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sexta-feira, maio 11, 2012

Trabalho escravo contemporâneo: modelo econômico ou cultura arcaica?


Previsto em legislação desde 2003, o crime de escravidão contemporânea suscita debates e polêmicas: afinal, trata-se de um resquício da cultura que não foi apagada pela Lei da Abolição, de 13 de maio de 1888, ou de uma questão de modelo de exploração econômica? A visão de alguém acorrentado e açoitado, de fato, não traduz esta infração nos dias atuais. Para o Código Penal brasileiro, o crime ocorre por "reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".
Por mais que seja recorrente a comparação dos atuais flagras de trabalho degradante com a cultura escravocrata que prevaleceu no Brasil durante o século 19, especialistas advertem para o fato de as condições encontradas na sociedade, atualmente, serem diferentes se vistas sob as óticas social e econômica. De acordo com o juiz Marcus Barberino, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), o trabalho escravo anterior ao ano de 1888 é uma visão moralmente justificada de que o trabalho é um bem ou uma propriedade.
"É muito pouco provável que os 'escravocratas' de hoje tenham essa dimensão, uma dimensão moralista, ou mesmo religiosa, do tipo 'eu estou dando emprego a essas pessoas que são miseráveis'. O que eu acho é que esse discurso casa com uma coisa que vem da estrutura socioeconômica brasileira, que é a superexploração. O que esse empregador precisa é de estímulo econômico para cumprir a lei. Ele explora porque existem condições socioeconômicas, condições de mercado, que lhe são favoráveis para usar isso e explorar desse modo", considera Barberino.
Só em 2011, o dado mais recente do Ministério do Trabalho e Emprego, 2.628 pessoas foram resgatadas por estarem em condições subumanas de trabalho. Desde 2001, quando o MTE intensificou a fiscalização e as ações de resgate com grupos especiais, flagrantes em propriedades canavieiras, de carvoaria e também na abertura de novos desmatamentos, principalmente nos estados do Norte do país, foram os principais cenários nos quais foram encontrados trabalhadores em situação degradante. Horário de trabalho excessivo, más condições de higiene e de moradia e servidão por dívida estão entre os motivos mais frequentes.
Para Eduardo Girardi, geógrafo e pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), um dos autores do Atlas do Trabalho Escravo, a escravidão contemporânea não tem um caráter racial, mas, assim como acredita o juiz Marcus Barberino, passa por uma visão econômica. "Não acredito que tenha relação com a cultura escravocrata, mas acredito que tenha a ver com a mentalidade da própria elite brasileira. A sensação de impunidade e de que o poder econômico suplanta todas as outras regras acordadas pela sociedade, que é, por exemplo, um acordo de não haver trabalho escravo no Brasil", diz. 
Ou seja, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 438, que expropria e destina para reforma agrária a terra na qual for flagrada escravidão, vai no cerne da questão. Se votada esta semana, como planeja o governo de Dilma Rousseff, será mais um instrumento em uma luta retomada em 1995 e intensificada desde 2003. 

Subjetividade

As leis que regem o Código Penal e a abordagem de trabalho escravo no Brasil, na opinião de deputados contrários a mudanças na lei, estabelecem critérios subjetivos. Para o deputado federal Moreira Mendes (PSD-RO), presidente da Frente Parlamentar de Agricultura, o problema não é a aprovação da PEC do Trabalho Escravo em si. "Não teria problema nenhum se tivéssemos uma lei que definisse claramente o que é o trabalho escravo. Porque trabalho escravo é uma coisa, escravidão é outra. Trabalho degradante e meliante são outras. E o excesso de trabalho é outra coisa ainda, que também não é escravo", defende o parlamentar.

Moreira Mendes ainda comenta sobre as "diversas confusões na interpretação". Ele cita, por exemplo, critérios a respeito do colchão que o empregador deve oferecer ao trabalhador e que pode sugerir diferentes interpretações. "Tem uma regra que diz que o colchão de um estabelecimento rural, onde dorme um trabalhador, tem que ter no mínimo 10 centímetros de altura e densidade de 33 centímetros. Então vai o fiscal, mede o colchão, que dá 8 centímetros de altura e com uma espuma bem ruim. Pronto, diz que é trabalho escravo, dá uma canetada no dono do estabelecimento rural e coloca num cadastro federativo e acabou a vida dele", afirma Mendes, em referência à chamada "lista suja", atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho com as propriedades nas quais foram encontrados trabalhadores reduzidos à escravidão. 

O juiz do Trabalho Marcus Barberino contesta essa posição. Para ele, quando o caso chega à Justiça, os magistrados não decidem com base em critérios discricionários ou subjetivos, não dando, assim, possibilidade de "montar" um conceito próprio de trabalho escravo. Barberino afirma que a ideia principal a respeito do que é trabalho escravo contemporâneo deve-se à constatação de que isso é um sistema de exploração. "Quando você olha para a ideia de sistema, você pensa que aquelas circunstâncias se dão de modo reiterado naquela propriedade", conclui.

Impasse

No começo deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia e transformou em réu o senador João Batista de Jesus Ribeiro (PR-TO) por denúncia de crime de trabalho escravo em uma propriedade no Pará. A maioria dos ministros acolheu denúncia da Procuradoria Geral da República, que apontou haver ocorrido aliciamento de trabalhadores. Porém, o ministro Gilmar Mendes manifestou não enxergar nos autos prova de que houve o crime, e argumentou que as más condições a que estavam submetidos aos trabalhadores são fruto das diferentes condições regionais brasileiras.
“A inexistência de refeitórios, chuveiros, banheiros, pisos em cimento, rede de saneamento, coleta de lixo é deficiência estrutural básica que assola de forma vergonhosa grande parte da população brasileira, mas o exercício de atividades sob essas condições que refletem padrões deploráveis e abaixo da linha da pobreza não pode ser considerado ilícito penal, sob pena de estarmos criminalizando a nossa própria deficiência”, considerou.

Para Frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra, Gilmar Mendes assumiu uma postura igual à da bancada de representantes do agronegócio no Congresso. "Daí a dizer que a questão do trabalho escravo não está clara neste caso, sendo que a própria OIT (Organização Internacional do Trabalho) considera o país um modelo no combate ao trabalho escravo, é um pouco demais", criticou.

FONTE:Virginia Toledo / Rede Brasil Atual 

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