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quinta-feira, fevereiro 27, 2014

A América Latina nem se tinge de vermelho nem vira para a esquerda



Na região existe uma polarização entre um
modelo democrático e respeitoso 
das liberdades
e de um de corte claramente autoritário

Chichicastenango é uma bonita cidade guatemalteca que realiza às quintas-feiras uma tradicional feira de tecidos e artesanato, ponto de atração para turistas interessados em conhecer a cultura indígena maia. Todos concordam em que ir a Chichi, como esse povoado é popularmente conhecido, acaba sendo uma experiência sem igual, pois se contempla uma explosão de cores e aromas provenientes dos lindos e caprichados tecidos que as vendedoras indígenas do grupo étnico quiché colocam diante dos olhos dos interessados.

De um ponto de vista político, a América Latina se parece com Chichicastenango no que se refere à presença de uma grande variedade de tendências políticas e partidárias. Pensar a região de modo uniforme tem sido, e ainda é, um erro. Acreditar que politicamente a América Latina “gira para a esquerda” (o termo batido utilizado em meados da década passada) ou que “gira para a direita”, como sustentavam por volta de 2010 analistas como Álvaro Vargas Llosa, ou que agora em 2013-2014 “se tinge de vermelho” e se “volta para a esquerda”, é ver a realidade com filtros ideológicos. Ou, o que é pior, implica ignorar a heterogeneidade política que caracteriza historicamente a região.

Os que alegremente colocam tudo no mesmo cesto (“a região gira para a esquerda” porque em 2013 foram reeleitos Rafael Correa no Equador e Michelle Bachelet no Chile) não levam em conta, em primeiro lugar, as enormes diferenças que separam as esquerdas na região. Na realidade, mais do que uma dinâmica entre esquerda e direita, alguns autores consideram que na América Latina deve-se falar de uma polarização entre um modelo democrático e respeitoso das liberdades (opção que sustentariam figuras como Bachelet, à esquerda, e Santos, na Colômbia, à direita) e de um modelo de corte claramente autoritário, cujo representante máximo seria o chavismo na Venezuela.

As diferentes esquerdas (por um lado, o nacional-populismo de um Hugo Chávez e seus herdeiros, por outro, a centro-esquerda bacheletista e lulista) não podem ser englobadas sob um mesmo guarda-chuva ideológico. Essas diferenças são muito mais que fatos curiosos, pois afetam liberdade essenciais. Assim, por exemplo, o regime chavista fechou meios de comunicação opositores, como a RCTV, em 2007, enquanto Dilma Rousseff defende a “liberdade de imprensa total e irrestrita”. “Pela minha história pessoal”, disse ela, “quero que saibam que essa liberdade é a única alternativa ao silêncio das ditaduras”.

Uma região dividida em três partes quase iguais, onde nenhuma das tendências tem um predomínio esmagador e onde as mudanças eleitorais mantêm a coexistência dessas mesmas tendências.

Como recordou neste diário Enrique Krauze, a esquerda moderada levou a modernidade e o progresso aos países que governou enquanto a esquerda nacionalista e populista sufoca as liberdades: “Na América Latina (como na Espanha com o PSOE), as grandes reformas foram feitas, de modo geral, por governos de esquerda que abandonam toda a retórica revolucionária em troca da via reformista, adotando esquemas liberais ou socialdemocratas… Os mesmos países que há alguns anos levantaram sua voz irada no golpe de Honduras permitiram que na Venezuela e outros países da ALBA fossem sufocadas as liberdades cívicas até tornar a democracia impraticável”.

Em segundo lugar, não é apenas o fato de na América Latina existir uma esquerda muito heterogênea e dificilmente classificável em uma só categoria, mas de, além disso, na região coexistirem três grandes tendências políticas (de centro-direita, de centro-esquerda e do “socialismo do século XXI”).

Quando há uma década se cunhou o famoso (e simplista) conceito de “giro à esquerda”, esse termo esquecia não só a heterogeneidade dessa esquerda como também a existência de forças de centro-direita no poder, como o PAN, no México, a ARENA, em El Salvador, e o uribismo, na Colômbia. Mas agora a situação está ainda mais acentuada, pois o centro e a centro-direita governam de forma majoritária na América Central e do Norte (o PRI de Enrique Peña Nieto no México, Otto Pérez Molina na Guatemala, Porfirio Lobo em Honduras, Laura Chinchilla na Costa Rica e Ricardo Martinelli no Panamá) e no Caribe (Danilo Medina na República Dominicana). Há duas exceções entre os países dessa zona: Mauricio Funes em El Salvador (que é um presidente de centro-esquerda democrático e reformista, com sérias diferenças com a ex-guerrilha marxista, em tese, seu apoio no legislativo) e Daniel Ortega na Nicarágua.

Na América do Sul a situação é, certamente, mais equilibrada, mas também heterogênea já que 3 governos são de centro-direita, 3 de centro-esquerda e 3 do “socialismo do século XXI”, além da inclassificável argentina de Cristina Kirchner. Existem três presidentes de centro-direita (Juan Manuel Santos na Colômbia, Horacio Cartes no Paraguai e ainda Sebastián Piñera no Chile), 3 de centro-esquerda (Ollanta Humala no Peru, Dilma Rousseff no Brasil e José Mujica no Uruguai) e 4 do também heterogêneo “socialismo do século XXI” e aliados (Nicolás Maduro na Venezuela, Rafael Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia e Cristina Kirchner na Argentina).

Trata-se, portanto, de uma região dividida em três partes quase iguais, onde nenhuma das tendências tem um predomínio esmagador e onde as mudanças eleitorais mantêm a coexistência dessas mesmas tendências. De fato, o “socialismo do século XXI” experimenta um claro estancamento, pois desde 2009 nenhum novo país se uniu ao clube da ALBA, que perdeu aliados como a Honduras de Manuel Zelaya (2009) o Paraguai de Fernando Lugo (2012). A centro-direita avançou sobretudo na América Central (Panamá em 2009, Honduras em 2010 e Guatemala em 2011) e o maior crescimento se deu na centro-esquerda, especialmente na América do Sul, com as vitórias de Humala em 2011 e Bachelet em 2013.

Desse modo, as eleições presidenciais de 2013 foram um fiel reflexo dessa situação: venceram os candidatos do “socialismo do século XXI” onde já governavam (em fevereiro no Equador e em abril, na Venezuela), a centro-direita no Paraguai e Honduras, e a centro-esquerda no Chile. Uma heterogeneidade que, a priori, vai continuar em 2014, ano em que a direita é favorita para ganhar na Costa Rica, El Salvador (pelo menos no segundo turno) e Colômbia, a esquerda moderada no Brasil e Uruguai e o socialismo do século XXI na Bolívia.

A conclusão é que, ao contrário dos anos 90, na atualidade existe uma região variada, heterogênea e com fortes diferenças internas na esquerda. A América Latina explode em matizes, cores e tendências.


FONTE: Brasil El Pais / Rogelio Núñez Castellano

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