Os rebeldes avançaram
para o centro de Damasco. Entraram na garagem do
Palácio da Justiça e numa base da Guarda Republicana próxima ao palácio
presidencial. Síria e Turquia posicionaram tanques e baterias antiaéreas
na fronteira. "Estamos em guerra", disse, na terça-feira, o
presidente sírio,Bashar Assad, quando se reuniu com seu recém-nomeado gabinete.
A reportagem é de Juliane Von Mittelstaedt, Christoph, Alexander Smoltczyk, Bernhard Zand, publicada no Der Spiegel e reproduzida pelo jornal O Estado de S.Paulo, 08-07-2012.
Um ano e meio depois de
o tunisiano Mohamed Bouazizi ter se imolado e do torpor do despotismo
árabe ser interrompido, as visões otimistas do futuro ocorridas naqueles
primeiros meses são hoje obsoletas. Os líderes de quatro países,Zine al-Abidine
Bem Ali (Tunísia),Hosni Mubarak (Egito),Muamar Kadafi
(Líbia) e Ali Abdula Saleh (Iêmen), foram
depostos, condenados ou mortos. Um quinto líder, o sírio Bashar Assad, ao que parece está travando uma
batalha perdida pela sobrevivência.
Esperança e medo. A
esperança de que o mundo árabe se tornaria democrático tão rapidamente quanto a Europa Oriental20 anos atrás não se realizou. Mas
os temores de que os países do Norte da África e
do Oriente Médio mergulhariam no caos um após o outro
também não se materializaram.
Em vez disso, o quadro é
mais confuso do que nunca. Em Damasco e Alepo, uma burguesia secular - a mesma que apoiou os
outros levantes - teme as consequências caso Assad seja
derrubado. A família real que governa a vizinha Jordânia comporta-se
como se não fosse afetada pelos tumultos gerais.
O Iêmen, um país tribal que depôs seu presidente de longa
data, está sendo exaltado como modelo de uma transição pacífica, apesar de
a Al-Qaeda por vezes controlar províncias inteiras
do país. E na Tunísia, a terra da Revolução de
Jasmim, cinemas estão sendo destruídos e bordéis queimados.
A ascensão do Islã. A Tunísia chegou relativamente longe. O país tem um
Parlamento eleito, um governo dominado pelo partido islâmico Ennahda, um presidente secular e um Exército que
monitora o processo de transição sem forçar sua passagem para o primeiro plano.
Por ironia, é precisamente na Tunísia, onde a Primavera
Árabe começou, que está ficando claro que a liberdade política não vem
necessariamente acompanhada de liberdade cultural. A Tunísia sempre foi o mais ocidentalizado dos
países árabes, um forte bastião contra a corrente islâmica da história árabe
mais recente. Poligamia e casamentos de crianças foram proibidos, havia
educação sexual nas escolas e o sistema de ensino era considerado o melhor da
região. Filmes pornográficos leves eram exibidos em cinemas de Túnis e as
prostitutas da região antiga da cidade pagavam impostos e tinham documentos
emitidos pelo Ministério do Interior.
Mas, apenas alguns dias
após a deposição de Ben Ali, uma autonomeada
"polícia da moralidade" apareceu no bairro da luz vermelha de Túnis, onde os policiais atiraram coquetéis Molotov em
bordéis e ameaçaram as mulheres. Duas semanas atrás, um grupo de salafistas
invadiu a exposição Primavera das Artes. A violência foi desencadeada por causa
de um quadro em que formigas formavam as palavras "Graças a Deus".
No Egito, que seguiu as pegadas da Tunísia, o Islã político
saiu fortalecido de uma revolução na qual ele não desempenhou nenhum papel, ao
menos no começo. AIrmandade Muçulmana e os salafistas radicais venceram a
primeira eleição parlamentar livre do país por grande maioria. Seus
representantes extremistas fizeram uma declaração que, se fosse cumprida,
transformaria o país numa república islâmica: a introdução incondicional da
sharia, a lei islâmica. O Egito está
vivendo uma luta entre instituições que poderia ser descrita, com reservas,
como uma adoção egípcia do conceito de equilíbrio de poderes.
Sede por democracia na Líbia.
Muamar Kadafi não deixou nem sequer os fundamentos
de um Estado operacional. O país realizou ontem suas eleições para um Congresso
que nomeará um novo governo interino e um conselho encarregado de escrever o
anteprojeto de uma Constituição. A votação já foi adiada uma vez. Mas o país não
teve nenhum partido político em 40 anos. O que prosperou sob a fachada grotesca
do "Estado das massas" do ditador foram regiões, cidades e tribos que
moldam a imagem caótica de que o país hoje desfruta. No início de junho, uma
brigada armada ocupou o aeroporto deTrípoli e,
alguns dias depois, outra milícia prendeu funcionários do Tribunal Penal
Internacional. Eles tinham visitado o filho de Kadafi
Saif al-Islam, que está preso em Zintan desde
novembro - 1 dos mais de 4 mil líbios mantidos prisioneiros por milícias por
todo o país.
O ativista de direitos
humanos Hana al-Gella admite que a Líbia está presa num círculo vicioso. "Não
estamos realmente preparados para realizar eleições", diz. "Mas
precisamos de um governo legítimo para superar o caos." Os líbios estão
aparentemente decididos a ter uma democracia. Cerca de 80% dos eleitores
qualificados registraram-se, 2.500 candidatos diretos concorreram além dos
1.200 representantes de mais de 140 partidos que foram virtualmente criados do
dia para a noite. Eles competiram por 200 cadeiras num Parlamento que atuará
por 18 meses e terá 2 objetivos: nomear um primeiro-ministro e uma comissão
constitucional de 60 membros. À primeira vista, parece um bom começo.
Mas uma observação mais
atenta revela alguns aspectos perturbadores. Em uma pesquisa realizada pela Universidade Oxford, um terço dos líbios disse
preferir o governo de um homem forte. Muitos candidatos são empresários ricos,
outros são testas de ferro de políticos - entre os quais, muitos representam
a Irmandade Muçulmana, que também é vista como uma força
vigorosa e bem organizada na Líbia.
E antes mesmo de ficarem
visíveis na futura Assembleia líbia, a força dos partidos religiosos e a
fraqueza dos seculares provocaram um conflito que pode colocar em risco a
própria eleição. O país é formado por três regiões: Tripolitânia no oeste, Cirenaica no leste e Fezzan no sul. Os políticos do leste sentem-se
sub-representados, pois obtiveram direito a somente 60 cadeiras, enquanto 101
cadeiras foram destinadas ao oeste. Na semana passada, um comboio carregando
canhões antiaéreos bloqueou a estrada costeira entre Trípoli e Benghazi, deixando
claro que a região oriental estava decidida a boicotar a eleição caso suas
exigências não fossem atendidas.
FONTE: .ihu.unisinos
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