Entrevista especial com Jeremias Filipe Vunjanhe
“Diante das
reivindicações das famílias, os governos Distrital de Moatize e Provincial de
Tete têm se posicionados como porta-vozes da Vale defendendo interesses desta
companhia em detrimento do seu povo”, denuncia o jornalista.
“Dividir para reinar”. É assim que os
cidadãos moçambicanos interpretam o reassentamento de aproximadamente 1313
familias decorrente da conclusão da primeira fase do projeto de mineração da
Vale no Distrito de Moatize, Província central
de Tete. A instalação da mineradora
brasileira em Moçambique tem gerado polêmica
e diversos conflitos entre o governo e os órgãos de direitos humanos locais.
Representando as comunidades reassentadas, a Justiça Ambiental submeteu uma
Carta Queixa e uma petição à Comissão dos Assuntos Sociais, Gênero e Ambiente
da Assembleia da República, mas as ações “foram ignoradas”, segundo o
jornalista Jeremias Vunjanhe.
Vunjanhe participa da campanha de monitoria do projeto de mineração da vale e, na semana passada, visitou as famílias reassentadas durante três
dias. Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, ele diz
que a situação das pessoas que foram realocadas para outros bairros da região
“é péssima e revoltante. (...) Há dificuldades de acesso à água potável,
energia, transporte, serviços básicos como escolas e saúde, acesso à terra
arável para agricultura. De fato estas famílias estão passando fome aguda e
estão vivendo em precárias condições por causa do deslocamento em função do projeto
da Vale, que não tem honrado com os seus compromissos”.
Para a ele, a situação é ainda mais
grave porque o governo conhece a situação das famílias e utiliza a força
policial para conter os protestos e reivindicações. “De acordo com a informação
obtida, o Comandante da Polícia da República de
Moçambique - PRM e o seu batalhão, incapazes de dispersar os reassentados, ordenaram a
vinda da Força de Intervenção Rápida - FIR para Cateme. (...) Durante a sua intervenção, a FIR fez rusgas às casas,
arrombando portas com pontapés e agredindo várias pessoas. 14 jovens foram
capturados e encarcerados, durante cerca de três horas no Posto Policial local.
Mais tarde, cinco dos detidos foram soltos e os outros nove, foram transferidos
para as celas da cadeia da Carbomoc, na Vila de Moatize, onde permaneceram
durante dois dias e duas noites sem alimentação adequada e submetidos a
torturas e maus tratos por agentes da PRM. Só foram libertados no dia 12, após
intervenção da Procuradoria. Dois dos detidos apresentam ferimentos nas nádegas
e sinais de vários golpes no corpo”, relata.
Jeremias Filipe Vunjanhe é jornalista graduado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade
Eduardo Modlane de Maputo, Moçambique. Atualmente é coordenador da Área de
Mídia da Justiça Ambiental e da campanha de Monitoria do Projeto de Mineração
da Vale em Moatize.
Confira a
entrevista.
IHU On-Line - Quantas
famílias já foram reassentadas em função dos projetos de Mineração da Vale
na Província da Tete?
Jeremias Filipe
Vunjanhe - A primeira fase do Projeto de Mineração da Vale
no Distrito de Moatize, Província central de Tete, já reassentou
cerca de 1313 famílias, o equivalente a sete mil pessoas. 717 famílias
classificadas pela Vale como sendo rurais foram reassentadas na região de
Cateme, há aproximadamente 40 quilometros da Vila de Moatize e 60 quilometros
da cidade de Tete. Outras 596
famílias consideradas urbanas pela empresa foram reassentadas no Bairro 25 de
Setembro, nos arredores do município de Moatize. Segundo Thomas Selemane (2011), investigador do Centro de
Integridade Pública, a divisão das 1313 famílias reassentadas em rurais e
urbanas é considerada por setores da sociedade moçambicana como uma estratégia
da companhia brasileira que tem como objetivo “dividir para reinar”.
IHU On-Line – Qual
a situação das famílias que estão vivendo no bairro 25 de Setembro e em outros
bairros da região?
Jeremias Filipe
Vunjanhe - Cerca de 596 famílias reassentadas
pela vale no Bairro 25 de Setembro, nos arredores da Vila de Moatize. A situação
e a condição de vida destas famílias é péssima e revoltante, semelhante a das
pessoas que estão na região de Cateme. Falta tudo neste
bairro. Há dificuldades de acesso à água potável, energia, transporte, serviços
básicos como escolas e saúde, acesso à terra arável para agricultura. De fato
estas famílias estão passando fome aguda e estão vivendo em precárias condições
por causa do deslocamento em função do projeto da Vale, que não tem
honrado com os seus compromissos. Os fatos e circunstâncias vividas pelas famílias
reassentadas pela Vale são mais graves ainda se
considerarmos que esta situação é conhecida pelos governos local, distrital,
provincial e central de Moçambique, que nada fazem para ultrapassá-las.
IHU On-Line - Você
visitou essas famílias? O que as pessoas dizem em relação à Vale e quais são
suas reivindicações?
Jeremias Filipe
Vunjanhe - Durante três dias (13, 14 e 15 de
janeiro), novamente, visitei as famílias reassentadas pela Vale no Bairro 25 de Setembro e na região de Cateme, onde mantive vários contatos. As pessoas estão revoltadas e dizem que
foram enganadas e burladas pela Vale. Dizem ainda que foram abandonadas e
traídas pelo governo de Moçambique. As
famílias reassentadas dizem que Moatize é um “Pequeno
Brasil” e já não pertence a Moçambique. Elas reivindicam contra o processo de
reassentamento desde o início mal conduzido; infraestrutura de má qualidade e
sem condições de habitação; dificuldade de acesso à água, terra e energia;
terra imprópria para a agricultura; fome aguda e subnutrição de crianças; o não
cumprimento de promessas de indenização; restrição à circulação de pessoas
através da instalação da vedação à volta da Vila de Moatize e das vias de
acesso aos recursos; o não cumprimento da promessa de provisão trimestral de
produtos alimentares durante os primeiros cinco anos de reassentamento; o não
cumprimento das responsabilidades do Estado de monitorar todo o processo de
reassentamento e garantir o cumprimento total e integral das obrigações da Vale Moçambique para com os afetados; conflitos de
terra com as comunidades originárias de Cateme; falta de meios de transporte
para a circulação de pessoas e bens; permanente abandono e desamparo a que as
comunidades reassentadas foram sujeitas pelas instituições de Justiça, do
Estado, do governo, às quais têm recorrido, nos últimos dois anos, com vista à
reposição dos direitos violados através de petições, queixas e reclamações sem
resposta.
Relato
"Nós queremos
voltar para as nossas zonas de origem. Só aceitamos sair de lá e sermos
reassentados por causa das promessas que a Vale se comprometeu a cumprir. A
Vale se comprometeu a repor condições iguais ou melhores das que nós já
tínhamos. Prometeu que durante cinco anos iria prestar todo o apoio necessário
e assistência técnica, além de manutenção das novas infraestruturas. Mas agora
nada disso está sendo cumprido. Faltam escolas, água, energia, terra para a
agricultura. Estamos passando fome. Falta quase tudo e nós estamos
sofrendo." Este foi um dos relatos que ouvi de um dos populares que vive
no Bairro 25 de Setembro.
IHU On-Line - Como
os governos Distrital de Moatize e de Tete se posicionam diante das
reivindicações das famílias? Quais as relações dos governos com a Vale?
Jeremias Filipe
Vunjanhe - Diante das reivindicações das
famílias, os governos Distrital de Moatize e Provincial de Tete têm se posicionado como porta-vozes da Vale defendendo interesses desta
companhia em detrimento do seu povo. Durante as manifestações de caráter
pacífico e consagradas na Constituição da República de Moçambique, o governo de
Moçambique, do Distrito de Moatize e da Província de Tete, com recurso da Polícia da República de Moçambique - PRM e da Força de Intervenção Rápida - FIR, reprimiu brutal e
violentamente as famílias reassentadas em Cateme. De acordo com a
informação obtida, o Comandante da PRM e o seu batalhão, incapazes de dispersar
os reassentados, ordenaram a vinda da FIR para Cateme. Curiosamente,
encontra-se instalada uma unidade da FIR alimentada por fundos da Vale,
junto à estrada Nacional Nº 103, que liga a cidade de Tete ao Malawi, passando
por Zóbwe e o cruzamento da estrada de terra planada que vai para Cateme. Por
volta das 10 horas do dia 10 de janeiro, a FIR chegou ao local e o som da sua
sirene atraiu os reassentados ao local. Eles pensavam que finalmente teriam uma
oportunidade para ouvir o governador ou o representante da Vale. No entanto, de
imediato a FIR começou a agredir violentamente os reassentados fazendo com que
estes fugissem para as suas casas. Durante a sua intervenção, a FIR fez rusgas
às casas, arrombando portas com pontapés e agredindo várias pessoas. 14 jovens
foram capturados e encarcerados, durante cerca de três horas no Posto Policial
local. Mais tarde, cinco dos detidos foram soltos e os outros nove, foram
transferidos para as celas da cadeia da Carbomoc, na Vila de Moatize, onde
permaneceram durante dois dias e duas noites sem alimentação adequada e
submetidos a torturas e maus tratos por agentes da PRM. Só foram libertados no
dia 12, após intervenção da Procuradoria. Dois dos detidos apresentam
ferimentos nas nádegas e sinais de vários golpes no corpo.
No dia 17 de janeiro, em sequência
dos acontecidos acima referidos, ocorreu um encontro entre o governador de
Tete, Alberto Vaquina, e as famílias reassentadas
no Bairro 25 de Setembro, na Vila de Moatize. Várias fontes presentes na
reunião denunciaram à Justiça Ambiental durante à tarde do dia 18, aquilo que
consideram ameaças feitas pelo governador.
Tráfico de
influência
O peso do investimento da Vale na
economia do país e sua excessiva influência política no governo de Moçambique
permitiram o surgimento de relações perigosas com o poder local, distrital,
provincial e central, muitas vezes construídas a partir da divisão de membros
de uma mesma família, comunidade ou governo. Há denúncias de tráficos de
influência junto de figuras importantes do governo Central, que simultaneamente
tem interesses empresariais no empreendimento da Vale. Uma unidade da Força de Intervenção Rápida - FIR da Polícia da República
de Moçambique foi destacada para guarnecer os interesses da Vale junto à estrada Nacional Nº 103, que liga a cidade de Tete ao Malawi,
passando por Zóbwe e o cruzamento da estrada de terra planada que vai para
Cateme. Toda a logística desta unidade da FIR é suportada pela Vale, que é
responsável pelos custos de alimentação, transporte, água e outras condições
consideradas como estímulos para a execução do seu trabalho. A Vale também financiou despesas significativas do governador Alberto Vaquina. Sabe-se ainda que muitas vezes a Vale financia instituições do governo.
IHU On-Line - Como
a sociedade civil e os órgãos de Direitos Humanos têm se posicionado diante dos
conflitos entre as famílias e a Vale?
Jeremias Filipe
Vunjanhe - Diante dos conflitos entre as
famílias e a Vale, a sociedade civil
e os órgãos de Direitos Humanos têm se posicionado contra a forma como a
empresa brasileira Vale Moçambique reassentou populações que foram desalojadas
dos seus locais habituais de residência, além de manifestar a sua solidariedade
e prestar todo o apoio e assistência necessária para as famílias. Os órgãos de
Direitos Humanos condenam amplamente o uso excessivo e justificado da violência
contra pessoas indefesas e desprotegidas. A Justiça
Ambiental, organização na qual trabalho em parceria com a Liga dos Direitos Humanos, tem facilitado o acesso a
instituições de justiça e de saúde das famílias reassentadas e vítimas da
repressão da Polícia de Moçambique. Uma equipa da Liga dos Direitos Humanos
está em Moatize para trabalhar com as famílias reassentadas. Outras
organizações como Associação de Apoio e Assistencial
Jurídica às Comunidades - AAAJC e o Fórum das
organizações Não Governamentais de Tete também estão trabalhando com as
famílias reassentadas.
IHU On-Line – Esses
fatos estão sendo divulgados na imprensa local?
Jeremias Filipe
Vunjanhe - Felizmente, uma parte significa da imprensa local, particularmente a
chamada imprensa independente, tem noticiado amplamente os casos de
reivindicação das famílias reassentadas e da repressão a que foram vítimas pela
Polícia da República de Moçambique e sua unidade de Força de Intervenção Rápida - FIR. Vários órgãos de
imprensa moçambicana com destaque para os jornais Canal de
Moçambique, Savana, Canal de Televisão STV, Diário de
Moçambique, a Rádio Moçambique, A Verdade, O País fizeram uma
cobertura dos acontecimentos de Cateme. Maior parte destes órgãos enviaram seus
repórteres a Cateme, que com devido profissionalismo e rigor deram maior
destaque e repercussão nacional ao fato. Desta vez parece que este segmento da
imprensa local teve pujança e coragem suficientes para estarem do lado dos
fatos e da verdade, ainda que sem a requerida investigação e enquadramento.
Entretanto, os chamados órgãos públicos como a Televisão
de Moçambique - TVM (o único órgão de televisão pública no país), e o Jornal Notícias (diário de maior circulação) foram
demasiado cautelosos e excessivamente omissos na abordagem destes
acontecimentos. Aliás, setores importantes da sociedade moçambicana consideram
que a TVM e o Jornal Notícias manipularam os fatos e tentaram, sem sucesso,
desinformar a opinião pública.
Todavia e apesar dessa avaliação
positiva da cobertura da imprensa local, é preciso realçar que a mesma agiu com
alguma lentidão e não tem dado seguimento às notícias. Apenas começaram a
mostrar interesse pelos acontecimentos de Cateme quando uma nota de imprensa da
autoria da Justiça Ambiental foi divulgada regional e internacionalmente pelas
principais agências de notícias do mundo como a Reuters, CNN, Rádio France Internacional, a Rádio Voz da Alemanha, Agência
Lusa entre outros. É particularmente interessante destacar a forma peculiar
como a Justiça Ambiental agiu evitando com os acontecimentos de Cateme não
fossem mais uma vez alvos de uma censura generalizada pela imprensa local.
IHU On-Line - Deseja
acrescentar algo?
Jeremias Filipe
Vunjanhe - Desde agosto de 2009 coordeno a
campanha da Justiça Ambiental – JA!, uma importante
organização da sociedade civil reconhecida pelo seu trabalho contra os impactos
negativos dos projetos de desenvolvimento em Moçambique, e de Monitoria do
Projeto de Mineração da Vale em Moatize. Desde então acompanho com particular
atenção e muita indignação o assentamento das
1313 famílias e todos os impactos sociais negativos provenientes deste
processo. Durante os últimos três anos a JA! tem desenvolvido um intenso
trabalho de monitoria, confrontada com denúncias e queixas relatando graves
irregularidades no contexto do processo de reassentamento involuntário
resultante da implantação do projeto de Mineração da Vale.
Entre os dias 25 e 26 de outubro de
2011, decorreu em Maputo o Seminário sobre
Responsabilidade Corporativa em Moçambique, organizado em parceria entre o Centro de Serviços de Cooperação para o Desenvolvimento Kepa e a JA!. Durante o encontro, a voz das comunidades de Moatize ergueu-se mais uma vez, denunciado os
impactos e violações da Vale como um grito de socorro para as autoridades
governamentais nacionais e organizações da sociedade civil, que advogam em prol
do respeito e promoção dos direitos humanos. A Justiça Ambiental aproveitou a
oportunidade da presença dos representantes das comunidades de Moatize em
Maputo para agendar dois encontros com os Ministérios dos Recursos Minerais e
da Administração Estatal. Em seguida, a JA! Representando as comunidades
reassentadas pela Vale, teve um encontro com a Comissão dos Assuntos Sociais,
Gênero e Ambiente da Assembleia da República, onde submeteu uma Carta Queixa e
uma petição. Cópias desta documentação foram entregues pelos reassentados ao
governador de Tete, à Direção Provincial dos Recursos Minerais e Energia de
Tete e aos Ministérios dos Recursos Minerais e da Administração Estatal,
solicitando a intervenção destas entidades na resolução urgente dos problemas.
Entretanto, todas as diligências feitas pelas famílias e por diversas
organizações foram ignoradas.
FONTE: .ihu.unisinos /Por Patricia Fachin
Cúpula dos Povos protesta contra veto à entrada de ativista moçambicano
Jeremias Vunjanhe faria parte de painel contra atividades
da mineradora Vale no país africano
O dia de abertura da Cúpula dos Povos, evento paralelo e crítico à Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi marcado por uma nota de protesto por parte da coordenação do evento contra o veto à entrada no Brasil do ativista moçambicano Jeremias Vunjanhe. O jornalista é representante da ONG Justiça Ambiental e membro da Federação Internacional Amigos da Terra.
Tanto os representantes de sua delegação quanto a organização do evento afirmam que Vunjanhe foi deportado sem qualquer justificativa. Segundo os organizadores, ele possuía visto de entrada emitido pelas autoridades diplomáticas brasileiras em Maputo. Os organizadores confirmaram na noite desta sexta-feira, aproximadamente às 21 horas, que ele conseguiu regularizar sua situação e estaria voltando ao ´Brasil.
Vunjanhe foi impedido pela Polícia Federal de entrar no país em 12 de junho, em São Paulo. Ele participaria do III Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale, que critica a atuação da empresa brasileira em Moçambique. A mineradora é acusada de desalojar, segundo a ativista Graça Samo, 40 mil famílias de agricultores de suas terras na região da província de Tete para terras de baixo cultivo e em moradias precárias.
A Polícia Federal foi contatada por Opera Mundi mas ainda não enviou a resposta até as 21h desta sexta-feira. A assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores não confirmou a volta de Jeremias nem o pedido de desculpas. No início da noite, afirmou que mantinha contato com a PF para verificar o ocorrido e tentar viabilizar sua vinda, “sempre seguindo os trâmites legais”. “A ideia é que todos os que foram convidados possam vir ao Rio", afirma a assessoria.
FONTE: OPERA MUNDI
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