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sexta-feira, janeiro 02, 2009

ESCREVA TRANQUILO, MAS PODE FICAR TRANQÜILO...

A leitura de jornais, revistas e sites na Internet sugere que dois sentimentos passaram a dominar os corpos e espíritos dos falantes nativos da língua portuguesa no Brasil desde que o novo Acordo Ortográfico passou a virar notícia. O primeiro deles diz respeito às bolinhas que, frequentemente, encimam o “u” que se espreme entre as letras “q” ou “g” e as vogais “i” ou “e”. Não são poucos os que parecem acreditar que, sem o trema, algumas palavras talvez se tornem exageradamente engraçadas. A ponto de transformarem uma simples aula de redação em show de humor, com alunos e alunas soltando risinhos ao ouvirem as novas pronúncias de velhas conhecidas.
Exemplo? “Lingüiça”. Sem o sinal, o “u”, interposto entre as letras “g” e “i”, deixaria de ser pronunciado. O mesmo ocorreria com “freqüente”, “tranqüilo”, “seqüência”, “agüentar” e “ambigüidade”. Certo? Errado. Porque a reforma é apenas ortográfica, adverte Myrson Lima, gramático, autor do livro O essencial do Português e consultor do O POVO. Dito de outra forma: adotado pelos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o acordo não modifica a prosódia, preservando as variações linguísticas. Escreve o professor Myrson: “A unidade que se procura é unicamente da grafia, do sistema ortográfico, unidade já há muito existente nos outros idiomas internacionais, como o inglês, o francês, o espanhol e o francês”. Assim, ainda que sem o trema, as palavras mencionadas logo acima continuarão a ser pronunciadas da mesma maneira. Ao contrário dessa sensação que mistura nostalgia e alívio envolvendo os dois pontinhos suspensos sobre a vogal “u”, há a que lamenta apaixonadamente a odiosa permanência de um traço: o hífen. Nesse quesito, até gramáticos como Myrson baixam a cabeça e sonham com um mundo onde não houvesse tracejados separando as palavras e a justaposição entre termos fosse radical e, em alguns casos, romântica. Afinal, quer regra mais simples que essa? Para formar novo substantivo composto ou mancomunar verbos que mal se conhecem, bastaria casar os termos e uni-los integralmente. Não é o caso. A utopia do professor ficará para outra reforma. Com o novo acordo, mesmo que algumas palavras tenham perdido aquele sinal milimétrico, outras passaram a recebê-lo. E uma coisa acaba compensando a outra. Reforma anterior As críticas ao Acordo Ortográfico põem de lado os índices quase irrisórios de termos que se modificam no Brasil (segundo levantamentos de estudiosos, entre 0,5% e 2% do léxico brasileiro será afetado) e se concentram em alguns pontos considerados inconsistentes. Mesmo branda, a reforma é atacada. Em entrevista ao O POVO em junho, o professor Pasquale Cipro Neto considerou a reforma despropositada. Porque “os portugueses dizem ‘cómodo’ e nós dizemos ‘cômodo’. Eles escrevem com acento agudo e nós com circunflexo. O sujeito que está lá em Estocolmo estudando português, ele escreve à brasileira ou à portuguesa? Que unidade é essa? Ele vai continuar com a mesma dúvida”. Para o apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, da TV Cultura, a reforma efetivada no Brasil em 1971 sequer foi assimilada. “Quem viveu a reforma de 1971, as pessoas que têm mais de 50 anos sabem. Essas pessoas ainda vivem com duas grafias. Essa reforma de 1971 ainda não foi absorvida. Eu tenho a impressão de que o custo (do acordo ortográfico) supera de longe o benefício. Por mim, essa reforma não seria feita.” De acordo com Myrson Lima, “a polêmica se justifica por um lado porque se esperavam mudanças mais radicais, uma simplificação maior, por exemplo, no que diz respeito ao emprego do hífen, e por outro pela reação natural que toda reforma provoca, pela rejeição ao novo, pelo conservadorismo de muitos, pela necessidade de se aprenderem e praticarem novas regras”. Para ele, a reforma interfere menos no português falado e escrito no Brasil do que no de Portugal. Lá, as mudanças seriam palpáveis. Bem medidas, porém, as alterações beneficiariam bem mais o Brasil. “Todas as tentativas de reforma anteriores fracassaram, porque se tentou uma unidade absoluta, sem respeito às variações de cada país lusofônico. O acordo foi mais pragmático que as propostas anteriores. Soube superar, com habilidade, uma quebra de braço antiga e injustificada entre portugueses, que se julgavam donos da língua e brasileiros, que não querem sentir-se tutelados pela antiga metrópole.” E-MAIS > Há 230 milhões de falantes do português no mundo inteiro e oito nações que adotam o português como língua oficial: Brasil, Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor Leste. > Oito países adotarão as novas regras, que começaram a ser ratificadas em 2004, quando o Brasil assinou o acordo. Dois anos depois, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe endossaram o acordo. > No Brasil, a última reforma da língua portuguesa data de dezembro de 1971 > Aqui no Brasil, o prazo para a adoção total do Acordo Ortográfico vai até dezembro de 2012. Os falantes da língua em Portugal terão mais dois anos para escrever “acção” com “c” mudo e “húmido” com “h” inicial. > Segundo informa o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, “a “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi criada em Lisboa, em julho de 1996, com a finalidade de reunir os sete países lusófonos então existentes - Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe - em torno de três objetivos gerais, definidos nos Estatutos da comunidade: a concertação político-diplomática entre os seus membros; a cooperação econômica, social, cultural, jurídica e técnico-científica; e a promoção e difusão da Língua Portuguesa. Após sua independência, em 20 de maio de 2002, Timor Leste passou a ser o oitavo estado-membro da comunidade”. > De acordo com Myrson Lima, consultor do O POVO, um dos grandes benefícios proporcionados pelo Acordo Ortográfico será a livre circulação de livros entre os países que formam a CPLP e a adoção, em escala internacional, de uma mesma grafia para o português.



AS PRINCIPAIS MUDANÇAS
> Entre 0,5% e 2% do vocabulário brasileiro será alterado; > Em Portugal, o “c” e o “p” mudos deixarão de ser grafados e o “h” de palavras como “húmido” e “herva”, escritos no Brasil sem a letra, também; > O trema deixará de existir, senão em nomes próprios e casos semelhantes; > Acento agudo: deixarão de existir nos ditongos abertos “ei” e “oi” de palavras paroxítonas, como “panacéia” e “estréia”, que passarão a ser escritas sem o acento; em “i” e “u” tônicos de paroxítonas precedidas de ditongos, como em “feiúra”; Os grupos “pára” (flexão do verbo parar) e “para” (preposição); “péla” (flexão do verbo pelar) e “pela” (contração da preposição “por” com artigo feminino “a”); “pélo” (flexão do verbo pelar), “pêlo” e “pelo” (contração da preposição “por” com artigo masculino “o”; > O hífen será eliminado em duas situações: quando o segundo termo iniciar com “s” ou “r”. Exemplo: “antirreligioso”, hoje escrita “anti-religioso”. Mantém-se o sinal apenas quando os prefixos terminarem “r”, como em “hiper”; a outra situação: quando as vogais que encerram o primeiro termo e começam o segundo forem diferentes, como em “extraescolar”, hoje escrita “extra-escolar”; > Com o acréscimo das letras “k”, “y” e “w”, o alfabeto passará a ter 26 letras; > O acento circunflexo será abolido nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo e do subjuntivo dos verbos “crer”, “dar”, “ler” e “ver” e de outros formados a partir deles, ficando “creem”, “deem”, “leem” e “veem”; o acento também cai em palavras terminadas no hiato com duplo “o”, caso de “vôo” e “enjôo”, que passarão a ser escritas sem o sinal.

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