"Nosso deus é mulher, nossa missão é protestar e nossas armas são nossos seios". Com este lema e fazendo topless, as meninas do grupo feminista ucraniano Femen se manifestam contra tudo e contra todos que ousem colocá-las em uma posição inferior à dos homens. Religião, moda, prostituição ou qualquer promoção do sexismo são alvo do grupo. E para aqueles que enxergam apelo sexual em seus protestos, as ativistas são taxativas: "quem acha que somos sensuais só pode ser um idiota".
Elas se dizem terroristas sexuais e fazem do "sexextremismo" o seu método de luta. Em apenas quatro anos de existência, o grupo conseguiu chocar a conservadora sociedade ucraniana (e grande parte do mundo) com atos polêmicos, como tentar roubar o troféu da Eurocopa e cortar uma cruz ortodoxa com uma serra elétrica no centro da capital, Kiev. Mas elas parecem não ter medo de represálias nem de críticas.
O grupo Femen foi formado em 2008 com o singelo objetivo de protestar contra o corte de água nas residências estudantis durante o verão, mas o movimento rapidamente mudou de rumo e passou a lutar pela valorização da mulher ucraniana, não somente dentro do país, mas também da imagem que os estrangeiros têm das mesmas.
O turismo sexual na Ucrânia é considerado barato e, aliado à aclamada beleza das ucranianas, coloca o país entre os destinos preferidos de quem quer pagar por sexo - bom e barato, como vendem as agências. O Instituto Ucraniano de Estudos Sociais estima que pelo menos 50 mil mulheres trabalhem como prostitutas no país, sendo 17% delas menores de idade. Mas os números podem ser muito maiores. Com salários médios em torno de 2,5 mil grivnas (aproximadamente R$ 600), muitas mulheres veem na atividade a única maneira para complementar a renda familiar.
"Nossa vida é um ativismo político
As líderes do movimento Femen começaram o ativismo ainda na época do ensino médio, durante a adolescência. "Tínhamos 14 anos e estávamos lutando para que nossos direitos fossem garantidos, que os diretores das escolas nos escutassem", explica Oksana Shachko, 25 anos, uma das líderes do grupo. "Quem vê a gente na televisão não tem ideia da nossa história. Estamos há 10 anos trabalhando pelo que acreditamos. Todo a nossa vida é um ativismo político".
As ativistas acreditam que, graças à visibilidade do Femen, a mídia internacional colocou em discussão a situação das mulheres ucranianas e a indústria do sexo do país. Durante a Eurocopa, realizada na Ucrânia em junho de 2012, o topless das ativistas dividia a capa de jornais e revistas com os ídolos do futebol. "Somos contra a legalização da prostituição. Temos que nos perguntar o porquê das mulheres começarem a se prostituir. Temos que debater a problemática do turismo sexual. A questão é que o (nosso) governo tem interesse no dinheiro que entra com os turistas que buscam sexo com as nossas meninas", conta Oksana.
O Femen justifica seu método provocativo dizendo que esta é a única maneira de serem escutadas na Ucrânia. "Se fizermos cartazes e formos às ruas, ninguém vai nos escutar. Descobrimos o nosso corpo como arma e chamamos atenção do governo e do mundo para as nossas causas", diz Kateryna Dmitrenko, outra ativista do grupo. "A popularidade que temos é importante para o movimento, para divulgar as nossas ideias, mas não para a nossa própria imagem. Nós só somos interessantes juntas", conclui.
Resposta às críticas
Junto da enorme visibilidade, vieram também as críticas. Acusadas de querer somente fama e de ter um discurso raso, as meninas já têm a resposta na ponta da língua para cada crítica ao grupo. "Fomos protestar na Bielorrússia, onde o presidente é um ditador. E aqui na Ucrânia recebemos o patriarca Kirill, chefe da Igreja Ortodoxa russa, com uma faixa que dizia 'Morte a Kirill'. Que popularidade é essa?", pergunta Oksana. "A nossa popularidade nos põe em risco e muitas vezes na cadeia. Já poderíamos ser cantoras, atrizes, mas não queremos."
Segundo as ativistas, a polícia secreta ucraniana fica dia e noite à paisana próximo ao escritório do Femen em Kiev, numa rua ao lado da principal praça da cidade. Elas afirmam que as ações não podem ser planejadas na sede porque há microfones instalados ao redor do local. E contam ainda que, durante o campeonato europeu de futebol, elas eram acompanhadas por um policial até mesmo quando iam ao supermercado ou voltavam pra casa.
Sobre a crítica de que elas só querem a atenção midiática e não apresentam nenhuma proposta concreta, a resposta também é rápida: "Aqui na Ucrânia, não há nenhum debate público sobre nada. Meninas da nossa idade devem estar casadas e ponto final. Muita gente diz que só queremos chamar a atenção, mas isso aqui já é muita coisa. Nada chama a atenção na Ucrânia. Nosso movimento é uma provocação e estamos satisfeitas se o resultado é esse", explica Kateryna. E continua: "É suficiente para começar a discussão, que ainda é inexistente. Agora as pessoas falam na rua sobre a imagem da Ucrânia como paraíso do turismo sexual. Por quê? Porque gritamos e fizemos topless pela causa".
"Quem nos acha sensuais só pode ser um idiota"
Muitos veem certa incoerência em mostrar os seios para protestar contra a prostituição, mas as meninas do Femen argumentam que o topless que elas fazem não tem nenhum apelo sexual - é por isso que elas gritam durante o protesto, para deixar claro que elas estão lutando. "Quem olha pra gente toda pintada, com cara-de-poucos-amigos e acha que somos sensuais só pode ser um idiota. Mulheres peladas só podem estar na cama e na capa de revistas? Quanta hipocrisia! O topless é o reconhecimento da nossa condição de mulher".
As tensões com a vizinha Rússia também estão no programa das feministas, que acusam Vladimir Putin e a Igreja Ortodoxa Russa de exercerem forte influência nas decisões do governo ucraniano. "Eu fui duas vezes à Rússia e fui presa nas duas vezes. Em uma das ocasiões, passei 20 horas sendo entrevistada pelo serviço secreto", conta Oksana. "Este ano apareceu na mídia um grupo Femen de Moscou, mas elas não estão vinculadas ao movimento. São apenas mais uma criação do Kremlin para colocar a opinião pública a favor deles e contra a gente. Putin acha que ainda estamos na época da União Soviética".
O Femen continua atravessando as fronteiras e ganhando adeptos e detratores. Na semana passada, o grupo abriu um escritório em Paris, onde Inna Shevchenko, uma das líderes do movimento, estabeleceu como base depois de alegadas perseguições sofridas na Ucrânia. No Brasil, o grupo atravessa uma crise de credibilidade, com denúncias de autoritarismo da líder, Sara Winter, além das críticas a todo o movimento.
Mas as meninas parecem não se abalar. A um mês das eleições parlamentares da Ucrânia, elas prometem mais topless e mais polêmicas. "Precisamos somente de uma pessoa e fazemos um protesto. Temos o nosso corpo e vamos utilizá-lo para mudar a política do nosso país e quem sabe do mundo".
FONTE: JORNAL DO BRASIL
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