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quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Seis notas para compreender o que acontece na Ucrânia




Nos últimos três dias pelo menos 86 pessoas morreram na praça central de Kiev e nos seus arredores. O que causou este banho de sangue?


Antes de responder à pergunta, permitam-me retroceder umas semanas para recordar qual era a situação na praça.

No final de novembro, milhares de manifestantes tomaram o centro de Kiev, instalaram um acampamento e protegeram-no com uma espetacular fortificação de barricadas.

Durante dois meses a situação permaneceu “relativamente” estável (comparada com o que ocorreu nas últimas horas). Os polícias anti-motim esperavam no outro lado das barricadas e davam-se confrontos entre os dois lados, mas o território controlado pelos manifestantes e pela polícia permanecia mais ou menos estável.

Quando visitei Kiev há três semanas escrevi um post com o título “O que ocorre na Ucrânia?” Talvez seja útil como complemento a este.

Quando começou a onda de violência sem controle?

Nesta terça-feira, os manifestantes começaram a marchar para o Parlamento, que se encontra a cerca de trezentos metros da sua última barricada.

Os Berkut, as forças especiais da polícia, bloquearam o possível assalto ao Parlamento e lançaram um contra-ataque para tomar o acampamento.

Nessa noite morreram pelo menos 26 pessoas entre manifestantes e polícias.

De manhã, os polícias anti-motim tinham conquistado metade do acampamento.

Aqui têm duas fotografias para compreender qual era a situação antes e depois da noite de batalha.

A) Situação da praça até terça-feira à tarde: ocupada pelos manifestantes como esteve durante os dois meses anteriores. 

B) Situação da praça na quarta-feira de manhã: a polícia controla metade.

Bom, então na quarta-feira de manhã a polícia tinha controlada metade do acampamento. E depois o que se passou?

Durante a quarta-feira a situação permaneceu estável. Os anti-motim desmontavam as barricadas da zona que tinham conquistado enquanto, a poucos metros, os manifestantes gritavam que não retrocederiam mais.

O inferno aconteceu às dez da manhã de quinta-feira. Em poucos minutos pelo menos 60 pessoas morreram e centenas ficaram feridas.

Os anti-motim tiveram que retroceder e abandonaram as posições que tinham recuperado apenas um dia antes.
(Devo reconhecer que nessa manhã apanhei um susto).

Três dias e 86 mortos depois, cada lado voltou às suas posições iniciais. A tragédia e o absurdo.

E aqui quem são os bons e quem são os maus?

Não creio que haja irmãs da caridade em nenhum dos dois lados. Os confrontos (pelo menos os que eu presenciei) foram entre bárbaros e bárbaros: linchamentos, balas reais, franco-atiradores.

Alguns meios de comunicação dizem que todos os manifestantes são de extrema direita, é verdade?

muitos militantes de extrema direita. Fotografei vários desses grupos para outro post. Mas dizer que são a grande maioria parece-me erróneo. Basta descer à praça e falar com as pessoas.

Conheci bastantes manifestantes que estão simplesmente fartos dos partidos políticos, cansados da corrupção e da falta de oportunidades.

É certo que o número de moderados desceu notavelmente nos últimos dias: após verem morrer dezenas de pessoas, muita gente razoável preferiu não arriscar e voltou para casa.

Os que ficam sabem que se está a arriscar a vida em cada momento. E claro, para isso os extremistas são mais fáceis de convencer. Um deles dizia-me anteontem: “Ou vêm com os tanques e passam-me por cima ou eu não me movo daqui até que Yanoukovich se demita”.

Alguns jovens universitários que conheci na praça há três semanas disseram-me que têm demasiado medo e que por isso se foram embora.

Isto é uma batalha entre a Rússia e o Ocidente?

No conflito da Ucrânia sobrepõem-se batalhas a vários níveis:

A) É um conflito entre a Rússia e o Ocidente pela sua influência na Ucrânia.

B) É um conflito nacional entre Yanoukovich e a oposição pelo controle do país.

C) É um conflito social entre os políticos e os cidadãos que não se sentem representados nem pelo presidente nem pela oposição.

D) É um conflito civil entre grupos da extrema direita nacionalista e a população de língua russa da zona leste do país e da região autônoma da Crimeia. 

Quanto mais tempo passo na praça, quanto mais argumentos escuto, mais complicada me parece esta história.

FONTE: Artigo de Alberto Sicília em Kiev, publicado no blogue Principia Marsupia. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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