O historiador Joel Rufino conta suas impressões sobre os recentes crimes raciais no futebol
No ano em que o Brasil recebe a Copa do Mundo da Fifa, novos casos de racismo no futebol continuam surgindo. Episódios que muitas vezes não recebem a atenção necessária por parte de governos e entidades esportivas. O Brasil de Fato entrevistou o professor e escritor Joel Rufino, um dos maiores especialistas no debate sobre os direitos da população negra. Confira suas análises sobre o racismo no mundo da bola.
Brasil de Fato - Como o senhor avalia o racismo no futebol?
Joel Rufino - O futebol se tornou um dos negócios mais rentáveis do mundo. Os clubes europeus disputam aqueles campeonatos a ferro e fogo, como se fossem batalhas, e nesses momentos de grande competição o racismo aparece, é colocado pra fora. Em épocas de paz, sem competitividade, o racismo existe, mas está escondido, a pessoa tem vergonha de ser racista. Quando a competição se acirra como nesse futebol de hoje, a pessoa perde a vergonha de ser racista, de maltratar o outro.
Brasil de Fato - A CBF lançou em 2014 a campanha “Somos Iguais”. O senhor acredita nas ações da Fifa e de suas confederações no combate ao racismo?
Eu acho muito difícil a Fifa ser sincera em alguma coisa. Não acredito. Pode ser que ela seja também, temos que dar o benefício da dúvida. Mas uma instituição com a riqueza da Fifa, com o poder de entrar nos países e fazer o que quiser, de distribuir dinheiro, como é que pode uma instituição dessa combater o racismo? Não sei como. Por exemplo, faz tempo que podiam tomar medidas drásticas contra a demonstração de racismo. Nunca tomaram. Aqui mesmo na América do Sul, houve o caso do Perú, que xingaram um jogador brasileiro num jogo em Lima. Esse time continua na liga, não puseram pra fora. Os juízes levam o jogo até o fim por instrução das federações, embora a regra seja clara. Em caso de demonstração de racismo os juízes podem parar o jogo, mas eles não param. Levam o jogo até o fim, mandam a polícia atrás do cara, às vezes nem isso. Na prática eles não fazem nada. (Joel se refere ao jogo entre Cruzeiro e Real Garcilaso em fevereiro de 2014. Na partida, quando o jogador do time mineiro Tinga pegava na bola, a torcida adversária imitava sons de macaco).
Brasil de Fato - E durante o mundial de futebol?
Nessa Copa que vai ter aqui no Brasil, se houver demonstração de racismo por parte dos torcedores ou dos jogadores em campo, você acredita que a CBF e o governo brasileiro, vão tomar alguma medida? Você acredita? Não, eles não vão porque eles vão querer continuar a Copa. O importante para eles é a Copa.
Brasil de Fato - Em uma partida contra o Villareal em abril deste ano, o lateral do Barcelona Daniel Alves comeu uma banana arremessada no gramado. Para o senhor, o que representa esta atitude?
Pode ser um plano de marketing, mas até que provem o contrário foi um gesto espontâneo e antirracista. A banana que é símbolo do macaco, portanto é um símbolo racista, foi comida por ele e aquilo vai se transformar em merda. Tudo o que você come se transforma em merda. Eu achei muito bonito, eu gostei disso. Acho que foi um anti-gesto, um anti-símbolo. Comeu a ofensa e transformou ela em merda.
Brasil de Fato - Como devemos enfrentar o racismo?
Eu acho que tem que reagir, essa é a primeira coisa. Qualquer ato de racismo contra uma pessoa tem que ter uma reação, ou da própria pessoa ou de quem tiver ao lado. Isso de alguma maneira é pedagógico. Não é pela punição em si, mas ensina que o racismo é um crime. A segunda é apoiar as ações afirmativas do governo, seja qual for. Vê se muda esse quadro de ausência de profissionais negros. O problema é estrutural. Se é preconceito, eu posso citar aqui número de medidas que se pode tomar. Se é o racismo, que é estrutural, é muito mais sério, demanda muito mais esforço de todos, das organizações, dos sindicatos. É preciso organização para fazer reformas de base. Pressão, luta, ir para as ruas.
FONTE: BRASIL DE FATO
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