Conheça a história do St. Pauli, clube germânico que se posiciona contra o racismo, o fascismo, a homofobia e o machismo em seu estatuto. E, com isso, conta com uma legião de fãs que ultrapassa dos limites da Alemanha
O St. Pauli é um time de futebol diferente. A equipe alemã da cidade portuária de Hamburgo se declara anticapitalista, antifascista e já teve até um diretor de teatro assumidamente gay como presidente. Encampando bandeiras de movimentos sociais e das liberdades individuais, a equipe da região Norte da Alemanha expandiu sua fama a partir dos anos 1980. Foi nessa mesma década que o clube colocou toda sua visão libertária no papel. Desde então se declara contra o racismo, o fascismo, a homofobia e o machismo em seu estatuto.
Na década de 1980, auge das brigas entre torcedores (principalmente na Inglaterra e na Alemanha), dos hooligans e dos problemas políticos ocasionados especialmente por neonazistas e demais perseguidores das minorias, os torcedores do time fundado no distrito operário de St. Pauli se uniram num movimento antifascista, chegando a combatê-lo com o uso de violência. Parte da torcida da equipe considerada foco do fascismo acabou por ser escanteada na marra das dependências do estádio Millerntor. A mitologia foi ganhando mais musculatura com a chegada de movimentos sociais e grupos políticos ligados aos comunistas, anarquistas e de artistas locais que passaram a torcer pelo St. Pauli desde então.
"Um monte de gente passou a sair das docas e levar bandeiras com uma caveira e ossos cruzados com as cores do clube. Era uma piada, mas isso se espalhou", explica Sven Brux, torcedor de longo tempo e membro da equipe de segurança do time. "É um símbolo: nós, os pobres, contra os ricos. Clubes ricos como [Bayern] Munich. Agora os piratas lutando pelos pobres contra os ricos é um símbolo oficial do clube", afirma em um documentário do time.
E a fama dos piratas também se estendeu mundo afora. Ao todo, são mais de 500 fã-clubes do St. Pauli espalhados pelo mundo. É não é porque o Brasil não abriga nenhum deles que não há torcedores da equipe no país. “Quando eu conheci o St. Pauli vivia procurando materiais sobre o time. Em português, não encontrava muita coisa e o que encontrava eram informações superficiais, daí lia material em inglês, que também era pouco. A única maneira de ter algo completo era em alemão. Quando comecei o blogue em janeiro de 2009, o time estava na 2.Bundesliga [segunda divisão] e a variedade de informações sobre o time era bem pobre a não ser na língua natal”, conta a designer de moda Luciana Leal, 33 anos, que mantém um blogue, o St. Pauli Brasil (http://fcstpaulibrasil.blogspot.com/), totalmente escrito em português.
Para os torcedores do time germânico, há valores mais importantes que o futebol e os resultados alcançados em campo. O clube, que estima ter 11 milhões de sócios na Alemanha, chegou a manter uma média de 15 mil torcedores por jogo enquanto estava na terceira divisão, campeonato com média geral de 200 espectadores. Uma prova de fidelidade e tanto.
“Na temporada passada, quando o time esteve na liga principal, fez uma campanha bem fraca e voltou pra 2.Bundesliga e nem por isso os torcedores deixaram de apoiar. Se fosse aqui, o ex-técnico [Holger Stanislawski] teria sido demitido há muito tempo. Mas não, o treinador ficou com a equipe até o fim [ele saiu para assumir o TSG 1899 Hoffenheim] e mesmo já tendo sido rebaixado fizeram uma festa linda de despedida em agradecimento por toda a sua contribuição”, conta Luciana. “O time exerce uma paixão instantânea em quem o conhece”, completa a brasileira, que descobriu o time por meio de um namorado alemão “maluco pelo time”, segundo ela.
Mas a paixão pelo time não impede os torcedores de atitudes muito bem pensadas. Em 2002, por exemplo, uma publicidade de uma revista masculina foi considerada sexista pelos torcedores, numa possível depreciação das mulheres, e sua veiculação no estádio rendeu diversas críticas. A direção do clube entendeu a mensagem e mandou retirar a peça publicitária. Por ações desse calibre, a equipe pirata tem outra marca para se orgulhar: a de maior torcida feminina na Alemanha.
O distrito de St. Pauli recebe desde sempre muitos imigrantes que trabalham nas docas do porto local, criando uma aura multicultural na região. Além disso, Reeperbahn, a avenida mais liberal da cidade, fica nas redondezas. É lá onde estão instalados diversos sex shops, cinemas pornô e casas com shows de sexo ao vivo. É por ali também que as prostitutas se instalaram e tentam atrair os clientes de dentro das janelas emolduradas com o neon, um red light district semelhante ao de Amsterdã, na Holanda. Um dos clubes de striptease da cidade abrigou os primeiros shows dos Beatles fora da Inglaterra, em 1961. O clube funciona ainda hoje, mas agora apenas para apresentações musicais.
Não ao setor VIP
Mais recentemente, o time voltou a ser destaque na imprensa internacional por duas inovações. A primeira delas foi relacionar o seu assessor de imprensa como jogador do time, no banco de reservas para uma partida válida pela primeira divisão da Bundesliga (temporada 2010/11), em fevereiro deste ano. Com vários atletas sem capacidade física de entrar em campo, o assessor Hauke Brückner, 30 anos, que foi jogador semi-profissional, foi chamado às pressas. Em 2011, foi a vez de inovar na apresentação e divulgação do uniforme da equipe para a temporada 2011/12. Nas imagens, apenas os próprios torcedores do time esquerdista: punks, mulheres, jovens tatuados, crianças, homens bastante acima do peso e até cachorros.
Mas nem todos torcedores se mostram satisfeitos com os rumos da gestão do time que atua na segunda divisão do Campeonato Alemão. Desde o final do ano passado, o grupo de torcedores auto-intitulado “Românticos Sociais” (tradução do alemão: Sozialromantiker) critica a recente instalação de outros 200 lugares na área VIP do estádio. "O St. Pauli é uma ilha no mundo do futebol profissional que está preocupado apenas com a exploração financeira", clama o manifesto intitulado “Já chega!”, que foi distribuído por eles.
Os “torcedores românticos” vão aos jogos com bandeiras vermelhas grafadas com os dizerem “Tragam de volta o St. Pauli”. Outra insatisfação recente do grupo eram os shows de striptease que ocorriam dentro do estádio. Durante as comemorações dos gols da equipe mandante, as strippers tiravam peças e mais peças de roupa. A diretoria acabou cedendo e desde fevereiro não há mais espetáculos eróticos no Milletorn. Quer dizer, ao menos não dentro das dependências do estádio.
FONTE: REVISTA FÓRUM / Rafael Nardini
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