazônia, em especial, nesses povos que já estão sendo afetados.
O projeto ainda nem começou, mas, pela simples menção de sua construção, esses povos já estão sendo afetados. Quando se tem uma ocupação, como no caso do Rio Madeira, esse precedente já é transferido para um novo local quando se anunciam a construção de novas hidrelétricas. Começam a fluir pessoas para esses locais, que passam a ocupar essa região de forma desordenada, e os municípios não estão preparados para esse processo migratório para a região. Na hora em que se tem a divulgação da questão das hidrelétricas nos rios Madeira, Xingu e Tapajós, é possível perceber que as pessoas já se mobilizam para chegarem a esses lugares e começarem a ocupar o espaço em busca de oportunidades de trabalho. Aí começa o caos na infraestrutura da região.
Já se sabe qual será a potência total de geração de energia do Complexo de Tapajós?
Telma Monteiro – Os estudos de viabilidade já estão prontos e estão sendo analisados. Esses estudos indicam que o potencial previsto é de 14.245 megawatts, isso para um conjunto de aproveitamento em cascata nos rios Tapajós e Jamanchim. Lógico que estão neste projeto os mesmos que estão nos outros projetos. Foi a CNEC engenharia, uma empresa da Camargo Correa, que fez os estudos. Inclusive a própria empresa Camargo Correa não objetiva gerar energia, mas construir obras. A Camargo Correa é que vai construir Jirau, está pretendendo participar do leilão de Belo Monte e também já está envolvida nos estudos do Rio Tapajós.
Na questão do Complexo de Tapajós, temos outro precedente. Lá estão as mesmas empreiteiras, cujo fim é apenas fazer obras, e não gerar energia. Na verdade, na falta de grandes obras de infraestrutura no Brasil durante algum tempo, estamos vendo agora uma verdadeira indústria de construção de barragens nos rios, em especial, na Amazônia.
As empresas começam a buscar uma forma original de apresentar as hidrelétricas para a sociedade. No caso do Complexo do Tapajós, é muito interessante: eles criaram uma nova figura, e isso foi um exercício da Eletrobrás, a da usina-plataforma.
A quem se destina toda a energia que será produzida nessas cinco hidrelétricas?
Telma Monteiro – Temos as grandes usinas eletrointensivas, que são aquelas cujo produto final requer um insumo maior de energia. Temos o beneficiamento do alumínio, primeiro com a extração da bauxita, que beneficia o alumínio. Antigamente, o Brasil exportava toneladas de material mineirado. Hoje, o país exporta quilos de alumínio. O que essas grandes empresas eletrointensivas como a Vale precisam? Precisam extrair a bauxita e beneficiar o alumínio, e isso acontece usando a energia hidrelétrica. O custo menor para elas é manter essas indústrias que beneficiam o minério perto de usinas hidrelétricas. Onde estão essas explorações? Estão justamente na Amazônia, a região com a maior riqueza mineral do planeta. E o que essas grandes empresas eletro-intensivas querem? Querem explorar toda essa riqueza. Veja que algumas já têm uma planta pronta para uma indústria em Altamira para beneficiar a indústria de alumínio.
O que está por trás da contratação das empresas Camargo Correa e Odebrecht?
Telma Monteiro – O que é a Odebrecht? Antes de mais nada, ela é uma grande empreiteira. Embora elas sejam empresas que detenham outras em diferentes setores, sua atividade principal são obras de grande porte. O que é uma grande barragem? É um conjunto imenso que utiliza concreto, é uma construção pesada, que necessita de muitas escavações em rochas e tudo isso não se consegue fiscalizar. Isso custa muito dinheiro! Quando você faz um conjunto de cinco hidrelétricas numa região como a do rio Tapajós e com uma tecnologia nova, como é que essas empreiteiras vão ser fiscalizadas, se aquele custo que elas apresentaram para a construção não pode ser fiscalizado? Por isso, grandes obras dão muito dinheiro para esse tipo de empresa. Essas empresas vivem disso, e não de gerar energia.
Belo Monte vive outro grande problema seríssimo, porque a energia que pretendem gerar lá é de 4500 megawatts médios. Isso é mentira. Há um estudo de 2006 que diz que é impossível gerar esse nível de energia, a não ser que se construam mais três energias hidrelétricas.
Querem construir no Rio Tapajós usina-plataforma. O que é isso?
Telma Monteiro – É um novo conceito revolucionário em hidrelétricas, como diz a Eletrobrás. A ideia é que a hidrelétrica será construída sem que se faça desmatamento. É isso que eles estão planejando. A Petrobrás até lançou uma cartilha com um material especial feito para que as comunidades se apropriem dessa nova “técnica” de usina-plataforma, que tem relação com plataformas de exploração de petróleo no mar. Nós não sabemos como isso pode ser transferido para o meio da floresta. Se diz que a usina-plataforma será feita sem que haja necessidade de canteiros de obras para os trabalhadores fazerem a usina, e esses trabalhadores serão levados e trazidos através de helicópteros no meio da mata. Segundo declarações do presidente Lula e do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, essas usinas-plataformas não ampliariam o desmatamento. Esta é uma coisa muito interessante, pois não se imagina como se pode fazer um reservatório de uma grande usina hidrelétrica, no meio da Amazônia, sem desmatamento. Temos duas opções: Ou o reservatório é virtual, ou ele paira.
O que significa a construção de dois projetos considerados “mega” como o do rio Tapajós e o de Belo Monte?
Telma Monteiro – Significa que, na esteira desses dois projetos, que vão afetar terras indígenas, a biodiversidade, a vida dos ribeirinhos, o custo-benefício-social não foi divulgado. Na realidade, não sabemos qual é o custo para a sociedade dos peixes que deixarão de fazer a migração para a reprodução. Essas externalidades não estão sendo consideradas e, se estão sendo consideradas, os números não estão aparecendo. Significa, portanto, que na esteira desses projeto há outros tantos, como bem disse nosso Ministro Edison Lobão, numa reunião em Brasília, que temos um potencial de desenvolvimento para gerar energia hidrelétrica inclusive em áreas preservadas e que até esses lugares estão no plano do governo de exploração.
O governo e seus aliados conseguiram passar as usinas do rio Madeira pela sociedade. Eles estão conseguindo passar com um trator por Belo Monte, embora estejamos resistindo bravamente. E se passarem Belo Monte, não vão ter qualquer dificuldade para aprovarem as hidrelétricas do Tapajós e todas as outras que forem planejadas para suprir a necessidade de obras para as grandes empreiteiras e de energia para as grandes eletro-intensivas.
Com tantos alertas e demonstrações que provam os riscos desses empreendimentos, por que, em sua opinião, os projetos continuam avançando? Quem pode impedir que essas barragens sejam construídas?
Telma Monteiro – Temos que repensar o planejamento energético brasileiro. Estão esquecendo de uma série de medidas que deveriam ser tomadas antes de se pensar em contruir megahidrelétricas no Brasil. Primeiro: quais são as perdas efetivas? Onde estão as contas que demostram quais as perdas que existem no sistema de transmissão do país? Ninguém fala disso. O próprio professor Célio Berman demonstrou, através de um estudo com a WWF, a necessidade de detectar quais as usinas que precisam de repotenciação. Porque você acha que a energia eólica não “pegou” ainda no Brasil? Porque não interessa às empreiteiras deixar que a eólica seja uma fatia substancial de geração de energia no país. Eólica não precisa de concreto, não tem barragem, não tem escavações. Então, enquanto tiver o lobby das grandes empreiteiras querendo fazer megabarragens, nós não teremos a necessidade de desenvolver hábitos de economia de consumo, por exemplo.
Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
Fonte:Envolverde / IHU-OnLine.
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