Já se
passaram oito meses desde junho, quando os protestos começaram nas ruas de São
Paulo. Faltam quatro meses para a Copa. Houve tempo para que as autoridades
tentassem compreender o que está ocorrendo, mas depois da noite de
sábado fica cada vez mais evidente que a PM e a Secretaria de
Segurança navegam como uma nau sem rumo. A direção varia conforme o
vento e o humor da opinião pública, com estratégias que mudam de
acordo com o coronel que comanda o leme. Não existe
uma clara visão de Governo sobre o problema. Quem decide sobre
esse temas tão delicados para o Estado parecem ser os coronéis, como
se as manifestações fossem caso de polícia em vez de uma questão política.
Na tarde
de ontem, o comando da PM comemorava o “sucesso” da intervenção. O que talvez
os militares não perceberam, mas que estava evidente pela repercussão nas redes
sociais e pelas novas articulações que passam a ser feitas, é que muito
provavelmente eles jogaram mais gasolina na fogueira. Movimentos sociais
passam a reforçar o coro que antes estava mais restrito aos black blocs. É como
se os ilegalidades cometidas pelas autoridades legitimassem a luta
nas ruas. Algo que já havia ocorrido em junho. As jornadas
ganharam fôlego na mesma proporção em que autoridades praticaram
abusos testemunhados pela população. Jornalistas ainda não aprenderam a prever
o futuro. Mas a partir do que vi no passado, eu poderia apostar: a manifestação
do dia 13 de março vai ser maior.
O blog
conversou no domingo com outros jornalistas, advogados, manifestantes e
autoridades que participaram dos protestos no sábado. Os abusos foram
incontáveis. A detenção para averiguação, por exemplo, que já vinha sendo
contestada desde junho por ser anticonstitucional, passou a ser feita no
atacado, sem qualquer constrangimento. A prática foi comum ditaduras, quando
suspeitos eram detidos para serem fichados pelo regime. Com a reinstaurarão da
democracia, apenas aqueles que fossem pegos praticando crimes em
flagrante poderiam ser levados. Não foi o que se viu ontem. Entre as mais
de 300 pessoas detidas, ninguém estava de fato desrespeitando a lei. Em algumas
das sete delegacias onde estavam, advogados e
detidos relataram que foram tiradas fotos de pessoas com nomes
escritos em plaquinhas. Cena que provocou arrepios em antigos opositores do
regime militar que a testemunharam.
O uso da
força, para variar só um pouquinho, foi ilegítimo. O que se viu foi
violência. Uma jornalista de O Estado de S. Paulo, há pouco mais de
um ano na redação e recém saída da faculdade, levou uma pancada com
cassetete na cabeça e apanhou junto com um grupo de cerca de 50 pessoas
que estava rendido no Vale do Anhangabaú. Os policiais deixaram o grupo
sair do cerco e depois passaram a correr atrás deles para detê-los e,
em alguns casos, agredi-los. Qual o objetivo desse absurdo? São policiais
ou são holigans?
Um
jornalista de O Globo levou um sossega leão e foi puxado pelo pescoço por
mais de 20 metros porque filmava policiais trabalhando. Disse que era repórter
e teve o celular quebrado. Foi solto minutos depois por um capitão ao avisar
que iria denunciar o abuso na Corregedoria (órgão que; aliás, desde junho, não
puniu nenhum policial por abusos nas manifestações). O sossega leão foi apenas
uma das equivocadas demonstrações de violência da chamada Tropa de Braço
ou Tropa Ninja, formada por lutadores de artes marciais que, segundo
testemunharam jornalistas, deram suas braçadas sem identificação nos
uniformes.
Um
fotógrafo, inclusive, teve seu equipamento quebrado pelos
policiais. Nas delegacias, advogados que ajudavam manifestantes foram
acusados por alguns de seus pares de buscarem ilegalmente sua clientela. Um profissional
voluntário foi agredido por outro advogado. Jornalistas e advogados não
são piores nem melhores que manifestantes. A gravidade de que agressões sejam
direcionadas a estes profissionais é que deixa clara a intenção de coibir
acesso a direitos e a informação.
O que
estava claro é que havia uma nova estratégia da PM para lidar com os
protestos. O plano do coronel Celso Luís Ferreira era bem diferente
do levado ao cabo por seus antecessores. Foi abandonada as tentativas de
diálogo que o coronel Reynaldo Rossi tentara estabelecer nas ruas durante as
manifestações anteriores. Rossi foi transferido depois de ser agredido na
rua por manifestantes no ano passado. O desgaste do quebra-quebra vinha levando
naturalmente a um desgaste dos protestos, que perdia apoio popular.
Na nova
tática, voltava para o front o tenente-coronel Ben-Hur, que acabou perdendo o
controle de seus policiais em junho, quando eles se refastelaram em
agressões contra manifestantes diante das câmeras, evento que acabou
se transformando no gatilho para trazer a massa da população aos protestos e
catapultar as jornadas de junho. Naquele dia, a PM achou que conseguiria
impedir a chegada dos manifestantes na Avenida Paulista. Deu no que vimos. Mas
a crença da polícia em sua onipotência estava de volta.
No
início, segundo os relatos, os protestos estavam tranquilos e havia cerca
de 2 mil pessoas nas ruas, muitas delas vindos dos blocos de carnavais do
centro. A PM usou dois mil homens para tentar sufocar os protestos.
Agrediu e bateu nos manifestantes para depois celebrar o sucesso da ação. Para
usar os termos militares, talvez tenha ganhado a batalha, mas não a guerra.
Junho mostrou que as manifestações podem reagir como uma Hidra. Ao cortar uma
de suas sete cabeças, novas cabeças aparecem. Em vez de sufocar, violência
garante mais fôlego aos manifestantes.
FONTE: Bruno
Paes Manso / blogs.estadao
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