Nos últimos três
dias pelo menos 86 pessoas morreram na praça central de Kiev e nos seus
arredores. O que causou este banho de sangue?
Antes de responder
à pergunta, permitam-me retroceder umas semanas para recordar qual era a
situação na praça.
No final de
novembro, milhares de manifestantes tomaram o centro de Kiev, instalaram um
acampamento e protegeram-no com uma espetacular fortificação de barricadas.
Durante dois meses
a situação permaneceu “relativamente” estável (comparada com o que ocorreu nas
últimas horas). Os polícias anti-motim esperavam no outro lado das barricadas e
davam-se confrontos entre os dois lados, mas o território controlado pelos
manifestantes e pela polícia permanecia mais ou menos estável.
Quando visitei Kiev
há três semanas escrevi um post com o título “O que ocorre na Ucrânia?” Talvez
seja útil como complemento a este.
Quando começou a
onda de violência sem controle?
Nesta terça-feira,
os manifestantes começaram a marchar para o Parlamento, que se encontra a cerca
de trezentos metros da sua última barricada.
Os Berkut, as
forças especiais da polícia, bloquearam o possível assalto ao Parlamento e
lançaram um contra-ataque para tomar o acampamento.
Nessa noite
morreram pelo menos 26 pessoas entre manifestantes e polícias.
De manhã, os polícias
anti-motim tinham conquistado metade do acampamento.
Aqui têm duas
fotografias para compreender qual era a situação antes e depois da noite de
batalha.
A) Situação da
praça até terça-feira à tarde: ocupada pelos manifestantes como esteve durante os
dois meses anteriores.
B) Situação da
praça na quarta-feira de manhã: a polícia controla metade.
Bom, então na
quarta-feira de manhã a polícia tinha controlada metade do acampamento. E
depois o que se passou?
Durante a
quarta-feira a situação permaneceu estável. Os anti-motim desmontavam as
barricadas da zona que tinham conquistado enquanto, a poucos metros, os
manifestantes gritavam que não retrocederiam mais.
O inferno aconteceu
às dez da manhã de quinta-feira. Em poucos minutos pelo menos 60 pessoas
morreram e centenas ficaram feridas.
Os anti-motim
tiveram que retroceder e abandonaram as posições que tinham recuperado apenas
um dia antes.
(Devo reconhecer
que nessa manhã apanhei um susto).
Três dias e 86
mortos depois, cada lado voltou às suas posições iniciais. A tragédia e o
absurdo.
E aqui quem são os
bons e quem são os maus?
Não creio que haja
irmãs da caridade em nenhum dos dois lados. Os confrontos (pelo menos os que eu
presenciei) foram entre bárbaros e bárbaros: linchamentos, balas reais,
franco-atiradores.
Alguns meios de
comunicação dizem que todos os manifestantes são de extrema direita, é verdade?
Há muitos
militantes de extrema direita. Fotografei vários desses grupos para outro
post. Mas dizer que são a grande maioria parece-me erróneo. Basta descer à
praça e falar com as pessoas.
Conheci bastantes
manifestantes que estão simplesmente fartos dos partidos políticos, cansados da
corrupção e da falta de oportunidades.
É certo que o
número de moderados desceu notavelmente nos últimos dias: após verem morrer
dezenas de pessoas, muita gente razoável preferiu não arriscar e voltou para
casa.
Os que ficam sabem
que se está a arriscar a vida em cada momento. E claro, para isso os
extremistas são mais fáceis de convencer. Um deles dizia-me anteontem: “Ou vêm
com os tanques e passam-me por cima ou eu não me movo daqui até que Yanoukovich
se demita”.
Alguns jovens
universitários que conheci na praça há três semanas disseram-me que têm
demasiado medo e que por isso se foram embora.
Isto é uma batalha
entre a Rússia e o Ocidente?
No conflito da
Ucrânia sobrepõem-se batalhas a vários níveis:
A) É um conflito
entre a Rússia e o Ocidente pela sua influência na Ucrânia.
B) É um conflito
nacional entre Yanoukovich e a oposição pelo controle do país.
C) É um conflito
social entre os políticos e os cidadãos que não se sentem representados nem
pelo presidente nem pela oposição.
D) É um conflito
civil entre grupos da extrema direita nacionalista e a população de língua
russa da zona leste do país e da região autônoma da Crimeia.
Quanto mais tempo
passo na praça, quanto mais argumentos escuto, mais complicada me parece esta
história.
FONTE: Artigo de Alberto
Sicília em Kiev, publicado no blogue Principia Marsupia. Tradução de Carlos
Santos para esquerda.net
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