Aprovado nesta semana na Câmara dos Deputados, o Estatuto da Igualdade Racial divide opiniões de integrantes do movimento negro.
Há consenso, no entanto, em um ponto: o texto da lei não contempla bandeiras importantes e históricas para os negros, como a definição de cotas em universidades e na mídia e sobre quem são os remanescentes dos quilombos.
O projeto de lei que cria o estatuto foi aprovado pelos deputados em caráter conclusivo (não passou pelo plenário), na quarta-feira (9), dez anos após o início das discussões do projeto no Congresso.
Agora, ainda precisa passar pelo Senado. Ou será analisado em comissão em caráter conclusivo ou irá à votação em plenário, conforme o que ficar decidido entre os senadores. Só depois é que irá à sanção presidencial. O governo quer que tudo esteja pronto para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancione a lei no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Prós
O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, diz que o estatuto ressalta a tese de que não há igualdade racial no Brasil. Segundo ele, no caso das cotas nas universidades, o tema ficou de fora porque está sendo analisado em projeto separado que tramita no Senado.
"O estatuto é o reconhecimento do Estado brasileiro em relação às desigualdades raciais e é a criação de um instrumento que garante inclusão. É uma vitória daqueles que defendem a tese de que nem todos são iguais e que há obrigação do Estado brasileiro com aqueles que estão excluídos de oportunidades do nosso país", afirma o ministro.
Edson Santos participou das negociações para aprovação do estatuto na Câmara e afirmou que o consenso "não foi fácil". "Foi gratificante. Nos levou a empenho grande, no convencimento das pessoas. Não foi fácil buscar o consenso até na questão do projeto ser votado na Câmara de forma terminativa."
O ministro disse que assim que o projeto de lei sair da Câmara ele deve ir pessoalmente ao Senado conversar com o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), para discutir a criação de uma comissão especial para que o tema seja analisado em caráter terminativo.
Um dos dirigentes da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Flávio Jorge afirma que, embora o estatuto não seja "exatamente" o que a entidade deseja, "significa o coroamento de uma luta que o movimento negro tem desenvolvido na construção de políticas públicas e superação do racismo". "Passa a ser um marco desses 30 anos de luta."
'Incompleta'
Para o dirigente da Conen, o estatuto ficou incompleto porque não trata sobre a questão dos quilombos e nem das cotas nas universidades.
"Vamos continuar lutando pelas cotas porque a elite branca continua criando resistência e a terra e o conhecimento geram privilégios e resistência." Ele diz que, embora incompleta, a lei é um avanço democrático. "Não foi uma concessão. É fruto de nossa luta, é uma conquista. O estatuto permite que se continue avançando. O combate ao racismo é um processo. Não é conquista de um dia para outro."
Consenso possível
Autor da proposta que cria o estatuto, o senador Paulo Paim (PT-RS) diz que o ideal teria sido aprovar o projeto "do jeito que saiu do Senado", com cotas para negro na mídia e definições sobre a população quilombola.
"Temos que entender que na correlação de forças da Câmara, foi o possível. (...) Tem muitas questões importantes. Vamos dando passos, foi uma vitória parcial." Ele afirmou que a expectativa é que o texto seja aprovado com facilidade no Senado. "O estatuto saiu do Senado muito mais contundente e volta em linha de mais consenso. Por isso, não vejo muita dificuldade."
O deputado federal Damião Feliciano (PDT-PB) afirmou que a origem do estatuto tinha "muito mais avanço". "Eles foram negociando durante todo o processo sempre para diminuir a questão dos direitos da negritude. Aprovou com toda negociação diminuída. Vejo como um estatuto desidratado." "Aprovamos porque é melhor 20% de alguma coisa do que 100% de nada", completa o deputado.
Feliciano avalia que a questão das cotas nas universidades deveria estar no estatuto. Ele disse que nem mesmo a questão dos incentivos para quem contratar negro deve ser comemorada se não houver implantação das cotas nas universidade.
"É preciso chamar atenção que a questão é mais profunda. Contratar 20% para ser serviçal não é avançar na sociedade. Para o negro ser porteiro, ser motorista, trabalhar na cozinha. É preciso que se avance na posição social e para isso precisa de estudo."
Contra
Para o coordenador nacional de organização do Movimento Negro Unificado (MNU), Ricardo Bispo, o estatuto é um "retrocesso".
"Foi o retrocesso mais criminoso que o movimento negro já assistiu. (...) Somos maioria em um país que faz questão de não nos dar visibilidade. O estatuto veio para destruir nossa auto-estima.
Rigorosamente, só sobrou coisa para quem não tem postura crítica, para quem acha que coisa qualquer serve." Ele cita que a redução para candidatos em partidos, a falta de cotas nas universidades e de definições sobre quilombolas e sobre o que é racismo prejudicou o texto.
"Nesse momento o que temos mostrado é que era um erro aprovar o estatuto porque seria aprovado um estatuto esvaziado. Cansamos de denunciar e eles diziam que estávamos errados. Que era preferível qualquer coisa desde que houvesse um marco legal. (...) Mas isso é inócuo. Da forma que está dificulta a nossa luta. Eles vão jogar na nossa cara que já temos um estatuto."
G1
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