No dia 28 de maio, uma segunda-feira, uma unidade da Rota, tropa de choque motorizada da PM de São Paulo, matou seis homens no bairro da Penha. Alguém viu os PMs executarem um homem dominado e três dos policiais foram presos. Essa notícia foi dada na capa do caderno “Metrópole”, do Estado de S. Paulo, e na página 3 do “Cotidiano”, da Folha de S.Paulo, em 30 de maio.
Seguiu-se uma onda de assassinatos de PMs – seis foram mortos até quarta-feira, 27 de junho − e de queima de ônibus em diferentes pontos da periferia paulistana. Em 13 dias, nove ônibus foram queimados. Tudo feito no estilo do PCC, com uma mudança: os PMs agora são assassinados não em serviço, mas de folga ou fazendo “bico” como seguranças.
Praticamente sem falhar um dia, os dois jornais foram até onde poderiam para transmitir aos leitores que se tratava de uma reação do PCC. Usaram uma espécie de mantra: “A polícia investiga se as mortes dos seis PMs são uma retaliação do grupo criminoso PCC à operação da Rota que deixou seis mortos” etc.
Versão oficial
Também como um mantra, as autoridades negaram essa possibilidade, em nome sabe-se lá de que cálculo relativo à sensação de insegurança da população ou de olho na campanha para as eleições municipais, já em curso. A negativa oficial foi a versão comprada pela Veja São Paulo (4/7), que cita o delegado-geral da Polícia Civil, Marcos Carneiro: “Só com a prisão de envolvidos é possível saber se há conexão entre as várias ações”.
Carneiro assegurou que “desvendar os crimes” é a prioridade da polícia, como se ela, tecnicamente uma polícia judiciária, pudesse ter outras prioridades. Sempre evitando cuidadosamente citar o PCC, a revista agradece em nome do povo, embora não tenha sido mandatada para isso: “A população espera justamente esse tipo de reação para que não se repita por aqui um pesadelo semelhante ao de 2006” (descrito antes na reportagem).
A tese por trás dessa recusa a pronunciar a sigla maldita é que assim se evita fazer propaganda involuntária dela.
Com 158 mortes entre os dias 13 e 27 de junho (ante 57 mortes nos quinze dias anteriores), será que não passa pela cabeça dos jornalistas da Vejinha que “esse tipo de reação” não está funcionando? Que é coisa de esquadrões da morte? Ou será que mortes na periferia não preocupam a revista?
Em 27 de junho, o repórter Bruno Paes Manso gravou um vídeo para o Estadão Online com explicações sobre a trajetória do PCC. Ele aponta relações espúrias entre PMs e traficantes como um dos fatores que alimentam o clima de tensão. Veja aqui.
No domingo (1/7), finalmente, o Estadão pôde afirmar: “PCC deu a ordem para matar 6 PMs entre os dias 12 e 23”. Essa confirmação veio de interceptações telefônicas feitas por diferentes departamentos da Polícia Civil paulista. Ainda na terça-feira (3/7), a Folha repetia que "a polícia investiga se as mortes..." etc.
Dentro e fora das cadeias
O PCC é um enigma e um tabu. Enquanto a organização criminosa crescia nos últimos anos, pouco se acrescentou ao que já se sabia sobre sua composição, seus métodos, seus laços com a máquina do Estado (polícias, em primeiro lugar). Essa omissão é um dos artifícios que as autoridades de segurança usam para não passar aos cidadãos o quadro real da criminalidade organizada nas cadeias e fora delas. Os dois maiores jornais paulistas aproveitam cada possibilidade que lhes surge para avançar nesse conhecimento, mas não conseguem ir muito longe.
A negação da existência do PCC acompanha a própria trajetória dessa sigla mafiosa. Eis um resumo da história de seu nascimento.
Em 1992 houve o massacre do Carandiru – 111 presos (número oficial) foram mortos pela tropa de choque da PM. Em 1993, no Piranhão de Taubaté, à época praticamente a única prisão segurança máxima do estado de São Paulo, nasceu o PCC, cujo nome seria pronunciado oficialmente três anos depois pelo então deputado estadual Afanázio Jazadji, que presidia uma CPI. Assim, o Primeiro Comando da Capital entrou no Diário Oficial do estado.
Facção não era ficção
Mas a imprensa levou mais um ano para mencionar a sigla e o grupo. Só em 1997, a jornalista Fátima Souza, então na TV Bandeirantes, fez uma reportagem em que era pronunciado o nome da organização. Fátima foi enfaticamente desmentida. O secretário da Administração Penitenciária da época, Benedicto Marques, em entrevista à rádio Jovem Pan, disse que a jornalista tinha inventado a sigla para ganhar ibope. Segundo Fátima, Marques afirmou que se tratava “de uma ficção, não de uma facção.” O governador Mario Covas ecoou a declaração do auxiliar.
Em 2001 houve uma primeira megarrebelião em 29 unidades prisionais paulistas. Faixas com o nome Primeiro Comando da Capital e com a sigla PCC foram estendidas.
Em maio de 2006, a suposta ficção, o PCC – com a ajuda de emissoras de rádio e televisão sensacionalistas –, parou a maior cidade do país, após ter dado ordem para rebeliões que eclodiram em 74 unidades prisionais, algumas delas de outros estados.
Monopólio da violência
A edição de domingo (1/7) do Estado de S.Paulo ouviu a socióloga Camila Nunes Dias, que em 2011 defendeu na USP tese de doutorado com o título “Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista”. Ela atribui a “pacificação” de São Paulo (um dos fatores que contribuíram para a redução dos índices de homicídio no estado nos últimos anos) a “um equilíbrio precário de forças, envolvendo os agentes do ‘mundo do crime’, as forças policiais e o sistema prisional”.
Sua opinião sobre a política do governo estadual (Geraldo Alckmin, em 27 de junho, desafiou os bandidos a entrarem em confronto com a polícia, disse que eles estão desesperados, que serão presos, que, se enfrentarem a polícia, “vão levar a pior”): “As ações do governo são, a meu ver, desastrosas”.
Explicação: não há controle das polícias, que aceitam corrupção e violência ilegal; as polícias civil e militar vivem em guerra (adivinhe, plácido leitor, qual é o pomo da discórdia); a expansão do sistema prisional paulista só piora o quadro. “Isso forma o caldo necessário não apenas para o aparecimento de grupos como o PCC, mas para seu fortalecimento e para explosões cíclicas de violência”, afirma a socióloga, professora da Universidade Federal do ABC.
O PCC já tentou eleger seu deputado estadual. Nisso, não teve o sucesso de um Carlos Cachoeira, que supostamente ajudou a eleger governador, senador, deputado, prefeito, vereador em Goiás e Tocantins. Deixado na sombra, o PCC tem melhores condições para se aprimorar no campo político. É o destino de toda máfia.
FONTE: Observatório da Imprensa / Mauro Malin
PCC e os ataques: diferenças entre hoje e 2006
TV Estadão | 27.06.2012
O repórter Bruno Paes Manso faz um paralelo entre a ação do PCC
em 2006 e os ataques a ônibus da última semana
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