Valoriza herói, todo sangue derramado afrotupy!

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

São Paulo dá Mocidade Alegre 2012



















Em agosto de 2012, comemoram-se os 100 anos de nascimento do escritor Jorge Amado. Certamente estão programados vários eventos para rememorar o escritor brasileiro com mais obras traduzidas no mundo todo e adaptadas para o cinema, teatro e televisão. Um dos primeiros acontecerá no Carnaval de São Paulo

Da famosa carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, de Portugal, em 1500, que descrevia a terra descoberta por Cabral, sempre nos lembramos de que nela "em se plantando, tudo dá". E ninguém acredita mais nisso que os carnavalescos das escolas de samba. Dando asas à imaginação e à criatividade, na escolha de um enredo para o desfile de Carnaval, na maioria das vezes, eles "plantam" ideias rebuscadas para contar uma simples história. Muitos se dão bem. Outros se perdem no emaranhado de fatos e de conceitos criado por eles próprios. 

Sidney França, um jovem de 30 anos, que desde 2009 elabora os enredos da escola de samba paulistana Mocidade Alegre, está entre os primeiros. Para o carnaval de 2012 - ano em que se comemora o centenário de Jorge Amado - em vez de contar a vida e a produção literária do escritor, Sidney escolheu uma de suas obras: Tenda dos Milagres - romance sociológico, lançado em 1969, que denuncia o preconceito e a intolerância religiosa -, e exalta o que, segundo Amado, seria a identidade nacional, resultante de misturas, como a miscigenação e o sincretismo religioso.

"Não é por acaso que a história de Tenda dos Milagres começa na África, com um presságio sobre a terra para onde os negros foram levados como escravos: 'nascer, crescer e se misturar'. - explica Sidney -. Este é o enfoque central do nosso enredo, cujo personagem principal não é o Pedro Archanjo da obra, que no candomblé tinha o título de Ojuobá (os olhos do rei), é o próprio rei Xangô."

Na história pensada pelo carnavalesco, vendo tanta injustiça contra os africanos e seus descendentes, o capoeirista mestiço Archanjo, que trabalha como bedel (servente) em uma universidade em Salvador, clama pela justiça de Xangô. O orixá, então, deixa o continente africano, atravessa o mar e chega ao Brasil, onde encontra a escravidão. Ele liberta os escravizados, mas o racismo e o preconceito permanecem. É quando Xangô resolve iluminar a mente do escritor comunista Jorge Amado para resgatar a história do povo baiano, mostrando como os negros fizeram para integrar a raça brasileira e conseguir manter suas crenças.

XANGÔ ESCOLHEU UM OBÁ ATEU

Apesar de se declarar um homem sem fé, o próprio Jorge Amado recebeu no candomblé o título de honra Obá de Xangô - por indicação do próprio orixá - como teria declarado a sacerdotisa Mãe Senhora (Maria Bibiana do Espírito Santo), que esteve à frente do terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, de 1942 a 1967. Sidney França ressalta que "assim como o escritor, o mulato Pedro Archanjo, na obra, vive entre a intelectualidade baiana e o povo simples de Salvador, jogando capoeira na praça, se embebedando com os boêmios, mas também debatendo, em pé de igualdade, com os teóricos acadêmicos racistas. Circula seguro pela região do Pelourinho, entre a elite e a vassalagem." O carnavalesco lembra que Amado foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, em 1945, e, mesmo sendo ateu, foi o autor do projeto de lei que garantiu o direito à liberdade de culto e de expressão religiosa, ratificado posteriormente pela Constituição de 1988.

É essa Bahia dos anos 20 e 30 do século passado, com sua riqueza cultural e as misturas que a caracterizam, que será cantada e apresentada pela Mocidade Alegre.

E para quem imagina que se verá um enredo exaltando a personalidade e o talento literário de Jorge Amado, o carnavalesco alerta: "Não faremos isso. Que até seria mais fácil. Por conta das adaptações de suas obras, entre elas, a própria Tenda dos Milagres, que virou um filme de Nelson Pereira dos Santos (1977) e uma minissérie da Globo, todos já conhecem bem o talento do autor e a riqueza de suas obras. Minha menção a Amado será fechar o desfile, agradecendo ao visionário escritor centenário por ter retratado tão bem o Brasil e sua forte identidade."

MISSÃO: SER CAMPEÃ

Sidney França se criou na Casa Verde Alta, em São Paulo. Ainda menino conheceu a Mocidade Alegre e, na década de 90, desfilou na ala Em Cima da Hora. Com a morte da presidente Elaine Cruz Bechara, em 2003, a irmã da falecida, Solange Cruz Bechara assumiu a presidência e criou uma comissão de carnaval para a qual convidou o amigo Sidney, formado em economia. Nessa comissão ele assessorou os carnavalescos Nelson Ferreira e, posteriormente, Zilkson Reis, que ficou até 2008.

Esposa do Mestre Sombra (Marcos Rezende), diretor de bateria - e mãe de Carlos Augusto, o Sombrinha - Solange assumiu a presidência da Mocidade Alegre, em 2004, com duas missões igualmente difíceis: fazer a escola reconquistar o título de campeã do grupo especial depois de 24 anos; e convencer o tio, Juarez da Cruz, de que tinha capacidade para isso, sob a intensa pressão do patriarca da Mocidade e o grupo que o circundava. "Eu chorava bastante, rezava e trabalhava enlouquecidamente com a comissão na montagem do enredo Do Além-Mar à Terra da Garoa... Salve Esta Gente Boa. Fui para a apuração com meus 'tercinhos' e quase morri quando a Mocidade Alegre foi sagrada campeã. Lembro do Seu Juarez - ela não o menciona como tio - vindo humildemente me cumprimentar, me chamando de filha." 

Seguiram-se dois terceiros lugares e, em 2007, outro título de campeã, com Posso Ser Inocente, Debochado e Irreverente... Afinal, Sou o Riso dessa Gente!!!. Solange diz que inicialmente era para ser contada a história dos Mamonas Assassinas e que haveria um grande patrocínio, pois ia fazer parte de um filme, mas a velha guarda e outros integrantes foram contra e que ela antes de tudo respeita a opinião da comunidade. "Se não agradá-los, não adianta montar, pois o enredo não pega a alma da escola", afirma.

No ano seguinte, a Mocidade foi vice-campeã. Em 2009, a escola apelou para o coração com o enredo Da Chama da Razão ao Palco das Emoções... Sou Máquina, Sou Vida... Sou Coração Pulsando Forte na Avenida!!!. Os "tercinhos' de Solange se multiplicaram. "Os amigos sabem que eu gosto de terços e me presenteiam com eles." E deram sorte mesmo. Mas pesou mais o desfile impecável. Campeã de 2009. Menos de 10 dias depois da apuração, o coração emocionado do fundador-mor da agremiação, Juarez da Cruz parou de bater.


"OJUOBÁ ‑ 
NO CÉU,OS OLHOS DO REI...
NA TERRA, A MORADA DOS MILAGRES...
NO CORAÇÃO, UM OBÁ MUITO AMADO!" 
(GRCES MOCIDADE ALEGRE - CARNAVAL/2012)

O VOO DAS MARIPOSAS

Na década de 50, os fluminenses de Campos do Goytacazes, Juarez, Carlos e Salvador, com seus amigos, costumavam brincar carnaval vestidos com roupas femininas. Naquela época, a zona de meretrício da cidade ficava no bairro do Bom Retiro. O então prefeito Jânio Quadros mandou reformar bondes, nos quais colocaram uma inscrição dizendo que foram recuperados pela prefeitura. Aí eles tiveram a ideia de batizar seu bloco de Mariposas Recuperadas do Bom Retiro. 

Foi com esse espírito que os três irmãos fundaram o bloco Mocidade Alegre, na década de 60, quando o carnaval paulistano foi oficializado. O bloco virou escola de samba e, contam os mais velhos, que seus melhores desfiles foram com temas afros, como Zumbi dos Palmares (1970), A Revolta dos Malês (1979), A Embaixada de Bambas (1980), Vissungo, Canto de Riqueza(1981), e Omi - O Berço da Civilização Iorubá (2003), entre outros.

No início dos anos 70, Juarez, com seu inseparável charuto e chapéu russo de pelo de carneiro, inaugurou no bairro do Limão, a quadra alugada que ficou conhecida como Morada do Samba. Ele encabeçou a Mocidade Alegre até 1992, quando passou a presidência para o irmão Carlos Augusto Cruz Bechara. Com a morte de Carlos, em 1998, o cargo foi assumido pela filha Elaine Cristina, a Laila. E agora o comando está a cargo da irmã dela, Solange, que se orgulha de ter feito mudanças radicais, profissionalizando a escola. "As regras estão cada vez piores. A gente trabalha muito e no dia do desfile sai daqui para ser campeã. 

O Carnaval é decidido nos detalhes. Só não seremos por alguma circunstância, como neste ano, que tivemos uma quebra de carro, que tirou pontos da escola. Com esses pontos teríamos vencido o Carnaval." 

Nos tempos de Seu Juarez, na concentração do desfile, eram distribuídos folhetinhos com os seguintes dizeres: "Receita para ganhar Carnaval: cantar, sambar e sorrir." 

Solange e Sidney que, durante a entrevista, sorriram o tempo todo e, nos ensaios fazem questão de sambar e cantar com sua comunidade, seguem a receita. E claro que eles confiam também no machado de Xangô. Caô Cabecilê!

FONTE : OSWALDO FAUTINO / Raça Brasil

Veja letra do samba-enredo da Mocidade Alegre para 2012

Ojuobá — No Céu, os Olhos do Rei… 
Na Terra, a Morada dos Milagres… 
No Coração, Um Obá Muito Amado!
Autores: Fernando, Leandro Poeta, Renato Guerra, Rodrigo Minuetto, Thiago e Vitor Gabriel
O rufar do tambor vai ecoar

Tenho sangue guerreiro, sou Mocidade!
A luz de Ifá vai me guiar
Ojuobá espalha axé, felicidade!
Kaô kabecile

Kaô, meu Pai Xangô!
Ouça o clamor de Ojuobá
É fogo! É trovão! É justiça!
E assim, cruzando o mar de Yemanjá
Aponta o seu oxé a nos guiar
Raiou o sol da liberdade a quebrar correntes
E nessa terra o negro vence
Com a proteção do rei de Oyó
Contra o preconceito ao seu povo
Conduz a mão que escreve um mundo novo
No Pelô… Salve a Bahia de São Salvador

Eu vou à capoeira, meu amor
Morada dos milagres, devoção e fé
Um grito de igualdade… Axé!
É magia…

Na mistura de raças surgiu
A pele morena, linda é a cor do Brasil
Na crença, um traço cultural
E pelas ruas o povo a cantar
É arte popular que faz emocionar, o Afoxé a embalar
No Ylê a sua luz brilhou
A mão de Mãe Senhora o consagrou
Eternizado, é coroado Obá de Xangô
Jorge… Orgulho da nação
Amado… Em cada coração
Feliz, o povo canta em oração!

 Glossário: Conheça as palavras em línguagem Yorubá na letra do Samba Enredo de 2012

Ifá – Orixá responsável pelo destino. O próprio destino. É também o nome de um oráculo africano utilizado como sistema de adivinhação, através do jogo de búzios. Originado pelos povos yorubás, na África (região da atual Nigéria).

Ojuobá – Palavra da língua yorubá que significa Olhos do Rei ou Os Olhos de Xangô. É um título-de-honra conferido no Candomblé para aqueles escolhidos pelo Orixá da Justiça para fazerem valer sua vontade. Os ojuobás são conhecedores dos segredos do axé e verdadeiros guerreiros na luta por uma sociedade mais justa e feliz.

Axé - força vital, energia, princípio da vida, força sagrada dos orixás. Axé é o nome que se dá às partes dos animais que contêm essas forças da natureza viva, que também estão nas folhas, sementes e nos frutos sagrados. Axé é bênção, cumprimento, votos de boa-sorte e sinônimo de Amém. Axé é poder. Axé é o conjunto material de objetos que representam os deuses quando estes são assentados, fixados nos seus altares particulares para ser cultuados. São as pedras e os ferros dos orixás, suas representações materiais, símbolos de uma sacralidade tangível e imediata. Axé é carisma, é sabedoria nas coisas-do-santo, é senioridade. Axé se tem, se usa, se gasta, se repõe, se acumula. Axé é origem, é a raiz que vem dos antepassados, é a comunidade do terreiro. Os grandes portadores de axé, que são as veneráveis mães e os veneráveis pais-de-santo, podem transmitir axé pela imposição das mãos; pela saliva, que com a palavra sai da boca; pelo suor do rosto, que os velhos orixás em transe limpam de sua testa com as mãos e, carinhosamente, esfregam nas faces dos filhos prediletos. Axé se ganha e se perde. (Extraído de Reginaldo Prandi, Os candomblés de São Paulo.)

Kaô Kabecile (Kawó Kabiesielé) – Saudação a Xangô, significa venha ver o Rei descer sobre a Terra.

Xangô – é o orixá do fogo, do trovão, do governo e da justiça. Foi sincretizado com São Jerônimo, santo invocado para se pedir proteção contra os temporais. O poder sobre as intempéries fez de São Jerônimo Xangô... E vice-versa. Também foi sincretizado com São João, pois o fogo, elemento de Xangô, está presente na fogueira deste santo católico.

Iemanjá – Deusa dos mares. Orixá feminino que foi sincretizada com a Nossa Senhora da Conceição (protetora da Humanidade) e Nossa Senhora dos Navegantes. Na mitologia, é mãe da maioria dos orixás.

Oxé – Ferramenta que Xangô carrega. Trata-se de uma machadinha com duas lâminas, instrumento que ele usa para fazer justiça.

Oyó – Cidade da Nigéria que foi capital de um reino séculos atrás, onde originou-se o culto a Xangô.

Rei de Oyo – Uma das formas para se referir a Xangô.

Afoxé – Bloco carnavalesco formado por filhos de santo. Também conhecido como “candomblé-de-rua”. Também é o nome de um instrumento musical.

Ilê – Terreiro de Candomblé (Ilé Axé). Terreiro é o nome que se dá ao templo de candomblé e de outras religiões afro-brasileiras. Nos primeiros tempos, os rituais eram celebrados no quintal de alguma edificação urbana ou numa roça afastada, isto é, no terreiro, ao ar livre. Depois, passou-se a construir um barracão coberto de sapê onde se realizavam as danças sagradas, cômodos para abrigar os altares dos orixás e a clausura, onde se fazem as iniciações secretas. Esse conjunto é chamado ainda hoje de terreiro. O local das danças cerimoniais, do mesmo modo, é denominado barracão, embora seja agora um salão de alvenaria, como as demais dependências. Em yorubá, uma das línguas rituais do candomblé, o templo ou terreiro é chamado de Ilê Axé (Casa de Axé).

Obá de Xangô - Título-de-honra vitalício criado em 1936 por Mãe Aninha no Ilê Axé Opo Afonjá, para homenagear amigos importantes e grandes defensores do terreiro. Jorge Amado ocupou uma das doze cadeiras do conselho dos Obás de Xangô - orixá a que esse terreiro é consagrado. Amado foi condecorado por Mãe Senhora.

Outras expressões:
Pelô – abreviação de Pelourinho. Referência à famosa ladeira de Salvador, que serviu de cenário do livro “Tenda dos Milagres” e da minissérie de mesmo nome.

Morada dos Milagres – Trocadilho com o nome do livro Tenda dos Milagres (de Jorge Amado) e a Morada do Samba.

FONTE: Departamento Cultural Mocidade Alegre

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