Criolo e Emicida são hoje duas das vozes mais representativas da música feita no Brasil. Formados na escola do rap, os dois gravam hoje juntos em São Paulo o primeiro DVD de suas carreiras.
Eles e seus músicos, além dos cantores Rael da Rima e Juçara Marçal, apresentam um show que será registrado por 40 câmeras.
O DVD, que deve sair em 2013, é coprodução da Natasha Filmes, de Paula Lavigne, com a Conspiração Filmes. Paula divide a direção com Andrucha Waddington e Ricardo Della Rosa.
A gravação marca um momento de crescimento dos artistas, responsáveis por levar o rap, cada um à sua maneira, a novos patamares de reconhecimento. Tanto Criolo quanto Emicida fizeram turnês internacionais neste ano.
A Folha registrou conversa entre os dois, no Laboratório Fantasma, escritório do selo musical de Emicida, na zona norte paulistana, sobre música, cultura e política.
Folha - Falem sobre a palavra periferia, tão presente na raiz do rap e que em ano eleitoral é uma das mais ouvidas nos discursos dos políticos.
Criolo - Fico me perguntando até quando a periferia vai ser usada como fetiche de propaganda eleitoral. E a palavra política, como é que ela chega às pessoas? Será que é para todos a compreensão de que política é o modo de cada um agir em relação ao todo, será que o bem alimentado e o que sonha em comer entendem da mesma forma?
Emicida - Há um trabalho sistemático para afastar a periferia da prática política, e isso é feito divulgando a ideia de que política é apenas sinônimo de corrupção. Fora os absurdos, tipo Celso Russomanno dizendo que ama a periferia, o mesmo cara que fazia parte do "Aqui Agora", um programa que passava uma imagem lamentável dos moradores de periferia.
Criolo - Crescemos entre mazelas, mas o pouco de arte que nos davam, um grafite que a gente via, uma música que alguém mostrava, isso ajudava a abrir nossos olhos para algo maior, embora não acabasse com o sofrimento. Mas também existe o escravo pós-moderno, aquele que vive numa embalagem bonita mas não consegue enxergar a realidade.
Emicida - A ação do hip-hop nesse processo vai além de ser DJ, fazer grafite, rimar ou dançar. É uma espécie de educação para a igualdade acima das diferenças. Xis, Racionais, DMN, Sistema Negro, toda essa geração que falou com a gente ajudou a difundir essa ideia.
Criolo - O rap já tem seus clássicos e nós não somos ruptura nessa história. Somos continuidade, e o que estamos fazendo agora só poderá ser analisado no futuro. É surreal para mim, aos 24 anos de carreira, ter ido agora para Europa e para os Estados Unidos, participar da construção criativa de uma música mundial com as coisas que aprendi. Mas tem de deixar claro que, apesar de muita coisa ter melhorado, a gente está fazendo o bagulho na raça, depois de cada festival a gente sobra cheio de boletos de dívidas a pagar, a luta para divulgar nossa música segue.
Emicida - É difícil explicar um país que se orgulha de uma certa imagem do índio e da miscigenação mas mata índios e discrimina negros, nordestinos. Que reconhece a cultura da periferia, mas assiste às favelas queimarem como se não fosse nada.
Criolo - A cultura é tratada como algo vazio, cultura de quê, cultura para quem? Veja o caso da sua prisão [Emicida foi detido após show em Belo Horizonte, depois de criticar a violência policial e se posicionar a favor de um movimento de ocupação], preso por se expressar. Na defesa de uma ideia, nessa vontade louca de estabelecer comunicação, há barreiras.
Emicida - Nessas horas a gente questiona se nossa democracia não é de isopor.
Criolo - Sim, mas por outro lado viajamos o Brasil, e o que eu vejo é cada vez mais gente sem arrogância, jovens que se aproximam de nós e da nossa música querendo somar, querendo fazer a diferença.
FONTE: VIVIAN WHITEMAN / COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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