Mais de 2
mil pessoas compareceram à Parada Livre da Região Centro, em Santa Maria, em
sua 13ª edição neste final de semana que passou. No último sábado (20), o
Desfile Farroupilha na cidade amargou uma presença de 10 mil pessoas - número
expressivo, porém relativamente inferior ao de anos anteriores. A luta pela
criminalização da homofobia e pela igualdade de gênero está ultrapassando, em
muitos locais, o pensamento retrógado que não aceita a manifestação livre em
seus espaços.
Durante
os festejos gaudérios de setembro, o tradicional Desfile (agendando em diversas
cidades do Rio Grande do Sul), também transcorreu, como de costume, na cidade
de Carazinho, no norte do Estado.
O jovem
Leonardo Chaves (18 anos), em protesto, não amargou os recentes - e recorrentes
- casos de homofobia gaúchos e se juntou ao Desfile na cidade em que hoje
reside - Carazinho. Vestindo elementos do traje típico gaudério, Leonardo
levantou um cartaz, enquanto desfilava junto de centenas de tradicionalistas,
sem descer de um altíssimo salto vermelho. No cartaz de Leonardo, lia-se “VAI
TER BICHA DOS PAMPAS, SIM. E SE RECLAMAR, VAI TER TRAVESTI TAMBÉM!”. Do outro
lado, “HOMEM DE SAIA E DE BIGODE - GAÚCHO TAMBÉM PODE”. Fotos do protesto de
Leonardo circularam pelas redes sociais. Em alguns rostos durante o Desfile, o
espanto. Na internet, centenas de apoiadores e admiradores da coragem de
Leonardo.
Sobre a
importância de lutar contra o machismo e a homofobia, e sobre seu ato de
protesto no Desfile do dia 20, Leonardo concedeu à revista o Viés uma
entrevista (que você confere logo abaixo).
o Viés:
Por que você optou por protestar durante o Desfile?
Leonardo:
Sabe quanta gente morre todos os dias por causa desse conservadorismo
patriarcal? Quanta gente vive em armários porque o tradicionalismo os rejeita?
Quantos comerciantes sofrem com a quantidade de detritos que ficam grudados nas
calçadas nos dias seguintes? Pois bem, vou te falar o porquê: Esse estrelismo
do gaúcho tem que acabar, essa meritocracia de uma história que nem é bem assim
também tem que acabar. Um CTG foi incendiado para impedir a união LEGAL e
legitimada de LGBTS porque o machismo das pessoas (não da tradição) foi mais
uma vez vencedor (sobre o caso do incêndio no CTG Sentinelas do Planalto, em
Livramento, na quinta-feira do dia 11 de setembro). Dominador de uma sociedade
diariamente subordinada ao comportamento patriarcal. Esse protesto foi uma
maneira particular de gritar em nome de todos os mortos em virtude do machismo
e fobias. Cansei de entrar de luto todos os dias porque mais um amigo foi
assassinado, mais uma lésbica foi estuprada, mais uma pessoa com identidade de
gênero diferente que a do seu corpo foi apedrejada.
V: Qual a
importância em contrastar um movimento machista e misógino muito incrustado no
cotidiano de muitos moradores do RS?
L:
Inserir o debate, o pensamento. Uma vez que for perceptível que eu estava ali
porque algo está errado e que o patriarcado só vai beneficiar o opressor, já
estaremos em vantagem. Não podemos admitir que, em 2014, os pensamentos sejam
retrógrados, quase arcaicos, sobre as questões LGBTs (usarei a sigla mais
popular para maior entendimento) como estupro corretivo, espancamento,
incêndios criminosos e afins para dizer qual verdade é absoluta. As pessoas tem
todo o direito de ter ideias divergentes das minhas, mas não tem autoridade
nenhuma de controlar a liberdade e comportamento de um grupo. Sou uma pessoa
não binária, portanto, na “Província” em que vivo, sou singular e muito agredido
por determinados fatores. Boatos que eu estava ali sozinho, naquela avenida
toda suja de detritos de cavalos e, em contrapartida, eu digo que não - eu
estava lutando por você, eu e nós, todos os oprimidos, pois aqui existe gente
que luta inclusive para os oprimidos enxergar o quão subjugados.
V: Você
ficou com receio durante o seu protesto?
l: Não
tive medo em nenhum momento. Fui preparado até para ser esfaqueado. A questão é
que a minha segurança e segurança dos meus entes queridos foi a minha
prioridade. O meu corpo era a minha ferramenta de luta (sempre será) e a
intenção era causar visibilidade para aquela minoria e não para quem estava se
manifestando, mesmo que todos soubessem que eu seria a única pessoa capaz de
fazê-lo. Algumas pessoas (casos bem isolados) me olhavam com expressões muito
agressivas, mas eu já tinha rota de fuga e gente nas laterais para me proteger
e “cair para dentro” (como é que chamam na internet mesmo? Ah! Os amigos
gayzistas e as amigas feminazis). Eu me preparei até para ser perseguido por
tochas e tridentes (risos). Senti muito medo, mas fui com medo mesmo porque a
energia que me move é a ação.
V: Qual
foi a reação do pessoal que estava no desfile e por que você acredita que as
pessoas vaiaram? Para ti, o que significam essas vaias?
L: A
reação foi inesperada. Foi um silêncio mortificante quando eu entrei na avenida
enfrentando a pomposa apresentação de um CTG. Logo depois, vaias e aplausos se
intercalavam. Todavia, as vaias são a afirmação do sucesso no ato. Nas ruas
todo mundo me conhece e sabe que a indústria heteronormal-têxtil não me
representa. Companheiros de todo o Brasil estão me apoiando e me deram total
apoio em caso de quaisquer agressões e/ou manifestações danosas a minha imagem
e pessoas relacionadas a mim. Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso,
Brasília e o próprio Rio Grande do sul não irão se curvar mais uma vez para
essa falácia sensacionalista que passamos todos os anos no nosso estado. Dia 20
eu estava lá, sozinho nas imagens, mas representando tod@s @s oprimidos. Avante
revolucionári@s! Não nos calaremos. Eu posso ter aparecido sozinho naquela
avenida, mas ano que vem tem mais. Carazinho verá mais, muito mais.
V: Você
participa da militância LGBT? Como você se organiza e desde quando isso é
presente em sua vida?
L: Olha,
eu agi de maneira bem independente nessa intervenção, mas sempre que posso
estou presente com o Plural Coletivo Sexodiverso e participo do Grupo de
estudos feminista hoje idealizado como Coletivo Feminista “Maria, vem com as
outras!”. Inclusive, estamos organizando mais uma Marcha das Vadias de Passo
Fundo e região. Eu militava na causa LGBT e nem sabia, desde pequeno a
descontrução de gênero era evidente e a visão também. Mas conheci a cena
ativista ano passado, quando fui convidado por uma amiga para a Marcha das
Vadias e descobri que o meu ideal estava ali. Desde então promovemos muitas
ações e idealizamos muitos eventos que concentraram quase dez mil pessoas.
Eu não
estava ali para a autopromoção. Eu estava ali para dar visibilidade ao cenário
LGBT e ao transfeminismo, uma vez que já estou cansado de entrar e sair do luto
todos os dias por amig@s que morrem a todo o momento. Lutei por você, por mim e
por tod@s @s oprimid@s. Afinal, a revolução farroupilha só começou!
Abram
caminho que estamos passando com a revolução!
FONTE: Revista O Viés
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