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quarta-feira, junho 20, 2012

Rio+20: Rascunho Zero, Nota Zero!


A diplomacia brasileira perdeu uma chance única para surgir como um polo inovador e ousado, comportando-se de forma tradicional e como se o tema tivesse que ser tratado como uma das muitas crises retóricas existentes no âmbito da ONU.


Riocentro, Rio de Janeiro – cerca de 170 representantes de todo o mundo, entre chefes de estado e chefes de governo, começaram hoje, aqui no Rio, a Conferência da ONU para deter um modo destrutivo e insustentável de uso dos recursos do planeta. Trata-se de reverter, em pouco tempo, um modo de produção e de consumo instalado desde a Revolução Industrial, no século XVIII, que se mostra hoje insustentável e destrutivo. 

O Brasil como articulador global
O Rio está em festa! Claro que os moradores comuns, aqueles que vão ao trabalho, que usam os aeroportos, que pegam táxis e trafegam pelas linhas de acesso ao centro da cidade não estão contentes. 

Engarrafamentos, passeatas que fecham avenidas, lotação de voos e outros dissabores estão no pacote. O humor carioca já apelidou a Conferência de Rio+20 "minutos" – margem mínima de atrasos... Mas, em compensação, as ruas estão cheias de gente alegre, colorida, diferentes e muito curiosos sobretudo, como as belas moças, de peito nu, dos “Tambores de Safo”. Os hotéis estão lotados, pousadas e mesmo moradias abrigam o pessoal dos movimentos sociais. Nas ruas manifestam-se mulheres, índios, gays, camponeses, sem-tetos e, claro, funcionários públicos em greve.

Em fim, a cidade cumpre seu papel de cidade de acolhimento, cosmopolita e amigável com todas as tribos.

A irritação, e mesmo certa decepção, ficou por conta das reuniões preparatórias do Documento Base a ser discutido e assinado pelos representantes aqui presentes. O chamado Documento Zero, inicialmente realista, apontando para as graves necessidades de alimentos, energia e água da humanidade até 2030 – em termos de história isso quer dizer “amanhã pela manhã” – não foram contemplados com a gravidade imposta pela realidade. A direção da diplomacia brasileira – anfitriã a quem cabia dirigir os trabalhos – foi fraca e muito mais interessada em “costurar” consensos superficiais do que aprofundar decisões. 

Ao contrário de Copenhague em 2009, quando em face de uma tentativa dos Estados Unidos e da China Popular em esvaziar o processo de tomada de decisões, o Brasil e a França (representando a União Europeia) fizeram esforços e tomaram decisões autônomas, a diplomacia brasileira no Rio este ano optou por eliminar os pontos mais difíceis, transformou metas objetivas em promessas para o futuro e transferiu para 2015 as decisões que (com atraso) já deviam ter sido decididas. Por fim, abandonou a parceria com a França como país líder no desenvolvimento sustentável.

A Rio+20 tornou-se uma conferência criadora de uma mapa, de uma “folha de rota”, mas não uma conferência decisiva.

Uma agenda internacional confusa
O momento de reunião da Rio+20 é, em seu conjunto, é muito ruim. A crise econômica mundial – choque brutal sobre a Zona do Euro, fragilidade da economia americana, paralisia do Japão e desaceleração dos países emergentes – é, sem dúvida, um quadro de pessimismo, com a maioria dos países lutando por emprego e crescimento da renda. Além disso, o calendário diplomático mundial foi mal pensado. Com as eleições nos Estados Unidos e na Europa – exceção valorosa para François Hollande – a maioria dos chefes de estado não estão disponíveis para uma agenda tão longa na Rio e, muito menos, para promessas de encarecimento da produção e do consumo através da limitação da “economia fóssil”. 

Para piorar a situação, a reunião do G-20 no México, ficou colada na Rio+20, fazendo com que muitos chefes de estado não pudessem ficar fora de seus países tanto tempo. E, incluímos aí, o ministro do exterior do Brasil, que ausente, não pode tomar as iniciativas necessárias, deixando as decisões sobre o Rascunho Zero nas mãos dos diplomatas formados na “escola do consenso”.

Tudo isso era previsível. Tudo isso era agenda aguardada. Houve imprevisão.

As decisões não tomadas
Para conseguir tal consenso a diplomacia mundial, e em especial a brasileira, aceitou a limitação castratadora do Documento Base. Pontos fundamentais foram afastados, in limine, das decisões em pauta, a saber:

i. A transformação do PNUMA (Programa das Nações Unidas para Meio-Ambiente, criado em 1972) numa agencia mundial, com poderes normativos e reguladores;

ii. Total silêncio sobre a proposta de criação de um imposto sobre as transações financeiras mundiais (o “hot Money”) para financiar a nova “economia verde”;

iii. O estabelecimento de metas objetivas, gerais, com clara distribuição entre os países, capazes de serem verificadas, de imediato.

Ao abrir mão de tais questões, num debate diplomático baseado, de forma equivocada, na ideia de que pouco é melhor do que nada, a Rio+20 esvaziou suas principiais expectativas.

A diplomacia brasileira perdeu uma chance única para surgir como um polo inovador e ousado, comportando-se de forma tradicional e como se o tema tivesse que ser tratado como uma das muitas crises retóricas existentes no âmbito da ONU.

O Secretário-geral a ONU, Bam Ki-moon, normalmente invisível, foi, em seu discurso de abertura, inciso e não deixou de demonstrar sua decepção, e o presidente François Hollande, foi, por sua vez, claramente ousado e propondo metas e ações imediatas, são as exceções, até o momento, no pavilhão de conferencias do Riocentro. Infelizmente o Brasil ficou na retaguarda da luta pela sustentabilidade.

Esperemos que nos próximos dias, quiçá horas, o Itamaraty acorde para o imenso dano que pode representar uma Rio+20 fraca e sem objetivos claros.

FONTE:carta maior - Francisco Carlos Teixeira -  Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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